Poliana,
enfim, respirava aliviada. Justiça fora feita. Nossa rainha estava
com a alma e a coroa lavadas. A coroa agora era definitivamente sua,
ninguém lhe tomaria. Poderia governar soberana, sem o peso da espada
de Justiça em seu pescoço. Quantas noites insones por conta das
trapalhadas de Justiça – lastimava a rainha. Eta mulherzinha
confusa, temperamental e cheia de fricotes! Poliana esperava não ter
nunca mais de se confrontar com essa fulana novamente. Esses últimos
meses já custaram muito caro para nossa injustiçada rainha. Melhor
andar na linha de agora em diante e não correr nenhum risco de
encarar novamente essa bruaca.
Mas
verdade seja dita, o medo perene da degola fizera Poliana acertar o
passo nesses últimos tempos. Sua corte andava mais comedida e nenhum
escândalo abalara esse seu segundo reinado. A lâmina de Justiça no
pescoço da monarca, fizera com que todos seus vassalos fossem mais
cuidadosos com a coisa pública. Até os buracos no asfalto, marca
registrada de seu reinado e negligenciados por quatro anos, passaram
a ser vistos como problemas de interesse público e combatidos
constante e atabalhoadamente nos últimos tempos. Demasiadamente
tarde, é verdade. Os buracos se proliferaram em velocidade
diretamente proporcional a morosidade de sua alteza em se preocupar
com o problema. Agora não havia piche ou tempo hábil que desse
conta do dilema. Ao que parece, nossa monarca aprendera, em poucos
meses de enroscos com Justiça, que seu povo precisava de uma gestora
capaz de atender as necessidades coletivas, não apenas de uma
simplória rainha apta a servir linguicinhas em churrascos de
periferia. O populismo simplório serve para a manutenção no poder,
mas não servirá jamais para colocar uma rainha entre os que fazem
ou fizeram a verdadeira diferença nesse reino. E Poliana almejava
voos maiores. Sua alteza é, e sempre será, imbatível nos
discursos esganiçados, lacrimosos, e na hora de bater uma bolinha e
servir pão com linguiça a seus súditos. Nos próximos dois anos
tinha a obrigação moral de mostrar que é de fato digna do apreço
e dos votos de seu povo. Precisava mostrar competência e zelo pelo
dinheiro dos contribuintes. Talvez fosse tarde demais, o tempo se
anunciava curto, acreditavam alguns. Nesse segundo tempo de partida,
precisaria fazer suas escolhas e tomar partido, mesmo que partindo o
coração estrelado de seu clã. Mas Poliana, ninguém duvida, tinha
visão de longo alcance. Pensava no futuro e não se deixava dominar
por doutrinas ou idealismos fajutos. Sabia a que viera e quem lhe
servia. Não pestanejaria na hora de jogar para escanteio aqueles que
não lhe tinham serventia. Era hora da companheirada aprender a
jogar. A dona da bola e do campo era Poliana. Quem não aceitasse as
regras, ou o resultado, que fosse esfriar a cabeça no vestiário. Um
emocionante segundo tempo se anunciava. Só uma certeza se
consolidara: quem não está com Poliana, está fora do jogo ou é
adversário. E, ao que tudo indica, a cor da camisa teria apenas
poucas pinceladas de vermelho.