O clima
entre o seleto grupo de companheiros que aguardavam a Rainha Mãe na
sala de estar do Palácio Real, era de comiseração. E medo. Medo
dos números que traziam em planilhas, e da reação de sua alteza
quando se visse em frente a eles. Sentados em torno da mesa,
circulavam dígitos e faziam cruzamentos de dados. Tentavam de todas
as formas ajustar a curva. Não havia jeito. Não havia mais curva,
era um precipício estatístico.
Alheia a
fisionomia abatida de seus assessores, a monarca adentra à sala, com
seu andar militaresco, mas com a fisionomia alegre, e anuncia
satisfeita:
- Eu
perdi mais um! Mais um! Não é uma maravilha? - comemora radiante,
enquanto seus vassalos trocavam olhares sem entender.
- Mais
um ministro, rainha?
- Não!
Claro que não! Desses eu já perdi três, e só ganhei dor de
cabeça.- recorda-se a rainha já fechando a cara.
- Então...
perdeu mais um embate com o congresso?
- Não,
seu estúpido! Esses eu perco uns três por semana. Isso que eles só trabalham de segunda a quinta. Malditos
aliados. - queixa-se sua alteza, revoltada. E esclarece rápido,
para evitar mais especulações constrangedoras dos presentes: - Eu
perdi mais um quilo! Não é fantástico? Essa dieta está me
fazendo sentir outra pessoa. E é tão simples! É como economia. É
só gastar mais e reduzir o que entra. Devia se chamar dieta
Mantega. - conclui a Rainha Mãe, mostrando como seu profundo
domínio da área econômica vinha afundando Gigante Adormecido. -
Mas o que é essa papelada aí? Nossa quantos números. - observa a
rainha, detendo-se em um valor circulado em vermelho. - Caiu! Que
beleza! 2,7! A maior queda do dólar nos últimos 20 anos!
- Na
verdade, magnânima, 2,7 não é a última cotação do dólar. -
começa a esclarecer um companheiro, tentando ganhar tempo.
- É
o PIB! Nossa, que Pibão! Precisamos comemorar. - entusiasma-se
ainda mais, a sempre fora de órbita, Rainha Mãe.
- Também
não é o PIB. Este, pelas previsões, não poderá ser visto a
olho nu. - completa o outro assessor.
- Então
o que diabos é esse número? Cês parem de me enrolar! - ordena a
monarca.
- Esse
é um dos dados de uma pesquisa encomendada sobre sua popularidade
em seu novo reinado. 2,7 de bom e ótimo. - desembucha logo o
companheiro.
- Isso
já era esperado. - rebate prontamente a Rainha Mãe - Todos nós
sabemos que essa elite endinheirada, que faz panelaço nas varandas
gourmet , batendo panelas Le Creuset, não
me tem em muito alta conta. Não se conformam com minha
popularidade entre os pobres.
- Creio,
rainha, que quem ganha até dois salários
não deve ter dinheiro para comprar Le Creuset.
- Claro
que não. São uma fortuna essas panelas. Eu comprei uma dezena
aqui para o meu palácio, no meu último enxovalzinho básico. Mas
quem pagou foram os contribuintes. Eu jamais pagaria, com o meu
dinheiro, um preço absurdo desses por uma panela. - explica a
rainha de forno e fogão.
- Esse
número da pesquisa, alteza, 2,7, é de quem ganha até dois
salários.
- Até
dois salários? Mínimos ou de deputados? - questiona, tentando como sempre, se agarrar em sonhos e fantasias.
- O
Mínimo. Dos mortais. Só maior que o dos aposentados.
- É
que nós valorizamos muito, no meu reinado, o mínimo. Então,
ganhar dois mínimos, chega quase a ser um máximo, não é mesmo?
É preciso que cês entendam isso, meus queridos. E com todo nosso
investimento em educação, essas pessoas passaram a frequentar universidades. E a melhora do grau de instrução sempre cria um
povo mais crítico, exigente e mais...
- Até
a quinta série: 3,6. - continua o outro, quase impiedoso.
- Até
a quinta, é? - falseia um pouco – A qualidade de nosso ensino
melhorou muito, principalmente no ensino fundamental. A quinta
série já é quase uma pós-graduação. - fala, direto de Marte,
a Rainha Mãe de Gigante Adormecido. - Vocês não têm nenhum dado
bom nessa porcaria de pesquisa?! - grita, perdendo a paciência.
- Esses,
rainha, são os dados bons. Eles ficam ainda piores nas demais
camadas sociais e níveis de escolaridade. Pela margem de erro, em
alguns deles, sua popularidade pode ser negativa. - conclui o
companheiro, enquanto a desiludida rainha folheava outro calhamaço
de papéis.
- Também
pudera!Só pode que meu povo tenha uma imagem negativa de mim!
Olhem só essas reportagens absurdas desmoralizando minha política
econômica, criticando minha cegueira seletiva na petrorroubalheira
e me acusando de ter mentido para o povo na última campanha. Essa
mídia golpista é comprada por Oposição!
- Na
verdade, magnânima, esses aí são jornais estrangeiros. - informa
o outro, constrangido.
- Mesmo?
Que coisa. - constata, com expressão reflexiva. - A partir de que
série o inglês é ensinado nas escolas?
- Depois
da quinta. - assegura o assessor, para evitar outra torrente de
desculpas esfarrapadas.
- A
boa notícia, alteza, é que seu novo reinado está só começando.
Não completou nem noventa dias! Temos 45 meses para mudar o
cenário. - consola outro assessor, tentando ser otimista.
- 45!
Detesto esse número. - rosna, contrariada. - Falta tudo isso para
eu me livrar desse pepino? - questiona, abatida, com cara de final
de prorrogação.
- Nós
já temos estratégias, magnânima. Propaganda ilusória!
Marketing, blogs sujos, milícia virtual, robôs... E controle da
mídia, claro. A nacional, ao menos.
- Acrescentem
controle das pesquisas de opinião também. Já que não podemos
acabar de vez com a liberdade de opinião. - ordena a Rainha Mãe,
erguendo-se, pronta para retirar-se da sala. - E eu gostei da ideia
dos robôs. Podiam colocar um desses no meu lugar, nos próximos e
longos 45 meses. Pelo menos quando for para falar em público ou
negociar com o parlamento. - fala por sobre o ombro, antes de
abandonar o recinto.
- Não
seria má ideia. - sussurra um dos assessores – Até o Robocop
consegue ter mais jogo de cintura e carisma que nossa adorada
rainha. E talvez conseguisse impor um pouco de respeito com nossos
aliados.
- Que
fase! - suspira o outro – Já começo a acreditar que perder a
votação foi uma estratégia de Oposição para nos aniquilar de
vez. E se continuarmos nesse ritmo, atingiremos o pré-sal antes
mesmo do Natal. - conclui o outro, enquanto deixavam a sala real.
Levanta a mão para o interruptor a fim de apagar a luz da sala que
ficaria vazia. Muda de ideia antes de concluir a ação. O último
a sair apagaria as luzes. Uma coisa era certa, se o cenário
desastroso não conseguisse ser revertido, a Rainha Mãe seria
deixada sozinha para apagar as luzes e enfrentar a escuridão.
Assim ensinou a velha estrela dessa constelação, o Ilusionista,
eterno rei da covardia, que continuava escondido e tramando contra
sua própria criatura, na penumbra.