sábado, 1 de dezembro de 2012

A Insolência do Poder


Nessa manhã sua adorada cidade amanhecera mais triste. Até o céu se vestira de cinza como que a reconhecer a dor que calava a alma de seu povo. Que lamentável episódio esse, que movimentara a política local e manchara a história de sua gente. O velho não entendia de leis, de política ou de partidos, só entendia da vida. Particularmente nem guardava lá muita simpatia pelo governante em questão. Sua véia sim, o adorava. Tomara chimarrão com o homem uma única vez e foi amor a primeira vista. Desses que se leva para vida inteira. Carregava ainda hoje na carteira o santinho com a foto e o número do primeiro pleito disputado. Não fosse a serenidade alcançada com a idade, o velho ficaria enciumado com tanta devoção a outro homem. Mas sua véia era uma mulher leal, ao seu velho e ao seu prefeito. Por isso esse ancião sofria ao ver sua companheira tão tristonha. Fora traída sua parceira e isso o enraivecia. A estupidez e a ganância sempre lhe causaram asco. Quando as duas andavam juntas então, lhe tiravam do sério. Estupidez e ganância turvaram o brilho dos olhos de sua véia. Ser escolhido como líder por seu povo, para esse octogenário senil, era a maior honraria que um homem podia receber em vida. Ser aclamado de forma tão límpida e irretocável como aquele político fora, não lhe dava o direito de ser leviano. Impressionante a transformação que o poder causava nas pessoas. Transformava homens adultos em tolos inconsequentes. Deixar-se cegar por poder e ganância era próprio de todo mortal, mas permitir que a presunção e a arrogância que ladeiam o caminho dos poderosos suplantassem o bom senso, era fraqueza de caráter imperdoável para um líder. Um líder escolhido e ovacionado pelo povo. Incompreensível, para esse velho ignorante, era a revolta de alguns com o papel da Justiça nesse deprimente episódio. Não cabe a Justiça referendar a vontade do povo nas urnas. A vontade do povo é irretocável. A Justiça não pode ser mãe ou mesmo madrasta. À Justiça cabe apontar o erro dos tolos e inconsequentes e impor os limites que o excesso de poder e arrogância fizeram esquecer. Ser escolhido pelo povo não dá a ninguém o direito de infringir as leis como se estivesse a margem delas, acreditava o velho. Ser escolhido pelo povo dá ao eleito a obrigação de zelar por esse e se mostrar merecedor da confiança depositada nas urnas. Uma pena que os governantes com exagerada frequência se esquecessem desse detalhe, lastima o idoso. Os detalhes ainda não passavam desapercebidos por esse velho cansado. Chamara-lhe a atenção as incontáveis vezes com que esse jovem político tratara denúncias e sentenças graves contra seu governo como detalhes de pouco valor. De um representante do povo espera-se a grandeza de tratar o mais singelo delito de sua equipe como grave afronta a sua gente. Ao tratar as leis como reles alegorias sem importância, acabara, o jovem imaturo, derrubado por suas, talvez, menores transgressões. Um detalhe irônico, apenas. Tomara que esse moço aprenda com seus pequenos erros, suspira o velho se levantando. Precisava acalentar sua véia e tentar trazer de volta o brilho nos olhos que a estupidez e a ganância apagaram.

3 comentários:

  1. Pois é, assim como não adianta mandar os bebuns beberem com moderação, porque a bebida o que primeiro tira do sujeito é a moderação, também o Poder ao ser acumulado vai tirando a moderação, o senso de limites e, sobremaneira, vai dando aos seus detentores uma imensa onipotência e uma baita soberba. Daí, como dizia aquele fugaz ministro,ficam se achando "IMEXÌVEIS".E isso é mais antigo que as Pirâmides do Egito e do que o Casarão do Paiol Grande. Ih! Ih! Ih!
    Zé Filgueras

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  2. É, A " A PRETENSA IMPUNIDADE" QUE DE SE PENSA QUE O PODER CONTÉM, CAI NAQUELA VELHA MÁXIMA "AOS DESPREPARADOS, O "PODER ATRAI, INEBRIA, AS VEZES CORROMPE E ATÉ PODE MATAR PELA GANÂNCIA DESMEDIDA" !!!

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  3. Parábola que sintetiza perfeitamente o deprimente reinado em questão,a trite alienação da maioria de seus súditos e, sua corte real, leia-se chacal. Assim sendo, torna-se desnecessário acrescentar palavras sobre a mesma, porquanto, rei morto... rei posto. E agora? O que nos reserva o horizonte que se faz jazer há muito perdido? Tomara que lições. Lições estas que; não permitam fazer aflorar a transformação dos próximos monarcas em déspotas esclarecidos - na verdade nem tão esclarecidos assim. Nós súditos não leais e inalienáveis aguardamos ansiosos!

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