O grupo
observava preocupado o isolamento opcional de sua alteza. Sozinha em seu
adorado trono, Poliana dava as costas para a vasta equipe de aduladores reais. Alguns
de seus aliados e companheiros demonstravam apreensão com algumas atitudes e
discursos reais no retorno da exitosa excursão à Horário Eleitoral. Poliana
parecia mais independente e autônoma do que gostariam seus asseclas. Tomara que
tudo não passasse de ressaca pela mudança de fuso horário e pelo excesso de
bajulações. Só faltava sua alteza resolver tomar as rédeas de sua corte e de seu
reinado nessa altura do caminho. Seria uma tragédia para boa parte dos bobos da
corte que Poliana decidisse usar o cérebro ao invés de se esconder atrás de seu
carismático sorriso.
- Nós não
estamos nada satisfeitos com essa pose de soberana de Poliana. Quem ela está
pensando que é afinal de contas? - queixa-se um aliado.
- Ela é a
rainha, ora bolas! Magnífica e aclamadíssima pelo povo. - lembra um
companheiro.
- Ela pode
ter a coroa, mas a cabeça é nossa! Ninguém dá as cartas no jogo que nós
inventamos. - afirma insolente uma velha raposa da Irmandade do Fogo.
- A
popularidade de Poliana lhe dá plenos poderes. Ela está acima até da Justiça! –
defende uma inflamada estrela do clã ainda no clima festivo e romântico de Horário
Eleitoral.
- Ela não
seria nada sem nosso apoio. A rainha nos deve favores. Favores e carguinhos.
Essa matemática ninguém muda. Muito menos Poliana.
- Mas ela
anda falando umas coisas esquisitas. Anda dizendo que vai tomar decisões, que
vai usar a caneta. – sussurra um dos bobos, preocupado.
- Vai usar
a caneta nada! Ela não saberia usar nem o banheiro se não fossemos nós. – zomba
um Irmão do Fogo – É só a gente entupir ela de bombons de amarula que no final a
rainha nem vai se lembrar como fez a partilha dos carguinhos.
- Não sei
não, minha gente. A rainha andou ouvindo muita coisa naquelas andanças por
Horário Eleitoral. Vocês sabem como o povinho é linguarudo e adora se queixar. -
lembra um dedicado representante dos movimentos sociais. – E teve todas aquelas
coisas estragadas e mal acabadas que nós dizíamos pra ela que estavam as mil
maravilhas... Do lado de fora da redoma de vidro fumê, o cheiro e as cores são
bem diferentes, vocês sabem.
- Bobagem.
Poliana é meio míope, todos nós sabemos. E só escuta o que é interessante para
ela. Sempre foi assim, não ia ser agora que iria mudar. Se ela andou vendo ou
ouvindo alguma coisa que não gostou tratou de esquecer nos abraços efusivos de
seus súditos.
- Eu ainda
tenho medo. Vocês sabem como a rainha é transloucada. Vai que ela tem uma
daquelas crises e resolve botar ordem na casa? É capaz de querer trocar nossos
apadrinhados por gente que trabalhe de verdade, daí sim vai ser um desastre! –
apavorasse um companheiro.
-
Impossível. Ela pode ser louca, mas não rasga dinheiro, não refuga propina e
não vive sem poder.
- Mas e se
o clamor do povo cegou a rainha? E se ela realmente decidir ditar as regra
daqui por diante e resolver tomar as decisões conforme sua cabeça sem seguir
nossa cartilha ou as nossas conveniências? Vocês já pensaram no baque que isso
causaria para nossa aliança?
- Ia ser
ridículo Poliana resolver trilhar o caminho da ética e da coerência nessa
altura do campeonato. – ironiza um dos bobos, fazendo pouco caso.
- Se
Poliana optar por abandonar o covil que lhe deu abrigo por todo esse tempo, nós
vamos fazer com que ela sinta saudades do humor cruel da intransigente Justiça.
Se a rainha achou que Justiça foi dura com ela, é por que ainda não experimentou
o gosto amargo e vingativo de uma aliança partida. - sentencia, com voz sombria,
um velho patriarca da Irmandade do Fogo, fazendo a companheirada ranger os
dentes de pavor.
Enquanto isso, alheia, como sempre, as armadilhas
e artimanhas de seus companheiros e parceiros de aclamado reinado, Poliana
queimava neurônios com a situação a sua frente. Sobre a mesa jaziam, em
desarrumado conflito, os dois parceiros da quase trágica solidão real. De um
lado, o monstruoso quebra-cabeças, com muitas peças e pouco espaço. Do outro, a
reluzente e convidativa caneta. Eu odeio esse jogo! – pensa Poliana. Não sei se
nasci para isso. Talvez eu devesse ter seguido outro rumo. Devia ter escutado
minha mãezinha e ter feito concurso para bancária. Que mundo cão! – choraminga Poliana,
ajeitando a invejada coroa na delicada e confusa cabeça.
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