Na sede do time de Poliana, o clima era, inicialmente, de comoção. A
surpresa não estava em terem perdido a disputa, mas no inacreditável placar
final. Não era possível nadar tanto e morrer a sete braçadas da praia. Poucos
minutos após o choque inicial, uma enxurrada de gritos e acusações tomara conta
do ambiente. A derrota torna todos irracionais. Alguns mais irracionais que
outros.
Era preciso encontrar culpados. Uns não se esforçaram o suficiente.
Outros, que deviam ter ficado escondidos, se mostraram mais do que o povo
gostaria de assistir. Ao invés de uma imensa e barulhenta carreata, deveriam
ter batido um pouco mais de pernas nos subúrbios na véspera da disputa. As
malas de dinheiro escuso não foram suficientes desta vez. Faltou pouco. Poucos
trocados.
Curiosamente alheia ao clima tenso do local, estava Poliana. Sentada a um
canto, saboreava lentamente seus adorados bombons de amarula. Os olhinhos de
biscuit passeavam distraidamente pelos presentes. Observava seus bobos da
corte. Alguns chorosos. Outros inflamados. Tantos inertes e alienados, como de
costume. “Não sei como aturei essa gente sem vontade por tanto tempo.”, pensava
a sempre dinâmica monarca, enquanto ouvia as lamúrias de seus pares.
- Não consegui! Não consegui! – choraminga Santo Jorge, com as mãos na
cabeça, lamentando a vaga perdida na câmara de vendilhões, onde sequer chegara
a esquentar a cadeira já que preferira pedalar – em ritmo lento – as midiáticas
obras de Poliana. Não conseguia entender o que dera errado. Nos tempos em que
fora maestro da Orquestra Partidária (OP) conquistara multidões com
churrasqueiras e canchas de bocha nos festivais pirotécnicos da OP. Pois agora,
com feitos mais notáveis e sólidos como ciclofaixa não conseguira agradar ao
povo. Falta de consciência ecológica e espírito desportista dessa gente, com
certeza.
- Você não tem do que reclamar! – resmunga Golesminha, cabisbaixo. –
Ainda lhe resta aquela vaga na Escola de Ensino Superior que o contribuinte
pagou e você nunca ocupou. E eu?! – exclama, emocionado. – O que será de mim? O
que eu vou fazer? Vou viver do quê? – pergunta à Poliana, buscando uma solução
para a insolúvel questão.
- Trabalhar, quem sabe. – reponde
Poliana, placidamente, desembrulhando mais um bombom.
- Trabalhar? – indaga Golesminha,
empalidecendo. – Trabalhar? – repete, a amorfa criatura, como se tentasse
entender o significado da palavra. – Mas
eu nunca fiz isso na vida, Poliana! Eu sei falar bastante sobre exploração do
proletariado. Decorei um monte dessas baboseiras para seduzir trabalhador de
verdade nos tempos de sindicalista. E sei como atrapalhar a vida de quem quer
trabalhar, mas... trabalhar?! – desespera-se ainda mais o homem.
- Você pode voltar a suas
origens. Não de sindicalista, é claro. Com o desemprego correndo solto, já tem
mais sindicalista parasitando do que gente trabalhando. Volta para agricultura.
É a sua cara! – sugere a rainha, tentando conter o riso ao ver o pobre
Golesminha empalidecer ainda mais.
- Pra colônia?!! – grita o outro
com voz trêmula. – Plantar? Colher? Eu jamais plantei um pé de alface na vida,
Poliana! Não sei a diferença entre uma mandioca e um pepino. Ou entre um porco
e um gato! Meu passado de homem do campo era só para fazer bonito nas
propagandas. Eu só sei plantar ideologias para colher dinheiro fácil. É o meu
fim! – suspira.
- Não se menospreze, Golesma. Sua
perícia em manejar supercola é reconhecida em toda região. Dizem por aí que
você jamais colou os dedos. Uma façanha! Toda essa habilidade deve lhe
credenciar para algum emprego, não é? – acrescenta Poliana, sarcástica.
- Eu sei como você está se
sentindo, companheiro. – interrompe outro ortodoxo socialista, soluçante. Com o
corpanzil embrulhado em uma imensa bandeira vermelha, secava as lágrimas e
assoava o nariz na camiseta de Guevara. – Os reaça tomaram o poder! É o fim de um sonho. Mas não podemos nos submeter
ao domínio opressor do capitalismo! Essas mãos calejadas de abanar bandeirinhas,
e esse corpão sustentado com fast food e Coca-Cola pagos com dinheiro público,
jamais servirão a um patrão! Não vai ter trabalho, vai ter luta! – grita com o
punho erguido.
- E você vai viver de quê? –
pergunta Golesminha, empático com a situação do outro.
- Da aposentadoria da mamãezinha,
é claro. Só aceito dinheiro se for do Estado. Preciso ser fiel as minhas
convicções.
- Muito coerente. – acrescenta
Poliana, lambendo os dedos lambuzados de chocolate. – Ao invés de vocês ficarem
choramingando, seus inúteis, deviam analisar as estrelas. – alerta sua alteza,
em tom de impaciência. – Como vocês só sabem viver pendurados em carguinhos,
deviam, nessas alturas, se preocupar com o desempenho de nosso clã em outros
reinos. Quem sabe sobra alguma boquinha para algum de vocês em outros cantos.
Mas é melhor se apressarem. Com a derrocada de nossa estrela, faltarão tetas
públicas para tanto companheiro desempregado. Quem chegar primeiro leva. –
profetiza a rainha, provocando a imediata reação da companheirada que em bando
correram para a porta de saída, se acotovelando na tentativa de atrapalhar uns
aos outros. Não faltaram chutes nas canelas e dedos nos olhos. Os companheiros,
todos sabem, sempre lutam o bom combate.
Depois de quase esvaziado o
recinto, Poliana corre novamente o olhar pela imensa sala. O chão coberto de
bandeiras rasgadas e pisoteadas. Os tons pastel não enganaram suficientemente o
povo, constata a rainha, abaixando-se para pegar uma única e solitária bandeira
vermelha. Caminhava para a saída quando uma velha matriarca do grande clã
estrelado lhe indaga: - E você, Poliana, qual será o seu rumo agora?
- Seguirei, companheira, o
caminho que eu mesma tracei. Vou me dedicar as causas ecológicas e autossustentáveis,
agora. Ideologias mudam ao sabor do vento. Foi bom e útil enquanto durou. Boa
sorte para vocês! Talvez nos reencontremos algum dia. Vai depender do vento. O
último que sair apague a luz. – despede-se a visionária e astuta Poliana,
abandonando o grupo, e jogando displicentemente a bandeira vermelha no lixo.
“A servidão dos tolos sempre
serve aos espertos.” – conclui a ardilosa Poliana, eterna rainha da situação.
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