De
pé desde bem cedinho, o velho já se arrumara, com esmero, para esse
dia. Velhas e ultrapassadas práticas, com certeza. Importante dia
este, para ele. Momento de cumprir com seu dever cívico de escolher
os parlamentares e governantes de sua pátria. Há muito, pela idade,
já era, por lei, desobrigado a comparecer às urnas, mas ainda com
prazer o fazia, não por obrigação, mas por convicção. Sempre
acreditara que assim deveria ser. Votar precisava ser um ato de
convicção e não apenas uma responsabilidade legal a ser cumprida.
Para esse velho, uma democracia de fato, devia respeitar o livre
arbítrio de seu povo. Respeitar, inclusive, o direito de cada
cidadão de não se importar com questões cívicas ou com quem
governará o seu futuro nos próximos anos. Não se formam cidadãos
conscientes por força de lei. Cidadãos conscientes e críticos são
formados com educação plena e de qualidade. Leis não constroem
consciência, tão somente impõe deveres e estipulam punições. A
obrigatoriedade do voto, talvez, aproxime o país muito mais do velho
e torpe coronelismo do que da legítima e almejada democracia.
Obrigar o eleitor a se dirigir às urnas, parecia, a esse ancião, mais com cabresteamento do que com real cidadania. É o voto de
cabresto, legal e legitimamente instituído, no final das contas,
conclui o idoso, reflexivo.
Mas,
se o voto não for obrigatório, uma minoria decidirá pelo país e
não teremos legitimidade, berram alguns. Se uma boa parcela da
população optar por abrir mão de seu legítimo direito ao voto e
de decisão, automaticamente legitimou a escolha daqueles que
pensaram e se posicionaram diferente. Isso devia ser suficientemente
legítimo em uma democracia de fato e de direito. Mas não é assim
que se pensa nesse país, reflete o velho. Nesse país, a autonomia e
o livre arbítrio são criminalizados, como nas mais sórdidas
ditaduras. Esse povo, nosso povo, precisa ser tutelado e coagido por
lei. E quem precisa ser coagido e tutelado, seria visto em outras
democracias mais sólidas e coerentes, como seres incapazes. E
incapazes, até nessa nossa estranha e peculiar democracia, não têm
condições ou o direito legal de escolher um governante. Estranhas
incongruências essas, acredita esse idoso ignorante.
Mas
era dia de escolher, decidir e votar. De cumprir com seu dever cívico
e moral perante a Nação. Deixaria de lado, nesse domingo, suas
tradicionais e adoradas disputas de bocha - um dos prazeres que
poucas vezes na vida abria mão. Pois, abriria mão de seu prazer
pessoal de idoso, em nome de seu dever com o futuro do país.
Esperava que todo cidadão brasileiro fizesse essa escolha, com
consciência e convicção. Mas, ainda lastimava por aqueles que o
faziam por obrigação e coerção legal. Obrigação e coerção não
eram méritos de um povo autônomo e esclarecido, eram marcas de uma
gente sem o direito de se omitir e mesmo assim ser cidadão. Quem
dera, algum dia, todos tenham o direito de jogar bocha, e escolham ir
às urnas e votar. Nesse dia, seremos, enfim, uma respeitosa
democracia. Até lá, somos e seremos, apenas idiotas e incapazes
obrigados por lei a votar. E idiotas incapazes, podem, sim, decidir
uma eleição. Mas jamais serão cidadãos de fato. Nem mesmo nessa
nossa estranha democracia.
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