Poliana estava injuriada. Que semaninha desagradável tivera
de suportar. Não bastasse a impertinência crônica de Imprensa Livre, que pelo
menos parecia já um tanto domesticada nos últimos tempos, agora precisava se
preocupar com as repulsivas redes sociais. Quanta gente desocupada nesse reino.
E quanto acesso fácil à internet. Maldita inclusão digital! Quando Poliana
ousara na compra de um computador por aluno e educador, pensara na inclusão de
dígitos na sua popularidade e como bônus, se possível, alguns dígitos
superfaturados nas contas de seu clã. Não contava com o efeito colateral dos acessos
fáceis a informação não controlada. Poliana se indignara com tantas homenagens
aos mais de noventa anos de seu reino. Com tanta informação maciça, seu
arrebanhado povo, acabaria se dando conta de que o reino não começara com
chegada de Poliana ao poder, e isso era inadmissível. A rainha e sua trupe
gastaram mais de quatro anos, muitos recursos públicos e milhares de
propagandas, vendendo a fantasiosa ideia de que antes de Poliana só existia o
desesperado e desolador deserto, a tristeza, a miséria e a doença. Sua alteza,
a salvadora dos desesperados, emergira do lixo como esfinge para trazer o
progresso e a salvação a esse povo abandonado e esquecido por Deus. Mas as
fotos antigas, cansativamente expostas no odioso facebook, contrariavam
Poliana. Que desgraça, não existia photoshop há mais de meio século! As imagens
eram claras, havia ruas no reino há noventa anos! Algumas menos esburacadas
que as atuais. Nem os buracos nas avenidas foram obras de meu reinado, pensa
Poliana contrariada. O Castelo também já estava lá. No que depender da rainha,
não estaria por muito tempo, já que seu projeto inovador de tombamento previa
que o mesmo ruísse antes do término de seu progressista reinado. Poliana odiava
velharias. Era uma socialista moderna. Idolatrava, como todo socialista que se
preze, as obras do bom e velho Niemeyer. Mas, justiça seja feita, não havia
paralelas naquela época. Apenas perpendiculares. As paralelas, essas sim, eram
obra de Poliana. Paralelas um tanto tortas e cheias de intersecções, mas obras
de sua majestade e de seu clã, com certeza. Se existiam praças no passado, não
havia sequer uma academia ao ar livre. Havia flores também, nas malditas fotos.
Mas eram florzinhas mequetrefes. E todas em preto e branco. Nada do maravilhoso
e colorido projeto de revitalização permanente de seu reino com a inclusão de
gerânios no lugar de esgoto, asfalto e remédios.
O fato é que essa exposição pública do passado de seu reino nas redes sociais prejudicava
a imagem da salvadora e criadora absoluta, Poliana. A rainha e sua vasta corte
precisavam tomar providências para o próximo aniversário. Talvez um projeto de
controle das redes sociais também. Uma campanha maciça e popular. Nada de fotos
antigas no facebook. Apenas fotos de comida. Não se deve cultuar o passado.
Poliana, a visionária, preferia seu povo olhando apenas seus magníficos banners.
A realidade virtual era muito mais elegante e prazerosa, se fosse bem
controlada. Cabrestear convicções e
amordaçar rebeldias eram a nova ordem e ideologia de Poliana e sua trupe. Tudo
em favor da neodemocracia socialista. Só restava aos internautas entenderem e
curtirem essa lógica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Havendo dificuldades na postagem dos comentários, o campo URL poderá ser deixado em branco.