domingo, 1 de dezembro de 2013

Gestão de futilidades

Na reunião semanal da rainha com sua corte, faltava espaço para tantos bobos e pajens. Para contentamento e escárnio dos serviçais de carreira, nessas horas até o alto clero participava das tradicionais danças das cadeiras que assolava a vala dos comuns (aqueles que não eram contemplados com carguinhos ou as benevolentes mãos protetoras e coniventes da companheirada). Por falta de cadeiras no recinto para acomodar tanta chefia, os coitados se revezavam em escala de treze minutos. Treze sentados, treze de pé. E todos torciam para a reunião não se alongar demais.
- Quero dizer a vocês todos, meus adoráveis bobos, que estou muito satisfeita com os novos projetos apresentados por vocês nesses últimos dias. Parabéns! – elogia Poliana para seu enorme séquito de prestativos vassalos.
- Muito obrigada alteza! Nós nos sentimos todos honrados em poder servi-la e agradá-la sempre. – agradece um companheiro emocionado e bajulador.
- Gostei particularmente desse novo modelo de vias públicas instaladas no centro no reino. Não acredito que tenha outro projeto semelhante no resto do mundo. Na viagem que farei a Europa nos próximos dias ficarei atenta a isso. Se for mesmo inovador, precisaremos patentear e divulgar! – entusiasma-se Poliana.
- De que projeto você esta falando, rainha? – questiona o bobo do tráfego.
- Das vias elevadas, é claro! – esclarece Poliana, radiante.
- Ah, as vias elevadas... – comenta o bobo completamente confuso, sem saber do que falava a monarca.
- Consegui escapulir de minha redoma ontem e fui caminhar na avenida. Pude perceber que em alguns pontos o asfalto quase ultrapassa a calçada. Imagino que a intenção seja dar maior visibilidade ao automóvel.
- Claro, alteza! É justamente isso! – improvisa o outro.
- Me emocionou principalmente a óbvia preocupação de vocês com os cadeirantes, que nesse novo modelo, nem precisarão de rampas!
- Isso mesmo, Poliana. Levamos meses desenvolvendo esse minucioso projeto de inclusão e acessibilidade. – ajuda a enrolar o bobo das obras.
- E em dias de chuva, nossos motoristas poderão circular até nas calçadas, de Jet Ski, o que auxiliará bastante na fluidez do trânsito, não é mesmo?
- Com toda certeza, rainha. Já estamos elaborando uma proposta de incentivo ao uso de Jet Skis no reino. É uma tendência moderna onde o trânsito flui melhor através do empoçamento das águas.
- Que bela iniciativa! A única coisa que me preocupou foram as nossas magníficas travessias elevadas para os pedestres. Em alguns pontos, pelo que vi, teremos de elevá-las tanto que talvez seja necessária a instalação de elevadores de acesso.
- Brilhante ideia magnânima! Travessias de pedestres com elevadores de acesso, com toda certeza é inovador e digno de muito marketing. – deslumbra-se o bobo da mídia e pirotecnia patrocinada pelo dinheiro público.
- Agora, teve um projeto apresentado por vocês essa semana que realmente me encheu de orgulho! É de iniciativas assim que o reino precisa. Gente como nós, capazes de estabelecer prioridades! Não podemos no ater as mesmices insignificantes de sempre: falta de leitos, de exames, de tratamentos, de creches e de esgoto. Precisamos saber captar do que realmente nosso povo precisa e anseia. E nós conseguimos ter a sensibilidade para ouvir o que nunca foi dito e tomar uma atitude. – discursa Poliana, gesticulando e esganiçando a voz, como nos palanques.
- A qual das dezenas de programas ridículos que eu postei no facebook esta semana, você está se referindo, Poliana? – pergunta o, ainda um pouco questionador, bobo do marketing.
- O que vai dar nome as ruas do cemitério, é claro! Uma necessidade urgente e básica, como remédios e saneamento, e que vai custar tão baratinho. Menos que os trezentos e tantos mil que prevíamos. Uma bagatela, para uma medida tão emergente e prioritária. Sorte nossa que existem empresas de fora do reino habilitadas para um serviço tão complexo, não é mesmo?
- Sorte mesmo. – concordam todos.
- Será que a tal empresa vai levar muito tempo para nomear todas as ruas do cemitério, rainha? – pergunta o marqueteiro.
- Oficialmente, um seis meses. Na prática, acho que terminam em uma tarde. Por quê? – indaga a monarca.
- É que nos próximos meses devemos estar distribuindo os nossos tradicionais informativos dos grandes feitos de nosso reinado, volumosos e recheados de meias verdades e coloridas mentiras. E se os endereços no cemitério já estiverem concluídos, pensei em aumentar as tiragens e enviar um para cada morador do local. – responde o marqueteiro oficial.
- Brilhante ideia, meu jovem e sábio bobo! Nossos informativos só servem para jogar recurso público na latrina e ajudar nossos companheiros de clã. Ninguém lê aquelas porcarias mesmo. Aumente as tiragens e mande um para cada túmulo. Com mais um de nossos magníficos e úteis projetos, os carteiros não terão como se perder nas entregas. E os serviços públicos de saúde devem ser informados dos novos endereços, para mandarem aquelas cartinhas tolas que estão me causando dores de cabeça e ameaças de auditoria. Os mortos, ao menos, não podem mais se queixar de superfaturamentos ou da ausência de políticas públicas de saúde. Sorte nossa, não é mesmo? – acrescenta Poliana, soberana inquestionável das prioridades fúteis e gestora acomodada de problemas emergentes.





Um comentário:

  1. Muito bom o artigo, conheço diversos mentores do referido projeto para de rua cemiterial (criaram até comissão com pagamento de GS aos referidos mentores),
    kkkk, se acham uns gênios. (pior que quem paga a conta somos nós)

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