Os tempos eram de crise econômica, dinheiro minguando e obras
paradas. Mas não no reino de Poliana. Por aqui dinheiro público
jorrava, e o local era um verdadeiro canteiro de obras. Poliana era
mesmo uma rainha digna de inveja. Ninguém conseguia fazer milagres
como ela. Sua visão administrativa e esquizofrênica só se
comparava a de sua estrela guia, a Rainha Mãe de Gigante Adormecido.
Pois, não é que enquanto o nosocômio local agonizava lenta e
tragicamente em dívidas e déficits, serviços médicos eram adiados
por falta de pagamento, doentes deixavam de ser atendidos e
fornecedores eram empurrados com a barriga, nossa monarca tinha
outras prioridades. Pensar em doenças e doentes só trazia mau
agouro, acreditava Poliana, com seu jeitinho cor de rosa de ver o o
mundo. Era preciso mudar o foco. Criar uma agenda positiva. Para
isso, precisaria de ajuda divina. E como a fama de seu clã era de
fazer o diabo, nossa rainha acreditava que era necessário comprar o
apoio do divino. Assim, abrira as torneiras públicas para obras de
boa fé. E era um torneio de puxadinhos em igrejas. Banheiros em
capelas. Dezenas de churrasqueiras e duzias de canchas de bochas em
salões paroquiais. Metros e metros de ripas de forros de sacristias.
Para acalmar a comunidade, e garantir que um pouco de cimento e
argamassa fossem vistos lambuzando alguma coisa no reino, sua alteza
pulverizava recursos em salões comunitários e associações de
moradores. Dois, três metros de piso aqui, mais um pouquinho de
reboco ali, mais meia dúzia de churrasqueiras e canchas de bocha
acolá (eta povinho para comer churrasco e jogar uma bochinha,
surpreendia-se Poliana). E assim, sem fazer quase nada, sua alteza
vangloriava-se de fazer quase tudo, e de grão e grão, iam-se os
parcos recursos dos contribuintes.
Mas para os mal amados que criticavam a forma participativa e
democrática de distribuição de dinheiro público de nossa rainha,
ela tinha a resposta na ponta da língua: é o povão que decide! O
povo clama por essas obras, e o anseio do povo é o meu anseio
também, afirma Poliana, com os olhinhos de biscuit rasos de lágrimas
complacentes. O que posso eu fazer se o povo prefere canchas de
bochas a medicamentos? A veia esportiva está na alma de meus
súditos, acredita a monarca. E sua consulta popular comprova isso.
Pois não é que uma das demandas mais votadas pela população foi
justamente o investimento num tradicional esporte local. O beach
soccer! Futebol de praia, para os mais ignorantes. Isso mesmo!Esporte
praticado por essas bandas desde a colonização. Na barranca do rio,
e na beira dos açudes, provavelmente. Mas, os 175 mil que Poliana
doaria caridosamente a essa modalidade aparentemente tão em moda por
aqui, prometia ser só o começo. Nossa rainha, com sua visão de
longo alcance, sonhava com voos ainda maiores. Ao invés de transpor,
a cada veraneio, milhares de cidadãos locais para as praias de
outros reinos, pretendia nossa alteza, transpor o mar e a areia do
oceano para cá! Transformaria seu reino, tão desprovido de
atrativos turísticos, na mais alta praia do mundo, situada a quase 800 metros do nível do mar. As ridículas obras de Dubai se
turvariam de inveja frente a visão e empreendedorismo de nossa
soberana.
E como no fantástico reino de Poliana, antes e ao final de tudo,
está a propaganda, sua equipe de marketing já trabalhava
freneticamente no projeto. O layout da campanha publicitária estava
quase concluído. Em poucas semanas seria o assunto principal de
Imprensa Livre. Constava de uma imensa foto colorida e ensolarada,
com um montinho de areia, um baldinho de água, e uma pazinha de
brinquedo. Em cima, a manchete: “Transposição do oceano já está
operacional.”
Seria só correr para torcida, comemora Poliana, a rainha do
churrasco, da bocha e, agora, do beach soccer! Que sorte desse povo
viver em um reino tão ensolarado, sem miséria, sem falta de leitos
ou excesso de doentes, e onde a bola corre solta nas areias do
futebol de praia. Ou no bolso dos contribuintes desatentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Havendo dificuldades na postagem dos comentários, o campo URL poderá ser deixado em branco.