Poliana resplandecia de contentamento e jubilo. Por vezes até
ela mesma duvidava de sua sagacidade e capacidade de articulação. Ou sua alteza
era de uma articuladora muito acima da média, ou seus aliados eram mesmo muito
simplórios e toscos. E pensar que Poliana era ainda tão jovem. Mais jovem que a
tradicional confraria que hoje lhe apoiava: a Irmandade do Fogo. Boa parte dos
irmãos de fogo já estava na dura lida do comércio de influências e compra e
venda de favores quando a doce Poliana largara as fraldas. Com alguns deles a
rainha aprendera os primeiros passos na difícil arte da enrolação. Outros lhe
corrigiram as primeiras oratórias esganiçada nos palanques da vida de aprendiz
de populista. Parte deles lhe torcera o nariz quando jurara fidelidade eterna à
ousada aliança de seu clã com a velha e tradicional Irmandade do Fogo. Sepultadas
as raízes históricas, a história de Poliana tomou o rumo do sucesso. De
socialite socialista, discriminada dentro de seu clã, passara a ser a menina
dos olhos daqueles que um dia lhe atiraram pedras. Hoje, após tão pouco tempo, Poliana manipulava
com maestria até as raposas mais traiçoeiras da tradicional irmandade. As
raposas deviam estar mesmo velhas e senis. Já não enxergavam direito ou se
contentavam mesmo com ninharias. Coisas da idade. O mundo dá mesmo voltas, e se
continuar nesse ritmo, não tardaria o dia em que sua alteza conseguiria dar nó
até em pingo d’agua ou na fumaça que sobraria quando todos os históricos
confrades virassem cinzas. Méritos a Poliana. Pena não poder divulgar essa sua
magnífica obra em seus adorados cartazzes e banners. Se fosse assim tão
explícita, até seus míopes aliados seriam obrigados a enxergar o óbvio. E por
falar em cartazzes, sua alteza já não aguentava mais de saudades de suas
relíquias da ilusão de ótica. Aqueles que acreditavam que Poliana ficaria
traumatizada por sua desastrosa e quase fatal propaganda ostensiva,
subestimaram novamente a rainha. Poliana aprendera com seus erros. Hoje, mais
madura e coerente, repensara seus valores e apostara em um projeto novo de
marketing. Nos mesmos moldes de seu consagrado programa de um buraco no asfalto
por habitante. Publicidade em seu novo reinado ganhara proporções ministeriais,
com todo o caro aparato necessário para uma obra tão fundamental a seu reino. Com
a criação de um ministério da comunicação, se faltavam creches, esgoto e
remédios, sobrariam propaganda e circo a seus adoráveis súditos. Uma simples e
singela questão de prioridades. Só os tolos e os idealistas não compreendiam
seu inovador e ambicioso plano de inclusão das minorias no mundo fantasioso e
colorido dos outdoors. Agora, cada um de seus súditos teria direito a seu
próprio outdoor. Ou pelo menos pagaria por eles, num justo e democrático
processo de inclusão de recursos públicos em divulgação e mídia. Pelo menos era
essa a intenção da socialista Poliana, para deleite até dos mais ortodoxos
companheiros de seu clã. Se a seu povo faltasse o pão, se alimentariam de
ilusões. Sonhos e ilusões nutriam e sustentavam o povo em Mundo Real. Sorte de
Poliana que algumas ideologias nunca mudam. Apenas trocavam as encardidas
bandeiras das causas sociais pelos grandiosos e dispendiosos banners das causas
próprias. Triste, mas colorida sina de seu povo, pensa Poliana, a encantadora
de multidões.
sexta-feira, 29 de março de 2013
sábado, 23 de março de 2013
Macarrão de letrinhas no país do carnaval
Com um suspiro de desalento o velho fecha o jornal e joga
sobre a mesa. Acordar aos primeiros raios de sol, preparar o mate e ler os
jornais do dia, era a rotina diária desse octogenário. Orgulhava-se intimamente de se manter informado
e conseguir conservar ainda sua mente aguçada, apesar da idade. Quisera ter
podido estudar mais em sua mocidade distante. Mas eram outros aqueles tempos e
outras as prioridades. O trabalho no campo e a necessidade de ajudar seus pais
no sustento da família lhe afastaram precocemente dos bancos escolares. Lembrava-se
como se fosse hoje dos quilômetros que tivera de andar para chegar à pequena
escola onde cursara até o quarto livro. Eram tempos difíceis aqueles de sua
infância. Épocas de penúria que, se não deixaram marcas no corpo, moldaram o
caráter do homem que fora na vida. Ainda hoje, mergulhado em recordações, quase
podia sentir o frio da geada que se infiltrava sem piedade em suas surradas
alpargatas no caminho que levava até a escola. Recordava com respeito da serena
e paciente professora que lhe ensinara a juntar as primeiras letras. Da freira
austera que ralhava com ele e seus amigos pelas molecagens e peraltices de
criança. Apesar das dificuldades sentira-se triste ao ter de deixar o colégio. A
oportunidade de aprender era uma graça a que poucos tinham acesso naqueles anos
longínquos. Um presente caro que o menino que fora soube reconhecer.
