domingo, 23 de junho de 2013

A revolucionária Poliana

Poliana olhava assombrada através das vidraças do castelo. Mesmo com toda chuva que caía, uma multidão se aglomerava em frente ao prédio. Do alto, com a visão embaçada de sua redoma, a rainha não conseguia distinguir os dizeres nos cartazes. Manifestos de apreço a sua alteza, com toda certeza, deduzia Poliana, a crédula.
- Que maravilha! O povo clama por mim! Nenhuma rainha é tão popular e adorada pelos súditos como eu, não é verdade meus bobos? – indaga a sempre deslumbrada monarca.
- Claro, alteza! Você é um verdadeiro fenômeno. – responde um dos pajens um tanto quanto constrangido.
- Tragam minha capa de chuva. Eu vou lá fora me atirar nos braços receptivos do povo. Meus súditos adoram carregar sua rainha nos braços! – exclama a efusiva rainha.
- Acho que não é uma boa idéia, Poliana. O povo que está lá fora parece estar justamente farto de carregar nossa corte nas costas. – responde um dos companheiros de clã.
- Como assim? Não entendi. – questiona a monarca, confusa.
- Não se trata de um manifesto local. Muito menos de reverência a sua maravilhosa e brilhante figura, magnânima. - esclarece um dos bobos - Essa manifestação é uma verdadeira rebelião das massas que está acontecendo em todo território do Gigante Adormecido. Você não viu na TV e nos jornais?
- Vocês sabem muito bem que eu não costumo perder tempo com essa Imprensa Livre golpista. Só assisto novelas e o BBB. – responde a rainha com ar de enfado – Quer dizer que está havendo uma rebelião popular, é? Mais um motivo para nós irmos às ruas, seus bobões! – afirma Poliana convicta.
- Você não entendeu bem, adorada rainha. – acrescenta o companheiro Golesminha, rodeando sua alteza de forma aduladora, como um poodle. – O povo está nas ruas com gritos de guerra e reivindicações.
- Fantástico! Vamos pegar nossas bandeiras vermelhas e marchar ao lado do povão. Não podemos perder uma oportunidade dessas de manobrar as massas a nosso favor. E fazer filmagens para Horário Eleitoral.  Onde é que estão os companheiros do MSTT (Movimento Só Tramóia e Trago)? E você que é membro do CUT (Companheiros Unidos no Trambique), o que está fazendo deitado nesse sofá? Peguem os bonés, as camisetas e as foices e vamos pra rua!
- Não é tão simples assim, alteza. – responde um companheiro – O povão não nos quer junto deles, dessa vez. Colocaram naquelas cabeças ocas  que nós fazemos parte do problema, portanto não podemos tomar partido das manifestações. Coisas dessa nova elite de jovens reacionários.
- Vocês estão querendo me dizer que esse barulho todo não foi orquestrado por nosso clã, nem por nossos apoiadores? – pergunta a rainha, perplexa.
- É isso mesmo, rainha. Nós nem sabíamos o que estava acontecendo. Veio de surpresa, como uma avalanche. – esclarece um dos líderes da FarsaSindical.
- Não é possível! - exclama a cada vez mais abobalhada Poliana, olhando novamente pela janela. – Toda aquela gente lá fora, e nós não estamos no comando?!
- Isso mesmo, companheira. É uma multidão sem cabresto ideológico. – responde desiludido outro companheiro.
- Como foi que vocês deixaram uma catástrofe dessas acontecer, seus estúpidos?! – grita Poliana, a beira de mais um chilique real, dessa vez justificado.
- Não é culpa nossa, rainha. É um movimento que se espalhou por todo Gigante Adormecido. São milhares de pessoas nas ruas em protesto, principalmente jovens.
- Mas eles protestam contra o que e a favor de quem? Não pode ser coisa de Oposição, ela não tem capacidade para isso.
- São rebeldes sem causa. Lutam por saúde, educação, segurança pública, menos impostos e tarifas, contra a corrupção e o desvio de verbas.
- Só?! – espanta-se, ainda mais, a sempre decidida e visionária monarca – Mas desse jeito essa gentarada está pensando em mudar o país! Que coisa mais sem cabimento. De onde surgiu uma idéia estapafúrdia dessas? E o que nossa classe de monarcas e imperadores do povo estava fazendo que não viu esse verdadeiro tsunami surgir no horizonte?
- Estavam fazendo, o que nós sempre fazemos, viajando, assistindo os jogos de futebol, desviando verbas, contando propinas... coisinhas simples do dia a dia.
- Precisamos agir rapidamente. Não podemos permitir que essa cambada de arruaceiros continue a gritar. Vamos seguir a cartilha de nosso clã. Precisamos relembrar essa turma que quem inventou a democracia fomos nós e que o monopólio das causas populares também é nosso. Temos de dar um jeito de nos infiltrar nesse movimento estúpido e tomar as rédeas dessa manada. Para isso precisamos criar uma causa objetiva e empurrar goela abaixo dos desordeiros.
- Mas que causa seria essa, Poliana?
- Sei lá. Algo de apelo para os jovens. Que possa entreter por um tempo essa juventude transviada e desviá-la desse caminho perigoso e sem volta.
- Eles pedem passe livre no transporte público. – lembra um companheiro.

- Tá louco! Isso é mais utópico que um socialismo que funcione. Temos de pensar em outro mote. Vamos reivindicar um mega show do Justin Bieber, o novo Chico Buarque desses jovens de classe média. E para coroar o processo democrático e de inclusão social dos adolescentes rebeldes, lutaremos até o fim pelo passe livre para a cura da acne! Nada, nas últimas décadas, foi tão ousado e revolucionário. A juventude vai abraçar essa causa e nós, os donos do poder, poderemos dormir tranqüilos novamente. Avante companheirada, vamos pra luta! Precisamos endurecer para não perder as mordomias jamais. – conclama a revoltosa Poliana, empunhando, como sempre, as bandeiras de suas causas próprias.

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