
- Eu disse Poliana, que isso não podia dar certo! Participação popular é coisa de Horário Eleitoral, não deve ser levada ao pé da letra. Agora veja o imbróglio em que nos metemos?! - lastima-se um companheiro dos movimentos sociais.
- É isso mesmo! Olha esses súditos da rainha, se achando grande coisa. Pensando que tem o direito de questionar as decisões da alteza, salários melhores e outros absurdos. Quem foi que deu liberdade pra essa gente se manifestar como se isso aqui fosse uma democraciazinha qualquer? – exalta-se um democrático representante da FarsaSindical.
- Daqui a pouco vão acreditar que podem lutar por melhores condições de vida e pela moralidade no reinado! É o fim dos tempos, Poliana! Precisamos tomar providências urgentes! Temos que por fim nessa marolinha antes que vire um Tsunami! – exige um honorário membro do CUT (Companheiros Unidos no Trambique).
- Tudo era tão harmonioso e produtivo quando as discussões só ocorriam entre nossos adestrados militantes. - choraminga, saudosa, uma ilustre fundadora do grande clã - Confronto de idéias só funciona quando todos concordam com a nossa doutrina, Poliana. Os debates são sempre grandiosos quando a platéia é submissa e alienada. Não podíamos ter dado espaço para essa gente com opinião própria falar. Agora nosso reinado democrático virou um circo!
- Olha o absurdo da situação! Uns serviçais ingratos exigindo igualdade! Igualdade! Querem se igualar a quem? A nós? – questiona injuriado um dos bobos da rainha.
- Essa gente sem noção, tem a cara de pau de reivindicar melhorias salariais e um tal plano de carreira. Falam em progressão e mérito para todos. Todos! Como se isso tivesse cabimento. Estão contaminados por ideais capitalistas e reacionários. – indigna-se outro ortodoxo sindicalista.
- Eles deviam erguer as mãos pro céu por terem a graça de ter sua alteza como soberana. E por terem a nós do SindiPelego para aturar suas lamúrias. Ao invés de nos agradecer, têm a coragem de nos contestar e exigir explicações de nossos atos obscuros. Tiveram a audácia de nos convidar para participar de uma assembléia com representantes dos serviçais da rainha. Uma reunião aberta, onde qualquer um podia chegar, falar e questionar.
- E como foi a tal reunião? – pergunta Poliana apreensiva.
- Nós não fomos, é claro. Não somos trouxas rainha. Todos aqui sabem bem que não devemos jamais freqüentar lugares onde indivíduos sem cabresto ideológico ou o rabo preso com nosso reinado, possam se manifestar. Diálogo franco e olho no olho só ocorre em Horário Eleitoral, onde tudo pode ser manipulado e editado.
- E o que vocês fizeram para remediar a situação, meus adoráveis bobos da corte?
- Nós nos esforçamos ao máximo, alteza! – salta eufórica a presidente do SindiPelego, ansiosa para agradar sua majestade. - Ameaçamos, coagimos, boicotamos, mentimos, atraiçoamos, difamamos, caluniamos... Usamos todas as armas disponíveis para evitar que essa tropa covarde se reunisse.
- E... – aguarda Poliana em expectativa.
Cabisbaixa e constrangida, a bajuladora do SindiPelego responde:
- Falhamos, rainha. A tropa desembestou de vez. Quanto mais nos empenhávamos em cabresteá-los, mais eles se rebelavam. Uniram-se, os covardes, em asquerosa matilha, prontos a lutar pelo que acreditam. Não colocaram os rabinhos entre as pernas como acreditávamos. São mesmo uns mercenários! Só pensam nessa utopia ridícula de igualdade e justiça. Parecem crer de fato que unidos vencerão.
- Como é que vocês permitiram que esse povo todo se encontrasse! O papel do SindiPelego é justamente enrolar a patuléia e fazê-los acreditar que estão representando os interesses deles, quando na verdade vocês estão defendendo as nossas conveniências. – irrita-se Poliana.
- Isso tem o dedo sujo de Oposição, Poliana! Só pode ser. – defende-se prontamente um dos presentes. – Quem colocaria essas tolices nas cabeças vazias dos serviçais? Igualdade, justiça, cidadania, democracia, salários dignos... Quem mais poderia ter dado essas idéias sem cabimento a essa turminha de baderneiros desocupados?
- Nós! – grita Poliana exasperada.- Fomos nós, seus estúpidos! Nós que pregamos por anos a idéia de que quem detinha o poder explorava os subalternos! Nós que vendíamos o ideal de justiça social e incitávamos a luta de classes! Nós que propagávamos a participação popular! Nós que incentivávamos a união coletiva e a luta por cidadania! Nós que orquestrávamos a organização dos trabalhadores! Só que hoje, seus molóides, nós somos os donos do poder e das riquezas. Nós temos a chave do cofre! Nós detemos o mando do campo! Nós é que estamos sentados confortavelmente no trono, e da coisa pública nos locupletamos! Nós podemos decidir e não podemos mais jogar a culpa em Oposição! Vontade política está em nossas mãos, cabe apenas a nós fazê-la funcionar. Nós criamos o monstro e não sabemos como amordaçá-lo!
Uma Poliana desiludida observa a constelação servil a sua frente. Em momentos como este se questionava se não fora longe de mais nas pregações de Horário Eleitoral. Agora teria de beber de seu próprio veneno, e não conseguia achar ninguém para por a culpa dessa vez.
- Mas, Poliana, o que vamos fazer? Tem que haver uma solução. – choraminga a desesperada presidente do SindiPelego.
- Vamos fazer o que sempre fizemos companheira. Enrolar os otários. Eu, como magnânima e democrática rainha, receberei receptiva cada uma das tolas exigências dos serviçais. Ouvirei pacientemente suas mazelas. Enquanto isso, vocês farão o que sabem fazer melhor: semear discórdia e desconfiança. Jogar uns contra os outros. Desmobilizar e desarticular o grupo. Fazer com que eles se enredem de tal forma em intrigas que percam o rumo de seus sonhos e convicções. Esse é o nosso jogo! Aqui não há espaço para amadores. – sentencia Poliana, a articuladora.
Cegos por anos de alienação, não percebem os bobos reais, que a servidão covarde e desleal de sua corte de pelegos, despertou temerários espíritos de luta e indignação. Agora, a inquisição de Poliana precisará calar as inconvenientes vozes que se erguem em coro.