Olhando novamente o jornal que a pouco abandonara, o velho suspira
novamente. Educação deixara de ser um presente e passara a ser obrigação do Estado
e de uma sociedade que se propusera a evoluir. Uma dádiva, se assim fosse de
fato. Hoje se dispunha de estradas, escolas, transporte e o tão sonhado acesso
ao ensino. Mas o agigantamento de seu país parecia ter apequenado as
mentalidades e as ambições. Pelo menos é o que enxergava esse velho ignorante e míope. Na ânsia
de mostrar ao mundo seu crescimento como nação desenvolvida, transformaram a educação
em mera alegoria carnavalesca. Houve épocas em que se sonhava com justiça
social, onde o acesso à educação seria a justa forma de ascensão dos pobres e
desfavorecidos. Devia ser teoria, pensa o ancião cabisbaixo. Preparar macarrão
instantâneo parecia ser a nova fórmula para a tão alardeada inclusão das
minorias. Estranho processo pedagógico esse: macarrão e circo para nossa
sociedade pensante. Para esse velho esclerosado parecia apenas uma forma rápida
e barata de aniquilar massa crítica. Tudo com a conivência silenciosa e omissa
de nossos educadores, lastima o idoso, sentindo uma saudade doída de sua
professora de infância. Talvez devesse
ter estudado menos. Ter aprendido a pensar devia ser o que lhe causava essa
inquietante angustia no peito. Sorte dessa nova geração não ter de passar por
isso, conclui o velho tristonho. Tomara que nossos jovens ainda saibam calcular
as medidas da receita de macarrão instantâneo. Se não souberem, sempre se pode
criar cotas para estes também. Em um futuro, não muito distante, existirão cotas
para quem sabe ler e escrever nas universidades, afinal, esses serão por fim,
as minorias em nosso gigante e evoluído país da copa, das olimpíadas e do
miojo.
domingo, 17 de março de 2013
A Eterna Fumaça Negra da América Latina
O mundo inteiro parara e aguardara, em ansiosa expectativa,
pela consagrada fumaça branca que surgiria no céu. Os verdadeiros cristãos
oravam com fervor. Os céticos faziam ares de pouco caso. Os cínicos cultivavam
descrença e desesperança. Houve até quem fizesse apostas em bolões um tanto
pecaminosos. Mais uma estratégia de marketing, acreditavam outros, para
angariar fieis desacreditados na milenar doutrina. E eis que, mais rápido do
que contavam os céticos e os cínicos, o novo Papa fora escolhido. E para
desalento de outros, cativara rapidamente a multidão de católicos. Um pontífice
simples e despretensioso. De olhar cândido, sorriso tranquilo e postura
humilde. Um Jesuíta, apenas. Menos do que esperavam os apostadores. Mais do que
sonhavam os descrentes na Santa Igreja. Mas, em tempos de informação
instantânea, as retaliações e os ranços surgiram na velocidade da luz, turvando
com a fumaça negra das acusações a imagem do primeiro Francisco das multidões. O
Papa apoiara ditaduras e tiranos, bradavam alguns nas redes sociais, com o
mesmo ardor com que erguiam-se em defesa de ditadores caribenhos e
questionáveis democracias bolivarianas. A contradição e a tirania pareciam
estar na alma da velha América Latina. Gravadas a ferro, fogo e devoção. Das
veias abertas de nossa América Católica ainda jorravam paixões cegas e
alienadas e o sangue quente e rubro dos miseráveis. Os miseráveis defendidos
por Francisco, o novo pontífice.
