domingo, 9 de agosto de 2015

A melancólica melodia das panelas


   Na TV, o programa dos companheiros anuncia: o apocalipse está chegando. Para alguns telespectadores mais sarcásticos ele já havia chegado há 12 anos. E, como informa o mestre-salas da propaganda, o apocalipse se materializará na forma de um horripilante e agourento monstro que arrasta correntes e ameaça a todo o povo de Gigante Adormecido. O tal monstro anunciado pela companheirada chama-se crise política! Crise política é que anda apavorando o povão, segundo o marqueteiro real. Novamente, aos mais atentos, as coisas parecem carecer de sentido e lógica, afinal, quem parecia acuada e sitiada pela tal crise política era a Rainha Mãe. O povo sofria a cada dia com a crise econômica, e milhares de eleitores de nossa monarca passavam por grave crise de consciência e arrependimento. Mas, na mentalidade esquizofrênica do grande clã estrelado era a crise política a verdadeira vilã desse enredo. E quem criou a tal crise? Oposição, é claro. É Oposição que está a orquestrar protestos e a incitar o descontentamento popular. É culpa de Oposição o rápido e trágico desmoronamento de popularidade da Rainha Mãe. Oposição! Aquela Oposição que não é capaz de organizar sequer uma partidinha de futebol de várzea, está desestabilizando o reinado de sua alteza e todo Gigante Adormecido. Nossa monarca e seus aliados, como sempre, não parecem ter qualquer participação no problema.
    E a tal crise econômica? Ela de fato existe, finalmente admitem os adoradores de estrelas. Mas trata-se de uma crise mundial e não local, anuncia o presidente do clã, cada vez mais próximo de ave de mau agouro do que da ave de rapina que sempre fora. A situação da Grécia é uma prova contundente e inquestionável de que o mundo está em crise, mostram as manchetes na tela. E ela, novamente ela, Oposição, é que engana o povo fazendo parecer que a economia vai mal por conta de erros e despreparo da rainha e sua equipe. Uma total falta de sorte não poder alegar que tudo era devido a herança maldita dos últimos reinados. Esse era o mais ingrato preço a ser pago por tantos anos no poder. Essa diminuta crise, afirma sua alteza, é - como costumam ser as crises – passageira. Faremos, todos juntos, uma travessia rumo a dias infinitamente mais prósperos, conforta a soberana o seu povo. O povo não duvida da travessia. E está dolorosamente ciente de que encontra-se no barco, sem chance de abandoná-lo. O que boa parte do povo questiona e duvida é da capacidade da Rainha Mãe em evitar um naufrágio. Uma dúvida plantada por Oposição nas mentes vazias do povão, é evidente.
    Era para ser só uma propaganda em horário nobre. Mais uma entre tantas. Desculpas e mentiras caras e coloridas. Uma reedição da fábula de Horário Eleitoral. Mas acabou sendo muito mais do que se esperava. Tornou-se um símbolo. O símbolo da decadência do clã estrelado. O tom emocional, forte de suas propagandas, desaparecera por completo. Nenhuma trilha sonora ou imagem pungentes. Nem mesmo o fervoroso militante e ator que apresentava o espetáculo cinematográfico conseguia demonstrar um pouco de emoção, ou crença. Proferia palavras como um medíocre apresentador de telejornal. Já o grande ídolo e estrela guia dos companheiros voltara a usar a antiga barba, numa desesperada tentativa de se agarrar a popularidade e carisma que um dia tivera. Ou na ilusão que um dia fora. Parecia, no entanto, apenas um náufrago barbudo se agarrando em destroços. A estrela perdera o brilho. Uma pena. Quando tudo se mostrou uma gigantesca mentira, restava a sempre fiel militância, a emoção. Agora, não resta mais nada. Só o descompassado som das panelas.

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