Da
ampla janela do castelo, por trás da blindagem do vidro fumê que
sempre protegera a rainha de qualquer imagem menos romântica e mais
realista do lado de fora de seu palácio, Poliana observava extasiada o
povo que se aglomerava lá embaixo. Eles vinham chegando aos poucos e
já eram mais de uma centena, pelos cálculos da monarca. Era
aniversário do reino. Nada mais justo nessas horas, que seus súditos
viessem louvar sua alteza, afinal,mesmo que os livros e registros
históricos teimassem em dizer o contrário, a rainha e sua corte
estavam convictos de que o pequeno reino só passara a existir depois
da chegada da desbravadora Poliana ao poder.
Que
bela imagem da legítima participação e reconhecimento popular,
emociona-se sua alteza. O povo abanava pequeninas bandeiras e
gritavam com idolatria o nome de Poliana, a rainha mãe dos excluídos
e defensora dos assalariados. Nunca antes na história desse reino os
súditos haviam se mobilizado de forma tão espontânea para
reconhecer o valor de uma monarca.
- Preparem
minha vestimenta de sair da redoma, eu vou descer para ser saudada
por meu povo. - ordena a rainha para seus pajens.
- Que
fantasia sua alteza vai querer usar nessa ocasião? Popstar
socialista? Operária em campo de obras? Agricultora calejada?
Empreendedora de sucesso? Matriarca benevolente dos
desfavorecidos...
- Hoje
é um dia especial. Precisamos compor um figurino diferente. O povo
quer ver a rainha que sozinha colocou esse reinozinho mequetrefe no
mapa. - anuncia a monarca passando os olhos pelas fantasias e
adereços disponíveis. - Vou colocar o capacete de operária para
mostrar que eu mesmo ajudo a levantar cada parede de crescimento
por essas bandas.
- Não
seria mais interessante o chapéu de agricultora, mostrando suas
históricas raízes de colona? - indaga um dos pajens.
- Nem pensar! Detesto esse chapelão. Fico parecendo uma jeca
desengonçada. E além do mais, é só eu abrir a boca nos
discursos que todo mundo percebe minhas raízes coloniais.-
constata a rainha, continuando a compor o figurino.- Vou colocar
uma camiseta do movimento sindical, afinal o Dia do Trabalhador
está próximo. E minhas botas amarelas, mostrando que sou também
uma desbravadora.
- Suas
botas amarelas estão cobertas de piche, majestade. A senhora as
usou na última vez que inaugurou um buraco do asfalto recém coberto, lembra?
- É
mesmo! Me atolei até o joelho naquela meleca mal feita. Tiveram de
chamar um guincho pra me içar. Foi um fiasco! - recorda-se Poliana
– Mas vou usar as botas mesmo assim. Mostrarei meu empenho na
repavimentação da malha asfáltica e com a trafegabilidade no
reino. - continua a rainha terminando de se vestir.
Enquanto
isso, adentra apressado na redoma, o bobo do marketing e mídia,
olhando estarrecido a confusão de fantasias espalhadas pelo local. -
O que significa toda essa quinquilharia? - questiona um tanto
irritado.
- Eu
estou me fantasiando para receber os cumprimentos de meus súditos.
Que tal estou, queridinho? - pergunta a monarca, dando voltinhas na
sala.
- Ridícula!
- rosna o outro, esquecendo-se momentaneamente de que lado do poder
e do senso crítico se encontrava nesse momento. - Onde você pensa
que vai vestida desse jeito, Poliana?
- Ora,
meu caro. Me atirar nos braços do povão, é lógico! Me admiro de
alguém tão bem informado quanto você, meu fiel bobo, não
conseguir enxergar um palmo diante do nariz. Você não viu a
multidão lá fora clamando por sua magnífica monarca? Abanando
bandeirinhas em minha homenagem? O povo quer carregar novamente nos
braços sua adorada rainha. Por isso, vá até lá e diga ao povo
que vou! - ordena a deslumbrada Poliana, fazendo caras e poses em
frente ao espelho.
- Você
vai é tratar de tirar já essa roupa horrorosa e colocar algo bem
prático e confortável. Precisamos tirar você daqui o mais
depressa possível.- informa o marqueteiro atirando um par de tênis
para a rainha.
- Mas
por que? - questiona Poliana já cruzando os braços emburrada e
ensaiando um beicinho de contrariedade.
- Porque,
minha alteza – começa o outro impaciente – aquele povo todo lá
fora está ameaçando invadir o castelo. E não é para beijar suas
adoradas mãozinhas, mas para torcer seu pescoço real! As
bandeirinhas que você enxerga da embaçada vidraça de sua janela,
são os carnês do IPTU que os contribuintes acabaram de receber.
Eles querem o seu fígado, não seus discursos fajutos! Agora, trate
de calçar esses tênis e arrumar sua mala. Nós vamos fugir
pulando a janela dos fundos e escondê-la por uns dias em um lugar
onde ninguém possa vê-la, até os ânimos esfriarem.
- Vão
me mandar de novo para a torre de marfim?! - choraminga Poliana.
- Não.
Escolhemos um lugar mais discreto dessa vez. Você vai se esconder
nos canos da transposição do rio. São quilômetro de área para
sua alteza usufruir, e não passa nada de útil, nem mesmo água,
por lá. - conclui o marqueteiro, arrastando Poliana
sorrateiramente pelos fundos do castelo.
Enquanto
isso, em frente ao castelo, os contribuintes indignados questionavam
em uníssono para que bolsos seriam transpostos os salgados reajustes
que com o suor de seu trabalho estavam pagando este ano.
Nooooossssaaaa. Isso acontece também no reino em que resido !!!!!!!!!!! Seria o mesmo????????!!!!!!!!!!!!!
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