Que estranha luta manchava o solo desta América Latina. Que
estranha sina carregava esse sofrido povo. Um povo humilde e devoto, sempre
pronto a abraçar as mais estapafúrdias ideologias, os mais cruéis e insolúveis
ditadores ou populistas. O poder emana do povo, enquanto o mesmo povo chafurda
na lama densa da miséria, da desigualdade e da corrupção. Os poderosos continuavam
os mesmos, travestidos com pompas, glórias e utopias vazias de significado
prático. A miséria, a fome e a desigualdade mudaram de cara e de cheiro nas
propagandas institucionais de cada demagógico país da latino-américa dos
excluídos. Um povo, soberano povo, sutilmente alijado do poder da educação, da
cultura e do livre arbítrio, mas sabidamente detentor do poder do voto. O voto
que mantinha quadrilhas. O mesmo voto que sustentava tiranos. O eterno voto que
perpetuava desigualdades e alicerçava a pobreza dessa gente sofrida. Mas, assim
mesmo, o democrático e sonhado voto. Graças
aos céus pelo poder do voto, bradavam aqueles que defendiam ditaduras
caribenhas, em uma cruzada de incoerências. A escolha do Papa deveria ser por aclamação
popular, acreditavam esses mesmos. Quem sabe um conclave em alguma rede social
ou em algum espetáculo virtual, onde as virtudes fossem sutilmente
transformadas e os defeitos virtualmente maquiados para deleite da intelectual sociedade
cibernética e para manutenção da associação de excluídos pelo cabresto da ignorância
original. Que Deus proteja e ilumine Francisco das contradições de sua América
Católica que, como dizia o poeta, “sempre precisará de ridículos tiranos.”
Tiranos escolhidos pelo povo. Essa é a nova ordem de nossa peculiar e maravilhosa
América Latina. A América de Francisco
das multidões e dos excluídos.
domingo, 10 de março de 2013
A revolta dos decapitados paira sobre Poliana
A temporada longe do trono e de sua redoma de vidro fumê
fizera maravilhas a Poliana. Sua alteza voltara revigorada e com uma nova visão
do reino. Conhecera os buracos no asfalto ao menos, e tratara de colocar seus
serviçais a cobri-los assim que reconquistara a coroa que lhe fora
temporariamente confiscada. “Talvez eu deva sair com maior frequência de minha
redoma.” – pensa Poliana – “ E sem a companhia de meu cortejo de pajens e
bobos. A algazarra e as adulações deles
prejudicam minha visão e meu olfato.” – conclui a rainha, num rápido lapso de
bom senso.
Não foram apenas os buracos no asfalto que nossa rainha
aprendera a reconhecer. Amizades fraternas foram perdidas. Alianças
desinteressadas se romperam. Discursos calorosos esfriaram. Interesses
requentados voltaram ao cardápio. Depois de tudo isso, Poliana jamais seria a
mesma. Nem sua majestade, nem sua corte de bobos. Satisfazer as novíssimas
amizades parecera fácil no princípio. Bastava aplicar a velha fórmula
matemática de trocar apoio por carguinhos. Mas acomodar tanta gente superava as
leis da física. Eram muitos os glúteos para tão poucas poltronas. E cada um de
seus aliados achava que seus adoráveis traseiros mereciam as mais robustas
cadeiras. Como faltavam cadeiras em seu reino! - desesperava-se a experiente
monarca. – Quase tanto quanto faltavam curandeiros e remédios. Mas desses
últimos apenas seu povo sentia falta. Já a escassez de cadeiras e troninhos
provocavam uma dor de cabeça danada em Poliana e muita dor de cotovelo em seus
companheiros. Fazer o que? Poliana precisava decepar algumas cabeças. Cabeças pequenas,
já que conseguira acomodar quase todos os ânimos do alto escalão. Mas cabeças
pequenas também abanaram bandeirinhas e exigiam seu lugar nas turgidas e
convidativas tetas públicas. A revolta dos decapitados ainda renderia alguns
transtornos a Poliana. Por enquanto seus velhos e novos bobos da corte ainda se
divertiam com a recém aberta temporada de caça as bruxas. Regozijavam-se
perseguindo os serviçais de carreira dos quais não podiam simplesmente se
livrar. Era puro deleite. Sua vasta corte adorava esse período de festividades.
Alguns viviam apenas para esse momento, como seu povo para o Carnaval. Outros se
dedicavam a caçada com muito mais disposição e ímpeto do que jamais se
dedicaram a seu reino ou seus trabalhos. Se sua rainha conseguisse o milagre de
transformar rancor e picuinhas em empenho e respeito pelo suado dinheiro dos
contribuintes, conquistaria seu verdadeiro reinado de oportunidades. Uma pena
que Vontade Política, sua varinha de condão, não surtisse efeito nesses casos.
Aliás, Vontade Política sempre funcionara muito melhor em Horário Eleitoral.
Devia ser o clima tenso de Mundo Real que circuitara a coitadinha.
