domingo, 7 de abril de 2013

O reinado de prioridades de Poliana


Recostada nas macias almofadas de seu divã, Poliana gozava do merecido descanso, após semanas de trabalho árduo. Estava exausta, mas com a consciência tranquila do dever cumprido. Uma soberana, aclamada por seus súditos, precisava ser coerente e justa em suas decisões. E coerência, diga-se de passagem, era marca registrada de sua alteza. Disso, pouca gente duvidava.
- Acho que não faltou mais ninguém, rainha. – afirma um assessor, olhando o tabuleiro a sua frente repleto de peças de pouca utilidade. – Conseguimos acomodar todos nossos companheiros, afinal.
- Também pudera! Se meus adoráveis súditos soubessem a ginástica que tive de fazer para arrumar tantos carguinhos aos meus aliados, não reclamariam tanto de ter de pagar impostos. – responde Poliana, com a sabedoria própria dos monarcas.
- O povo não entende nada de gestão, majestade. Eles acreditam que carguinhos caem do céu, feito promessas. Não sabem que um reinado se faz com muitos cérebros e planejamento. – acrescenta um dos bobos da corte.
- No nosso caso companheiro, menos cérebros e muitos glúteos, não é verdade. Só Deus sabe quantas cadeiras terei de arrumar para acomodar pessoas que só sabem ocupar espaço. Daqui a pouco vamos ter de colocar semáforos dentro do castelo para evitar que essa gente toda ande se pechando nos corredores. – afirma a serena rainha, lixando pacientemente as unhas.
- Boa ideia alteza! – empolga-se o bobo responsável pelo trânsito do reino. – Assim eu vou ter o que fazer por uns dias. Podemos até desencavar aquele nosso projetinho promissor e lucrativo de lombadas eletrônicas e pardais!
- Não sei, não. Aquele negócio das lombadas me causou muitos problemas na ocasião. Só de lembrar já me acelera o trânsito intestinal. – lembra Poliana, colocando a mão no sarado abdome ao recordar o fantástico tsunami midiático que lhe atingira na época.
- Mas já faz tanto tempo, rainha! Imprensa Livre já esqueceu. Nem Justiça se lembra daquilo. – argumenta o bobo pensando no tanto de dinheiro fácil que deixaram de ganhar.
- Melhor aguardar mais um pouco. – sentencia Poliana, decidida a não passar por aquele aperto novamente. – Depois, meu caro bobo, nós já criamos uma chefia para cada sinaleira do reino, só para auxiliar na fluidez do trânsito de aliados nas gordas tetas públicas. Daqui a pouco alguém que saiba fazer contas vai acabar concluindo que tem mais chefe do que postes no meu reino.
- Isso é verdade. E tem chefe que não serve nem pra poste. – graceja um dos companheiros.
- Bem, agora que já concluímos nosso paquidérmico PAC - Programa de Acomodação da Companheirada - acho que precisamos pensar um pouco na saúde, majestade. – sugere outro bobo da corte, com o cenho preocupado.
- Saúde? Minha saúde está ótima, seu bobo! O peeling de cristal que eu acabei de fazer ficou perfeito, vocês não acham? – pergunta a rainha, coquete.
- Maravilhoso, alteza! Sua pele está um pêssego! – adula um dos pajens reais.
- Eu falo da saúde no reino, magnânima. As coisas estão um pouco quentes nessa área nos últimos dias.
- Nem vem você me pedir dinheiro para a saúde! - reclama a rainha  – Se está quente, liguem o ventilador, ora bolas. E nada de comprar ar condicionado! Temos que conter gastos. Como se não bastasse a quantidade enorme de cadeiras que tive que comprar para acomodar tanta gente na saúde.
- Eu quero dizer que os ânimos estão quentes, Poliana. Os atendentes e auxiliares de curandeiro do nosocômio estão exigindo reajuste salarial. Eles querem uma tal de equiparação, sabe-se lá o que isso significa. Eu só fiz até a quinta série e nunca fui muito bom em português, você sabe. – esclarece o bem remunerado assessor real.
- Querem se equiparar a quem? Aos meus adoráveis e prestativos pajens, por acaso? Era só o que faltava! – revolta-se Poliana.
- Eles estão falando desse negócio de valorização profissional. – continua o outro.
- Valorização?! Quem essa gente pensa que é? – ultraja-se a rainha – Eu sempre valorizei muito esse pessoal da saúde. Olhem só quanta gente eu já acomodei lá dentro. Valor se dá para quem abana bandeirinhas, não para quem empurra maca e cadeira de rodas, ora bolas.
- É que eles são profissionais, Poliana. Parece que tem que ter uma certa formação para trabalhar nessa área. Eu também não entendo bem disso, mas sou especialista na hora de abanar bandeirinhas. – acrescenta, se vangloriando, outro bobo da corte.
- Se eu for valorizar todo mundo que trabalha ou é profissional meu reino vai a pique.
- Eles dizem que você, alteza, afirmou que daria a tal equiparação.
- Eu não afirmei nada. Eu prometi, é bem diferente. Promessas vazias, lá em Horário Eleitoral. Não tenho culpa se eles ainda acreditam em fantasias. - lastima a rainha, dando de ombros.
- Eles estão ameaçando fazer greve e manifestações públicas. Não vai cair bem para nosso reinado socialista, Poliana. – alerta um dos companheiros presentes.
- Greve, é? Pensei que as greves e manifestações tivessem sido extintas nesse país. – reflete sua alteza, agora um pouco preocupada. – Vejam se tem cabimento. Essa cambada de desocupados usando contra nós as armas que nós criamos e patenteamos. É o fim dos tempos! Mestre Hugo deve estar se revirando na sua redoma. – indigna-se Poliana. – Eles podem ser profissionais da saúde, mas nós somos profissionais da enrolação. Vão lá e negociem com eles. Vocês sabem bem como fazer isso, eles são amadores. Prometam mundos e fundos. Tudo, é claro, parceladinho até as Olimpíadas de 2016. Eles vão ficar satisfeitos. Esse povo adora uma prestaçãozinha. – resolve Poliana, com a objetividade que lhe caracterizava. – Agora se me dão licença, preciso me ocupar verdadeiramente da saúde. Todos esses problemas me causaram rugas de preocupação. Acho que vou fazer um botox! Meus súditos merecem uma rainha de formas perfeitas, como em Horário Eleitoral! – conclui a jovem e decidida Poliana, certeira, como sempre, em suas prioridades.




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