domingo, 5 de janeiro de 2014

Novo ano, velhos valores


Com olhos serenos e sempre atentos, o velho observava a chuva mansa e contínua que caía desde os primeiros minutos desse novo ano. Esperada e bem vinda chuva, comemora o idoso. As águas que corriam pelas ruas e sarjetas nos últimos dias, pareciam levar consigo as sobras dos encantos e sonhos das festas de final de ano. E deixavam a esse velho já uma saudade sentida. Mesmo que temperada por excessiva ânsia consumista, nessa época as pessoas pareciam realmente tocadas por certa nostalgia das coisas simples e que não podiam ser embrulhadas para presente. Família. Amigos. Saúde. Valores que se perdiam na correria do dia a dia. Conceitos que jaziam esquecidos ao longo do ano. Sentimentos adormecidos na maior parte do tempo.
Nessas noites festivas, como que por encanto, todos sentavam-se a mesa para a ceia. Famílias inteiras se encontravam. Antigos ranços e picuinhas eram deixados de lado. Crianças brincavam como crianças, num alvoroço que, para esse ancião nostálgico, soava como música natalina. Seus filhos e netos até se esqueciam daqueles irritantes aparelhos que mandam mensagens, e conversavam uns com os outros como nos velhos tempos. Riam e relembravam antigas histórias de suas peraltices juvenis. Abraçavam-se e beijavam-se, como família e amigos. Pura magia de final de ano! Uma pena durar tão pouco, suspira o velho. Logo estouram os últimos foguetes e tudo retorna ao que era antes. Valores simples voltam ao esquecimento, por não poderem ser comprados ou vendidos, e não caberem em caixas coloridas.
A chuva, agora, levava o que sobrara dos foguetes. Lavava o que ficara do ano findo, observa o idoso. Nada mais lembrava aqueles poucos dias de encantamento. A esse octogenário melancólico, só restava esperar. Esperar que tivesse ainda boa saúde. Saúde para galgar mais um ano e então poder gozar novamente da magia das festas, ao lado da família e dos amigos. Em cerca de trezentos e sessenta dias, saúde, família e amigos, teriam valor novamente, acredita o velho esperançoso, olhando a chuva através da vidraça. Resta apenas torcer e esperar pelo próximo ano. No próximo ano, quem sabe, pequenos valores teriam algum valor de mercado.

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