domingo, 22 de maio de 2016

A cultura da ideologia

Em Gigante Adormecido um novo reinado se iniciara. Outro capitulo. Uma nova história. Discursos e posturas diferentes. Ideologias também. Alguns personagens pareciam repetidos. Algumas condutas também. Saem ilustres membros enrolados com Justiça e entram outros igualmente atolados em seu lugar. Ao que parece, instituíra-se cotas para acusados de corrupção na alta corte real. Um gabinete de notáveis investigados não era bem o que esperava a população que fora às ruas exigindo moralidade, mas os representantes do povo não compreendem o dialeto de sua gente. Curiosidades dessa excêntrica terra.

Pois agora é oficial: Gigante Adormecido está em crise. Seus governantes confessam. Coisa há muito sentida pelos milhões de desempregados. Por todos os acuados pela violência. Pelos doentes que se amontoam aguardando os leitos hospitalares que desparecem a cada dia. Pelos profissionais de saúde que improvisam máscaras de oxigênio para recém-nascidos com descartáveis garrafas plásticas, já que descartáveis parecem ser as vidas desses pequenos.  

E enquanto o povo, atingido pela crise, preocupa-se em sobreviver e aguarda com expectativa por um sinal de que dias mais auspiciosos virão, a grande repercussão desse início de reinado era a ausência feminina na nova corte. Um governo formado por homens brancos certamente tirava o sono de mulheres negras muito mais que o desemprego, a insegurança e o caos na saúde. É o que dizem as cabeças pensantes do alto de suas mediocridades, mostrando que a cota de cretinos formadores de opinião estava bem preenchida na terra da jabuticaba, onde até as crises são ideológicas.

E se a maioria da população - composta de minorias - permanece indiferente à  luta apaixonada pela representatividade das tais minorias  pelos intelectualóides de plantão, uma minoria de artistas luta bravamente para não perder seu quinhão de recursos públicos. A defesa da cultura é sempre uma bela bandeira a ser empunhada, ninguém discute. A cultura popular não pode ser descartada, revoltam-se renomados atores a suas seletas plateias. E a capacidade de mobilização da elite cultural se mostrou impressionante. Digna de aplausos. Conseguiram garantir seu espaço ocupando espaços públicos. O medo dos holofotes e de uma saraivada de cuspes - conhecida arma ideológica da classe artística – devolveu a cultura ao povo. Felizmente. As mulheres negras da periferia já podem dormir tranquilas. Nossos bebês descartáveis também.

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