E Gigante Adormecido estava em
contagem regressiva para o início dos jogos mundiais. Os holofotes do mundo
inteiro, em breve, voltar-se-iam para o reino e seu mais belo cartão postal. O
povo suspendia a respiração em expectativa. E temor. O povo dessa terra tinha
orgulho de suas belezas naturais, suas festas e do seu jeito alegre e cordial
de ser. Mas, mesmo essa gente tão acolhedora e festiva, temia o ridículo. Habituaram-se
com a violência, a insegurança e a sujeira. Há muito não estranhavam obras
superfaturadas e estruturas que não funcionavam, ou até mesmo desabavam sob seus pés ou sobre suas cabeças. Faziam,
como nenhum outro povo seria capaz, piada e graça de sua própria desgraça.
Muito mais que a malandragem da qual também conseguiam se orgulhar, essa era
marca de Gigante Adormecido: rir de si mesmo. Era o seu modo de seguir em
frente.
Mas havia vergonha também, por
trás do riso fácil. A certeza de que as coisas não deviam ser como por aqui
são, fazia com que esse povo temesse suas mazelas diárias expostas aos olhos do
mundo. O medo do ridículo era maior que
o dos atentados terroristas que inquietavam outros povos. Para quem já liderava
o ranking mundial de homicídios, o terror era cotidiano e sair ileso merecia
medalha.
Enquanto os estrangeiros temiam o
famigerado mosquito transmissor de doenças exóticas, os nativos temiam doenças,
qualquer delas, que os arremessassem no moribundo sistema de saúde local.
Agonizar em macas ou estendidos em acomodações improvisadas no chão de
emergências superlotadas era o desafio diário de milhares de doentes. Sobreviver
era a grande conquista.
Aqueles vindos de fora, torciam o
nariz para a fétida lagoa, onde peixes disputavam espaço com dejetos e perdiam
a batalha. O povo de Gigante Adormecido já não sentia mais o cheiro, acostumado
que estava com a imundície de um lugar onde o acesso a saneamento básico também
era coisa para campeão.
Os atletas do mundial, cercados
de todo aparato militar jamais visto por essas bandas, sentiam-se inseguros nas
acomodações novas e repletas de problemas da vila especialmente construída para
eles. O resto da plebe sentia-se insegura em suas próprias casas, vias públicas
e no transporte coletivo, todos os minutos do ano. Insegurança em tempo
integral, mais um recorde de nossa gente.
Em breve, eles por aqui chegarão. Seremos
novamente vistos pelo mundo. Mostraremos aos mais desavisados que não somos uma
imensa selva tropical povoada por macacos. Que eles sejam críticos dos nossos
defeitos, sarcásticos com nossas qualidades e benevolentes com nosso comodismo
e inércia. Se tudo correr como o esperado, ao partirem levarão consigo a imagem
de um povo simpático, carismático e alegre, que faz graça com seus próprios dejetos,
feito macaquinhos de zoológico. E nós, os macaquinhos, não precisaremos mais
temer o fiasco. Seremos o que aceitamos ser: ridículos, mas na medida certa.
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