sábado, 27 de abril de 2013

Sobre porcos e azeitonas


Sozinho na sala de estar, assistindo ao noticiário, o velho remoía as lembranças de uma vida. Com quase noventa anos parecia já ter visto de tudo. Se ainda não vira tudo, muito pouco devia faltar agora. Esse era o preço a pagar pela almejada longevidade. Se tivesse fumado alguns palheiros a mais em sua vida, talvez tivesse perdido a oportunidade ímpar de confrontar de perto tantas incoerências. As certezas e convicções, aprendera o velho com a idade, quase sempre mudavam de forma com o passar dos anos. As ideologias também, constata o velho, ainda um pouco assombrado. Discursos! Sempre adorara os discursos. Talvez por ser um tolo ignorante que pouco pudera frequentar a escola. Admirava a eloquência e oratória perfeita dos palanques. A punjança cortante e comovente das palavras bradadas e jogadas, como profecias, ao povo. Só o tempo, e a maturidade, mostravam o que eram. Palavras apenas. Tristemente vazias de significado.
Em tantas décadas de vida já presenciara toda forma de poder nesse país. Da República Velha a Nova República. Da ditadura a democracia. Vira seu povo nas ruas gritando por diretas. Empolgara-se com as primeiras eleições pós-abertura. Emocionara-se com a luta ferrenha e destemida das ditas esquerdas contra a corrupção e a favor da justiça e da liberdade de expressão. Decepcionara-se ao ver os mesmos chafurdarem na lama densa do descaramento e desfaçatez. Deprimira-se com a completa ausência de hombridade de conhecidos baluartes da ética e retidão. Lamentava, até hoje, pela fraqueza de caráter de alguns. Lastimava, ainda mais, pela fragilidade assombrosa da tão sonhada democracia. Com que tristeza via as mesmas figuras que há poucas décadas defendiam o fim da repressão, o voto direto e a liberdade de imprensa, erguerem-se, sem vergonha ou pudor, em favor do controle da mídia e do Judiciário. Não se trata, é claro, de nenhuma medida pseudo-totalitária ou antidemocrática. Nem mesmo um golpe sorrateiro no tão sonhado Estado Democrático de Direito. Há de se fazer as devidas correções semânticas ou de forma. Chama-se, agora, controle de democratização e tudo fica onde sempre esteve. Nas mãos daqueles que pouco se importam com seu povo e sua pátria.
O peso da idade também tinha lá suas vantagens. Hoje se divertia com discursos que antigamente lhe arrepiavam. Como era patético ver Governadores que até ontem criticavam bravamente seus antecessores pelos ínfimos salários pagos aos professores, persistirem na mesma política, e ainda se acharem perseguidos por uma imprensa golpista que não entende seu novíssimo modelo de gestão. Provavelmente, as dificuldades visuais de ancião é que faziam com que achasse tudo uma grande piada. Pura senilidade, com certeza. Deviam proibir aos velhos de ler jornais. Talvez isso já estivesse nos planos também. Com sorte, não viveria o suficiente para ver este dia chegar. Quem sabe viveria o bastante para saborear as magníficas azeitonas que o Governador fora conhecer no Oriente Médio. Pareciam ser realmente divinas, a contar pela enorme comitiva que o acompanhava na viagem. Pena, que a esse velho patético, já faltavam os dentes. Teria que contentar-se em chupar apenas os caroços. Como as sofridas e dedicadas professoras, alicerce de qualquer nação decente. Teriam, essas incansáveis batalhadoras, que esperar, pacientemente, pelos aperitivos ofertados por nossos ilustres governantes.  Esse filme, pensa o velho, já vira dezenas de vezes, sem nunca deixar de chorar. Talvez o Governador tivesse mesmo razão. Tudo era culpa da imprensa golpista. Devia ter deixado, há décadas, de ler jornais. Ou fumado mais alguns palheiros, constata o velho tristonho.

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