Recostada nas macias almofadas de seu divã, Poliana gozava do
merecido descanso, após semanas de trabalho árduo. Estava exausta, mas com a
consciência tranquila do dever cumprido. Uma soberana, aclamada por seus
súditos, precisava ser coerente e justa em suas decisões. E coerência, diga-se
de passagem, era marca registrada de sua alteza. Disso, pouca gente duvidava.
- Acho que não faltou mais ninguém, rainha. – afirma um assessor,
olhando o tabuleiro a sua frente repleto de peças de pouca utilidade. –
Conseguimos acomodar todos nossos companheiros, afinal.
- Também pudera! Se meus adoráveis súditos soubessem a
ginástica que tive de fazer para arrumar tantos carguinhos aos meus aliados,
não reclamariam tanto de ter de pagar impostos. – responde Poliana, com a
sabedoria própria dos monarcas.
- O povo não entende nada de gestão, majestade. Eles
acreditam que carguinhos caem do céu, feito promessas. Não sabem que um reinado se faz com
muitos cérebros e planejamento. – acrescenta um dos bobos da corte.
- No nosso caso companheiro, menos cérebros e muitos glúteos,
não é verdade. Só Deus sabe quantas cadeiras terei de arrumar para acomodar
pessoas que só sabem ocupar espaço. Daqui a pouco vamos ter de colocar semáforos
dentro do castelo para evitar que essa gente toda ande se pechando nos
corredores. – afirma a serena rainha, lixando pacientemente as unhas.
- Boa ideia alteza! – empolga-se o bobo responsável pelo
trânsito do reino. – Assim eu vou ter o que fazer por uns dias. Podemos até
desencavar aquele nosso projetinho promissor e lucrativo de lombadas eletrônicas
e pardais!
- Não sei, não. Aquele negócio das lombadas me causou muitos
problemas na ocasião. Só de lembrar já me acelera o trânsito intestinal. –
lembra Poliana, colocando a mão no sarado abdome ao recordar o fantástico tsunami
midiático que lhe atingira na época.
- Mas já faz tanto tempo, rainha! Imprensa Livre já esqueceu.
Nem Justiça se lembra daquilo. – argumenta o bobo pensando no tanto de dinheiro
fácil que deixaram de ganhar.
- Melhor aguardar mais um pouco. – sentencia Poliana,
decidida a não passar por aquele aperto novamente. – Depois, meu caro bobo, nós
já criamos uma chefia para cada sinaleira do reino, só para auxiliar na
fluidez do trânsito de aliados nas gordas tetas públicas. Daqui a pouco alguém
que saiba fazer contas vai acabar concluindo que tem mais chefe do que postes
no meu reino.
- Isso é verdade. E tem chefe que não serve nem pra poste. –
graceja um dos companheiros.
- Bem, agora que já concluímos nosso paquidérmico PAC - Programa
de Acomodação da Companheirada - acho que precisamos pensar um pouco na saúde,
majestade. – sugere outro bobo da corte, com o cenho preocupado.
- Saúde? Minha saúde está ótima, seu bobo! O peeling de cristal que eu acabei de fazer ficou perfeito, vocês não acham? – pergunta
a rainha, coquete.
- Maravilhoso, alteza! Sua pele está um pêssego! – adula um
dos pajens reais.
- Eu falo da saúde no reino, magnânima. As coisas estão um
pouco quentes nessa área nos últimos dias.
- Nem vem você me pedir dinheiro para a saúde! - reclama a
rainha – Se está quente, liguem o
ventilador, ora bolas. E nada de comprar ar condicionado! Temos que conter
gastos. Como se não bastasse a quantidade enorme de cadeiras que tive que
comprar para acomodar tanta gente na saúde.
- Eu quero dizer que os ânimos estão quentes, Poliana. Os
atendentes e auxiliares de curandeiro do nosocômio estão exigindo reajuste
salarial. Eles querem uma tal de equiparação, sabe-se lá o que isso significa.
Eu só fiz até a quinta série e nunca fui muito bom em português, você sabe. –
esclarece o bem remunerado assessor real.
- Querem se equiparar a quem? Aos meus adoráveis e prestativos
pajens, por acaso? Era só o que faltava! – revolta-se Poliana.
- Eles estão falando desse negócio de valorização
profissional. – continua o outro.
- Valorização?! Quem essa gente pensa que é? – ultraja-se a
rainha – Eu sempre valorizei muito esse pessoal da saúde. Olhem só quanta gente
eu já acomodei lá dentro. Valor se dá para quem abana bandeirinhas, não para
quem empurra maca e cadeira de rodas, ora bolas.
- É que eles são profissionais, Poliana. Parece que tem que
ter uma certa formação para trabalhar nessa área. Eu também não entendo bem
disso, mas sou especialista na hora de abanar bandeirinhas. – acrescenta, se
vangloriando, outro bobo da corte.
- Se eu for valorizar todo mundo que trabalha ou é
profissional meu reino vai a pique.
- Eles dizem que você, alteza, afirmou que daria a tal
equiparação.
- Eu não afirmei nada. Eu prometi, é bem diferente. Promessas
vazias, lá em Horário Eleitoral. Não tenho culpa se eles ainda acreditam em
fantasias. - lastima a rainha, dando de ombros.
- Eles estão ameaçando fazer greve e manifestações públicas.
Não vai cair bem para nosso reinado socialista, Poliana. – alerta um dos
companheiros presentes.
- Greve, é? Pensei que as greves e manifestações tivessem
sido extintas nesse país. – reflete sua alteza, agora um pouco preocupada. – Vejam
se tem cabimento. Essa cambada de desocupados usando contra nós as armas que
nós criamos e patenteamos. É o fim dos tempos! Mestre Hugo deve estar se revirando
na sua redoma. – indigna-se Poliana. – Eles podem ser profissionais da saúde,
mas nós somos profissionais da enrolação. Vão lá e negociem com eles. Vocês
sabem bem como fazer isso, eles são amadores. Prometam mundos e fundos. Tudo, é
claro, parceladinho até as Olimpíadas de 2016. Eles vão ficar satisfeitos. Esse
povo adora uma prestaçãozinha. – resolve Poliana, com a objetividade que lhe
caracterizava. – Agora se me dão licença, preciso me ocupar verdadeiramente da
saúde. Todos esses problemas me causaram rugas de preocupação. Acho que vou
fazer um botox! Meus súditos merecem uma rainha de formas perfeitas, como em
Horário Eleitoral! – conclui a jovem e decidida Poliana, certeira, como sempre,
em suas prioridades.
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