Mas Poliana, agora mais madura e calejada, sabia que o fervor
da caça as bruxas tinha tempo limitado. Logo, logo sua nova corte precisaria mostrar
a que veio. Essa era a parte que Poliana mais temia. “Tomara que eu tenha feito
as escolhas certas dessa vez.” – suspira a ressabiada rainha. Afinal, decisões
muito mais simples, mas desastrosamente equivocadas, quase fizeram com que sua
majestade fosse decapitada também. Sentir o fio da navalha tão próximo de seu delicado
pescoço ainda causava certa revolta em suas entranhas reais. Quem sabe Poliana
consiga escapar ilesa da revolta dos companheiros decapitados pela rainha. “ As
cabeças cortadas não farão falta ao meu reinado, mas os braços que abanam
bandeirinhas sempre podem ser úteis no futuro. Sorte minha, que meus aliados só
guardam rancor dos adversários e jamais se voltariam contra a carismática e
doce Poliana. Com todo meu traquejo e doçura não corro o risco de passar de
rainha a bruxa.” – pensa Poliana, seguramente protegida da caça as bruxas.
sábado, 2 de março de 2013
Zangão e Chucrute tecem seus rumos
Os dois homens trabalhavam tranquilos na antiga sede de
campanha, cada qual em sua poltrona, entretidos e compenetrados com seus novos
afazeres.
- Acho que não está bom. Eu andei perdendo alguns pontos. –
preocupa-se Chucrute, olhando atentamente e comparando com o cenho franzido, o
gráfico e os pontos que tinha a sua frente. - O que você acha Zangão?
- Uma desgraça. Você vai ter de começar tudo de novo. –
responde o outro, mal tirando os olhos de sua tarefa.
- Começar de novo não é problema para mim. Já deve ser a
quinta vez, se não errei as contas. Eu sou sempre muito persistente. – reponde
o alemão, nem um pouco desanimado com os sinais evidentes de fracasso.
- Não é persistência, é teimosia. Coisa de alemão. – responde
Zangão, curto e objetivo como sempre. – Por falar em persistência, você teve
notícias do Alquimista? Ele conseguiu fazer as pazes com Poliana?
- Parece que ainda não. Estão com as relações estremecidas.
Poliana é um tanto rancorosa, você sabe. Mas ela vai acabar perdoando ele.
Ninguém consegue guardar mágoa do Alquimista. Ele é tão cativante! – responde
Chucrute com os olhos vívidos de admiração – Eu mesmo, não posso ver aquele
mago falar. É só ele começar a discursar com aquela fala macia e sedutora, que
eu já me arrepio todo e esqueço todos os desaforos que ele já me fez. O homem é
um mestre. E eu sou uma manteiga derretida. – admite o ariano, dando de ombros
e sorrindo.
- Eu já percebi. Bastaram dois ou três substantivos e algumas
locuções adverbiais e você já estava chorando e beijando a careca dele.
- Eu beijei sua careca também, e você só rosna e resmunga,
seu velho ciumento. – atiça Chucrute cutucando o outro, provocador.
- Ciumento, eu? Até parece! – bufa o outro, ajeitando os
óculos no nariz. – Você beija até os postes!
- Eu adoro as andanças pelo reino. Sentir o calor desse povo
hospitaleiro. Você não sabe o prazer que me dá conversar com nossa gente
simples, de coração aberto. Ouvir cada dona de casa. Cada mãe de família. A história
de suas vidas me enchem os olhos de lágrimas e o coração de esperanças. Eu sou
assim. Simples e emotivo. – continua Chucrute já com os olhos rasos de
lágrimas.
- E chorão. – resume o sisudo – Eu já me acostumei. Toma aqui
um lenço de tergal. Ultimamente eu trago meia dúzia comigo. Mais um hábito que
tive que mudar depois que comecei a conviver de perto com você.
- Podia trazer lenços descartáveis. São mais higiênicos. –
informa Chucrute enxugando as lágrimas e devolvendo o acessório a Zangão.
- São muito caros. Do jeito que você chora ia me levar a
falência. – resmunga o outro voltando a seus afazeres com seriedade.
- Eu estou me sentindo entediado. Ficar parado esperando é
uma tortura para minha pessoa. – agita-se Chucrute na poltrona. - Nada acontece
há dias nesse reino.
- Verdade. – confirma o sisudo.
- Será que Justiça não vai mudar de ideia? Até quando teremos
que ficar de molho? Não é justo todo o dinheiro investido, todo esforço
desperdiçado e todo apoio conseguido!
- E todo sapo engolido. – acrescenta Zangão, circunspecto.
- Isso também. – concorda o ariano. – Regados a muito Engov e Lacto-purga! – debocha irreverente o alemão.
