domingo, 19 de julho de 2015

A embusteira Poliana


 A sempre resplandecente Poliana adentra ao salão real para mais uma reunião com seus bobos de estimação. Nem mesmo a ausência do sol tirava o brilho e o otimismo de nossa dinâmica rainha.
- E então meus bobos, o que aconteceu de novo em nosso reino essa semana?
- Nada. - responde o bobo do planejamento.
- Como assim, nada? - questiona a monarca. - Alguma coisa devemos ter feito de novo nesses dias.
- Está tudo na mesma, rainha. Teve a chuva, muita chuva, mas isso não é obra nossa. O sol parece ter aderido a greve na saúde.
- Não é possível. O que andam dizendo as tais redes sociais, meu bobo do marketing e pirotecnia?
- Continuam nos ridicularizando, como sempre, alteza.- responde o bobo, sem tirar os olhos de seu iphone.
- Gentinha desocupada! - indigna-se Poliana. - E nossas obras em que pé estão? Nosso fantástico anel viário?
- Continua fantástico, rainha. No papel.
- E qual a previsão para ele?
- Continuar no papel, como quase tudo em nosso reinado.
- Sei... E o nosso rodízio de estacionamento? Já saiu do chão?
- Podemos dizer, alteza, que a parte mais complexa está quase pronta. - afirma o sorridente bobo do trânsito.
- Que ótimo! Quer dizer que todos aqueles complicados aparelhos controladores de tempo já estão instalados! Precisamos divulgar isso, companheiros!
- Na verdade, Poliana, a parte que está sendo executada é a pintura das vagas de estacionamento. Está ficando uma beleza, modéstia a parte. - elucida o bobo do trânsito, com o peito estufado de orgulho.
- Bem, pintar riscos no asfalto é uma complexa obra de engenharia, não é mesmo? - justifica Poliana, um tanto decepcionada. - E isso está sendo bem divulgado na mídia, meu bobo do marketing? Precisamos criar uma agenda positiva, vocês sabem.
- Pode-se dizer que o assunto está bombando nas redes sociais. - responde o outro.
- Mesmo! Que maravilhosas essas redes sociais!
- A quantidade de críticas, deboches e piadinhas perde apenas, em números, para nossos buracos no asfalto. - completa o bobo do marketing, seco.
- Maldita democratização da internet! - queixa-se a perseguida monarca. - E por falar em buracos, como anda nosso inovador projeto de tapa buracos, meu queridíssimo bobo das obras?
- A pleno vapor, Poliana! - responde Santo Jorge. - Aquela coisa preta que compramos a preço de ouro para tapar buracos em dia de chuva tem feito uma revolução em nossas vias.
- Que boa notícia! O negócio funciona mesmo, então?
- Funciona nada! Vira uma geleia que escorre dos buracos em poucas horas. Em compensação nossos serviçais de carreira estão com as panturrilhas e glúteos durinhos, de tanto pisotear aquela porqueira. Pelo menos mostramos ao povão que trabalhamos arduamente até debaixo de temporal.
- Nem precisa me dizer o que dizem as redes sociais. Posso imaginar. - desilude-se Poliana. - Esses tais buracos ainda vão me levar a loucura. Os críticos infames não são capazes de reconhecer que democratizamos até mesmo os buracos no asfalto. Antigamente eram privilégio de poucos, graças a mim hoje toda família tem o seu. - suspira a magnânima – Você, bobo do marketing, precisa se empenhar em divulgar nossos feitos positivos.
- Eu bem que tento, Poliana, mas você e o resto dos bobos reais poderiam se esforçar um pouquinho para me ajudar. Ultimamente tenho que divulgar e comemorar como grande conquista do seu reinado até liminar de Justiça! - irrita-se o sempre afável companheiro. - Ninguém, nem mesmo eu, aguenta mais ver fotos suas com aquele capacete ridículo, acompanhando o andamento da construção de churrasqueiras e banheiro de salão comunitário. O povo, rainha, já está farto de nos ouvir falar de mobilidade urbana, quando não conseguimos nem colocar meia duzia de sinaleiras para funcionar! Sinaleiras, Poliana! Não são viadutos, túneis ou elevadas!
- É que o anel viário e esses semáforos inteligentes são um tanto complexos, é preciso cautela, planejamento e muito estudo. - justifica-se a rainha.
- Estudo! É estudo para o anel viário. Estudo para estacionamento. Estudo para arrancar árvore do mato, plantar árvore no mato, cercar o mato e não concluir nada. Estudo para ciclovia. Estudo para tapar umas porcarias de buracos. Tem até estudo para estudar o estudo que o contribuinte já pagou. São tantos anos de estudo que dava para todos os bobos terem feito faculdade, e daí, quem sabe, valerem um pouco do que recebem dos cofres públicos!
- Nossa! Você anda revoltadinho hoje, companheiro! - constata um dos bobos.
- Claro! Quem tem que estudar mil formas novas de anunciar as mesmas promessas de anos sou eu. Vendendo um próspero reinado que não é sequer capaz de fazer com que piche e pó de brita consigam ficar dentro de um buraco por míseros 15 dias. Ou 15 minutos! Enquanto o bobo das obras desfila de bicicleta pedalando o contribuinte. O bobo do trânsito inaugura vaga de estacionamento. O da saúde hiberna como um morcego no momento em que a saúde agoniza. E o bobo do desenvolvimento só serve para carregar as suas malas nas viagens, Poliana.
- Você está coberto de razão. - conclui Poliana fazendo um mea-culpa, para surpresa geral – É mais do que hora de dizermos a que viemos. Precisamos dar alguma satisfação a nossos súditos e financiadores. Temos de entregar ao contribuinte alguma grande e vistosa obra.
- Finalmente! - comemora o marqueteiro real.
- Algo que nos dê visibilidade! Uma obra vultuosa e colorida!
- Isso mesmo, rainha!
- Já tenho algo importante em mente. Pode preparar os slogans, jingles e propagandas, meu caro. Chega de morosidade! A primavera está chegando e anunciaremos um grande feito. – anuncia a monarca, determinada. - Assim que a temporada de chuvas acabar colocaremos mãos à obra.
- Muito bem, Poliana! Qual de nossas obras em andamento sairão finalmente do papel?
- Trocaremos, queridinho, toda a grama e as mudas de flores dos canteiros centrais! Não fizemos isso esse ano ainda. Eu sabia que estávamos deixando algo importante para trás. Obrigada por ter aberto meus adoráveis olhinhos de biscuit. Calaremos definitivamente todos os infames das redes sociais! Avante, companheiros! O povo clama por nós! - conclama Poliana, a rainha do embuste e da enrolação.    

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