O
velho aguardava pacientemente pelo troco do pagamento do jornal do
dia. Recebia, nas mãos enrugadas e já um tanto trêmulas, as poucas
moedas. Caminhando em direção ao banco da praça, remexia
pensativamente as moedas no bolso. Para ele, assim como para a
maioria de seu povo, o troco vinha em moedas e cédulas de pequeno
valor. Mas não era assim para todos, descobria-se a cada dia nas
manchetes dos jornais. Somos um país rico, muito mais rico do que
sonhava seu povo. Um país onde milhão era troco. Gorjeta de
estafeta. O mesmo rico país onde 50 milhões de pessoas dependem de
esmolas assistênciais para sobreviver. O país dos milhões. Milhões
de incongruências. De uma corrupção tão assombrosa que conseguia
manter na inércia milhões de brasileiros que, acostumados com troco
pequeno, não conseguiam assimilar tantos zeros que lhes foram
roubados. Um povo que sequer tinha a clareza de que todo esse
dinheiro era seu. Era só dinheiro público, e o que é público não
é de ninguém, acredita boa parte dos brasileiros, para sorte dos
larápios. Quem não se acha dono, jamais se sentirá roubado. Essa é
a lógica simples que alimenta e permite que os piratas do Estado
atuem com a certeza da impunidade. O que não é de ninguém é
deles, assim comprovam os noticiários dos jornais.
Sentado
no banco da praça, o velho observava a imensa bandeira verde e
amarela que tremulava tranquila, ao sabor do vento. Intranquilos
deviam estar muitos dos saqueadores da pátria, que deviam ter seus
futuros conduzidos ao sabor da justiça. Essa era a esperança do
povo. É o que se ouvia nas ruas, nos bares, no jogo de bocha, na
fila do mercadinho a espera do troco. Era o que esperava esse velho,
que já não tinha muito mais tempo para esperar. Ainda tinha
esperanças. Sempre tivera, suspira o velho. Mas esperar, por vezes cansa e desanima. Sabia-se agora que éramos um país rico. Restava,
agora, nos tornarmos um país decente. A riqueza se faz. A decência
se conquista. Tomara que um dia, saibamos valorizar as conquistas e a
decência com as equivalentes cifras morais com que se distribuiu,
por anos, milhões de gorjetas aos lavadores de dinheiro sujo. Tomara
que não demore demais. A primavera estava chegando ao fim, e o verão
era curto. A vida e o tempo ensinaram a esse velho que o outono pode
ser sombrio, e o inverno pode sempre ser o último. E ainda queria aplaudir
a decência em seu amado país, ao menos uma vez em sua vida.
Esperava poder saborear com prazer, o gostinho de dar o troco, sorri o
velho, travesso e esperançoso, abrindo as páginas de esporte do
jornal.
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