sábado, 22 de novembro de 2014

Um país de milhões


O velho aguardava pacientemente pelo troco do pagamento do jornal do dia. Recebia, nas mãos enrugadas e já um tanto trêmulas, as poucas moedas. Caminhando em direção ao banco da praça, remexia pensativamente as moedas no bolso. Para ele, assim como para a maioria de seu povo, o troco vinha em moedas e cédulas de pequeno valor. Mas não era assim para todos, descobria-se a cada dia nas manchetes dos jornais. Somos um país rico, muito mais rico do que sonhava seu povo. Um país onde milhão era troco. Gorjeta de estafeta. O mesmo rico país onde 50 milhões de pessoas dependem de esmolas assistênciais para sobreviver. O país dos milhões. Milhões de incongruências. De uma corrupção tão assombrosa que conseguia manter na inércia milhões de brasileiros que, acostumados com troco pequeno, não conseguiam assimilar tantos zeros que lhes foram roubados. Um povo que sequer tinha a clareza de que todo esse dinheiro era seu. Era só dinheiro público, e o que é público não é de ninguém, acredita boa parte dos brasileiros, para sorte dos larápios. Quem não se acha dono, jamais se sentirá roubado. Essa é a lógica simples que alimenta e permite que os piratas do Estado atuem com a certeza da impunidade. O que não é de ninguém é deles, assim comprovam os noticiários dos jornais.
Sentado no banco da praça, o velho observava a imensa bandeira verde e amarela que tremulava tranquila, ao sabor do vento. Intranquilos deviam estar muitos dos saqueadores da pátria, que deviam ter seus futuros conduzidos ao sabor da justiça. Essa era a esperança do povo. É o que se ouvia nas ruas, nos bares, no jogo de bocha, na fila do mercadinho a espera do troco. Era o que esperava esse velho, que já não tinha muito mais tempo para esperar. Ainda tinha esperanças. Sempre tivera, suspira o velho. Mas esperar, por vezes cansa e desanima. Sabia-se agora que éramos um país rico. Restava, agora, nos tornarmos um país decente. A riqueza se faz. A decência se conquista. Tomara que um dia, saibamos valorizar as conquistas e a decência com as equivalentes cifras morais com que se distribuiu, por anos, milhões de gorjetas aos lavadores de dinheiro sujo. Tomara que não demore demais. A primavera estava chegando ao fim, e o verão era curto. A vida e o tempo ensinaram a esse velho que o outono pode ser sombrio, e o inverno pode sempre ser o último. E ainda queria aplaudir a decência em seu amado país, ao menos uma vez em sua vida. Esperava poder saborear com prazer, o gostinho de dar o troco, sorri o velho, travesso e esperançoso, abrindo as páginas de esporte do jornal.

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