- Justiça sempre foi meio lerdinha. Surpreendente foi ela ter
trabalhado tanto nos últimos meses. Agora deve ter tirado férias. Mulheres
adoram férias! Você sabe como Justiça funciona, não é? Ela precisa pensar muito
antes de se decidir. – justifica Zangão, mais centrado e experiente e menos
afoito que o outro.
- Sei, sei. Assim são as mulheres. Pensam, pensam, pensam e
mudam de ideia como mudam de sapatos. E você deve saber melhor do que eu a
quantidade absurda de sapatos que uma única mulher tem. E isso que elas só têm
dois pés.
- Calcule a quantidade de vezes que Justiça ainda pode mudar
de opinião! – alarma-se Zangão balançando a cabeça, resignado.
- Nem me fale uma coisa dessas. Se Justiça continuar nesse
ritmo, nosso reino vai entrar para o livro dos records como a terra com maior número de reis por habitante no mais
curto período de tempo. – replica Chucrute.
- Para quem já deve ter o maior número de escândalos, não vai
fazer diferença. –responde Zangão.
- E por falar em escândalos, até esses andam parados no
reino. Faz dias que não estoura nenhum. Será que a turma de Poliana tomou juízo
e entrou nos eixos afinal?
- Duvido. Eles andam é desarranjados. Ninguém sabe mais de
que lado está. Pelo menos nisso, Justiça, como boa e velha mulher, conseguiu
baratinar a companheirada. Vai levar alguns dias até Poliana botar ordem na
casa. Aí sim, as falcatruas vão começar a saltar como antes.
- Pode ser que Justiça interfira. – completa Chucrute
esperançoso, atrapalhando-se um pouco com a difícil e atribulada tarefa que
executava.
- Se ela não estiver no Caribe. Nas Ilhas Cayman. – completa
Zangão, tirando os óculos para examinar o resultado de seu trabalho.
- Temos que confiar em Justiça. – afirma Chucrute, levemente
exaltado ao ver que seu trabalho parecia não estar evoluindo a contento.
- Justiça é digna de toda nossa confiança e merecedora de
nosso respeito absoluto e inquestionável. – sentencia Zangão, convicto. – Mas é
mulher. E como toda mulher está sempre sujeita a seus ataques de fúria desmedida
e ternura excessiva. Cabe aos homens de bom senso, dormir de touca, de pantufas
e de armadura.
- Isso você aprendeu sendo cinco vezes rei? – pergunta o
questionador Chucrute.
- Não. Aprendi dormindo várias noites no sofá da sala. –
responde o outro com um leve sorriso.
- Ah, sei como é isso. Viu só? Nós dois temos alguma coisa em
comum! – gargalha o alemão se contorcendo na poltrona ao imaginar o sisudo, de
pantufas e chambre, dormindo apertado em um sofá. Após vários minutos de
rizadas, ele retorna ao seu trabalho e exclama com desagrado: - Que droga!
Deixei escapar mais uns pontos!
- Você não tem jeito para essas coisas Chucrute! Você é muito
afoito. Nós passamos a tarde inteira aqui e você não produziu nada. Olha só eu.
Já terminei meu trabalho. – informa Zangão, em tom de crítica.
- Nem vem que não tem, Zangão! Você tem muito mais prática
que eu. Está aposentado há anos, só jogando paciência, palavras cruzada e
aprendendo trabalhos manuais. Eu só tive minhas primeiras aulas de tricô essa semana!
É claro que você largou em vantagem. – indigna-se o ariano um tanto vermelho de
frustação.
- Que seja. Mas você não fez nem a gaitinha do pulôver! Eu
terminei o meu todinho. – vangloria-se Zangão.
- Terminou coisa nenhuma! Faltam as mangas! – alerta Chucrute,
jogando as agulha de lado e cruzando os braços emburrado.
- Não é um pulôver, é um colete, seu bobão. Não tem mangas.
Todo mundo sabe que eu adoro coletes. – informa Zangão vestindo sua obra prima
de confecção moderna.
- Ah, é. Tinha esquecido do seu gosto clássico para roupas.
Você vai ir vestindo ele pra casa? – pergunta Chucrute, já esquecido da pequena
desavença e adquirindo novamente o ar otimista e brincalhão.
- Nem pensar! Minha mulher detesta os meus coletes. Se eu
chegar em casa vestindo um negócio desses vou ter de dormir na sala de novo. E
você sabe como é né Chucrute, na minha idade a coluna já não aguenta essas orgias.
– informa Zangão piscando o olho para o companheiro de lãs, agulhas e confabulações.
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