Poliana estava injuriada. Em tempos de manifestantes vestidos de
verde e amarelo tomando as ruas, também Poliana fora alvo de
palavras de descontentamento e revolta de seus súditos. Até aí,
tudo certo. A tolerante Poliana era capaz de identificar e respeitar
as tendências. E a nova moda em todo Gigante Adormecido era essa
estranha massa com as cores da bandeira e cantando hinos, ao invés
de gritos de guerra. Um tanto démodé, acreditava Poliana, torcendo
seu empinadinho nariz.
O que Poliana não podia aceitar era o total silêncio de seus
companheiros nos dias seguintes. Nenhum ato de desagravo, ou mesmo
de apoio a Rainha Mãe, acorrera no reino de Poliana. Sequer uma
passeatinha patrocinada pelos Companheiros Unidos no Trambique (CUT).
Nada de ruas interrompidas em horário de pique, ou porcos obstruindo
a entrada de bancos. Ou mesmo um pneuzinho queimado na praça
central. Nada! Nadinha. Nem bandeiras, nem estrelas, nem balões
vermelhos. Só o silêncio. Onde estariam seus companheiros,
questionava-se a monarca. Não podiam alegar que estavam trabalhando.
Afinal, Poliana bem sabia que os que não mamavam na fonte sem fim
dos movimentos sindicais, mamavam nas inesgotáveis tetas dos
contribuintes de seu reino. Estavam sempre a serviço do clã
estrelado.
Onde foi que se meteram esses energúmenos, esbravejava em
pensamento nossa socialite socialista. Até das redes sociais haviam
desaparecido. Ao invés de frases de Che Guevara ou de deboche a
elite verde-marela, só se viam receitas de comida e bandeiras de
time de futebol. Um disparate em momentos de crise política e de
popularidade do clã estrelado. Crise! Devia ser essa a explicação
para o sumiço da companheirada, reflete Poliana. A crise atingira o
bolso de todos, lastima nossa rainha. Certamente escassearam os
recursos para o tradicional pão com mortadela, iguaria bastante
apreciada pelo exército vermelho. Nos tempos atuais, mesmo os mais
engajados companheiros não saiam de casa para defender suas
inabaláveis crenças sem um bom sanduíche de mortadela que lhes
dessem substância. Se havia uma coisa que Poliana aprendera em todos
esses anos de seguidora da estrela, era que toda convicção precisa
de uma consistente ideologia para se manter firme e sólida. Sem
ideologias não há argumentos ou motivações legítimas, ensinava seu clã. A
mortadela era a nova ideologia de seu clã, constata Poliana. Um
recheio a altura do que se tornaram os companheiros. Que fase! -
choraminga Poliana. Mais que a falta de moralidade, o que ainda
afundaria irremediavelmente seus companheiros seria a falta de
mortadela. Que a mortadela sempre abunde, como abundam as propinas,
implora a sempre otimista Poliana.
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