sábado, 20 de outubro de 2012

A Solidão da Rainha


O grupo observava preocupado o isolamento opcional de sua alteza. Sozinha em seu adorado trono, Poliana dava as costas para a vasta equipe de aduladores reais. Alguns de seus aliados e companheiros demonstravam apreensão com algumas atitudes e discursos reais no retorno da exitosa excursão à Horário Eleitoral. Poliana parecia mais independente e autônoma do que gostariam seus asseclas. Tomara que tudo não passasse de ressaca pela mudança de fuso horário e pelo excesso de bajulações. Só faltava sua alteza resolver tomar as rédeas de sua corte e de seu reinado nessa altura do caminho. Seria uma tragédia para boa parte dos bobos da corte que Poliana decidisse usar o cérebro ao invés de se esconder atrás de seu carismático sorriso.
- Nós não estamos nada satisfeitos com essa pose de soberana de Poliana. Quem ela está pensando que é afinal de contas? - queixa-se um aliado.
- Ela é a rainha, ora bolas! Magnífica e aclamadíssima pelo povo. - lembra um companheiro.
- Ela pode ter a coroa, mas a cabeça é nossa! Ninguém dá as cartas no jogo que nós inventamos. - afirma insolente uma velha raposa da Irmandade do Fogo.
- A popularidade de Poliana lhe dá plenos poderes. Ela está acima até da Justiça! – defende uma inflamada estrela do clã ainda no clima festivo e romântico de Horário Eleitoral.
- Ela não seria nada sem nosso apoio. A rainha nos deve favores. Favores e carguinhos. Essa matemática ninguém muda. Muito menos Poliana.
- Mas ela anda falando umas coisas esquisitas. Anda dizendo que vai tomar decisões, que vai usar a caneta. – sussurra um dos bobos, preocupado.
- Vai usar a caneta nada! Ela não saberia usar nem o banheiro se não fossemos nós. – zomba um Irmão do Fogo – É só a gente entupir ela de bombons de amarula que no final a rainha nem vai se lembrar como fez a partilha dos carguinhos.
- Não sei não, minha gente. A rainha andou ouvindo muita coisa naquelas andanças por Horário Eleitoral. Vocês sabem como o povinho é linguarudo e adora se queixar. - lembra um dedicado representante dos movimentos sociais. – E teve todas aquelas coisas estragadas e mal acabadas que nós dizíamos pra ela que estavam as mil maravilhas... Do lado de fora da redoma de vidro fumê, o cheiro e as cores são bem diferentes, vocês sabem.
- Bobagem. Poliana é meio míope, todos nós sabemos. E só escuta o que é interessante para ela. Sempre foi assim, não ia ser agora que iria mudar. Se ela andou vendo ou ouvindo alguma coisa que não gostou tratou de esquecer nos abraços efusivos de seus súditos.
- Eu ainda tenho medo. Vocês sabem como a rainha é transloucada. Vai que ela tem uma daquelas crises e resolve botar ordem na casa? É capaz de querer trocar nossos apadrinhados por gente que trabalhe de verdade, daí sim vai ser um desastre! – apavorasse um companheiro.
- Impossível. Ela pode ser louca, mas não rasga dinheiro, não refuga propina e não vive sem poder.
- Mas e se o clamor do povo cegou a rainha? E se ela realmente decidir ditar as regra daqui por diante e resolver tomar as decisões conforme sua cabeça sem seguir nossa cartilha ou as nossas conveniências? Vocês já pensaram no baque que isso causaria para nossa aliança?
- Ia ser ridículo Poliana resolver trilhar o caminho da ética e da coerência nessa altura do campeonato. – ironiza um dos bobos, fazendo pouco caso.
- Se Poliana optar por abandonar o covil que lhe deu abrigo por todo esse tempo, nós vamos fazer com que ela sinta saudades do humor cruel da intransigente Justiça. Se a rainha achou que Justiça foi dura com ela, é por que ainda não experimentou o gosto amargo e vingativo de uma aliança partida. - sentencia, com voz sombria, um velho patriarca da Irmandade do Fogo, fazendo a companheirada ranger os dentes de pavor.

Enquanto isso, alheia, como sempre, as armadilhas e artimanhas de seus companheiros e parceiros de aclamado reinado, Poliana queimava neurônios com a situação a sua frente. Sobre a mesa jaziam, em desarrumado conflito, os dois parceiros da quase trágica solidão real. De um lado, o monstruoso quebra-cabeças, com muitas peças e pouco espaço. Do outro, a reluzente e convidativa caneta. Eu odeio esse jogo! – pensa Poliana. Não sei se nasci para isso. Talvez eu devesse ter seguido outro rumo. Devia ter escutado minha mãezinha e ter feito concurso para bancária. Que mundo cão! – choraminga Poliana, ajeitando a invejada coroa na delicada e confusa cabeça.


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