Com olhos já turvados pela idade,
o velho fitava o horizonte. Horizonte que não lhe parecia tão distante
quanto já fora um dia. Sinal de amadurecimento pessoal e de degeneração ocular,
com certeza. Já vira quase de tudo com esses olhos, mas ainda se surpreendia com
cada nova visão de uma mesma paisagem. A maturidade, ao que lhe parecia,
emprestara colorações diferentes ao seu modo de enxergar.
Vira presidentes adentrando e
deixando o poder das formas mais variadas, em seus mais de oitenta anos de
vida. Já os vira eleitos e impostos, mortos e depostos. Já os vira chegar e
sair em uma cerimonial troca de faixas. Lembrava da emoção em cada uma dessas páginas
da história. Hoje, assistira mais um presidente deixando o Palácio do Planalto.
Afastada, como outro já o fora em um passado ainda recente. Nossa presidente caíra
tropeçando em suas próprias pernas. Faltara-lhe humildade. Sobrara-lhe arrogância.
Fora inábil e incompetente. Combinação perfeita para derrubar presidentes. Deixara escorrer por entre os dedos a
oportunidade de fazer história. Deixava a história pela porta do fundos,
infelizmente. Sozinha. Só lhe restava, em seus últimos e solitários passos,
manter a cabeça erguida. E mantivera. Até o fim mantivera, constata o velho.
Observava a multidão que cercava
a presidente no momento da despedida. Entre gritos de protestos haviam
lágrimas. Lágrimas sentidas por um capitulo que se encerrara. Legitimas
lágrimas de dor pela morte de algo em que verdadeiramente acreditavam. E havia
raiva também. Raiva expressa em gritos de luta, em punhos erguidos e promessas
de resistência. Raiva, até nessa hora incentivada pela presidente, agora
afastada, em seu discurso de adeus.
Quisera, este velho, chorar pela
presidente, como por outros chorara, mesmo os mais detestados. Queria prantear
sua saída pelo triste que representava para o país. Não conseguira. A lástima
que sentia por esse momento do Brasil, era sempre suplantada pelas palavras que
a presidente dirigia aquele desesperançado povo que a aplaudia. Todas as importantes
e inegáveis conquistas sociais de mais de uma década, seriam agora afastadas do
povo, como, por desejo do povo, fora afastada a presidente. Era a última
mensagem de uma presidente que mesmo quando tivera nas mãos a oportunidade de
unir, sempre preferira dividir o seu povo, em nome do poder.
Enquanto a presidente afastada
recebe abraços e aplausos em seus últimos passos, as imagens da TV mostram pessoas
simples, com os rostos molhados de lágrimas, questionando o que seria deles
agora? Nesse momento o velho chorara. Copiosa e sentidamente chorara. Chorara
por seu povo que acreditava que todo seu futuro estava nas mãos do Estado. Um
povo que de tão vitimizado nos discursos perdera a confiança em si. O Estado,
pai e mãe, roubara a dignidade do povo. Usurpara-lhe a esperança de, com suas
mãos, poder construir a própria estrada. Tornara-se escravo do Estado, o meu
povo, pensa o velho entre lágrimas. Turvaram a visão de futuro de um povo, e
com isso apequenaram seu horizonte. Horizonte que agora, com olhos marejados, a
este velho parecia mais nebuloso que há pouco. Sua visão do horizonte voltaria a
ser o que era, quando as lágrimas enfim se esgotassem. A auto imagem de seu
povo voltaria a ser mais nítida, confiante e verdadeira, algum dia. Por hora,
era apenas momento de chorar. Pelo que foi e pelo que poderia ter sido. E pelo
passado e presente que tristemente turvaram o futuro deste povo.
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