Há
muitos e muitos anos, em um país ainda não encantado, chamado
Brasil, era época de eleições presidenciais. As primeiras eleições
diretas depois de um longo jejum. Dois candidatos disputavam o
segundo turno. Dois nordestinos, tão iguais na região geográfica
de nascimento, quanto diferentes em suas histórias e discursos. De
um lado, um jovem candidato, bem estudado, desportista e oriundo de
tradicionais famílias nordestinas. De outro, um nordestino
retirante, de família pobre, metalúrgico e surgido do movimento
sindical.
O
jovem atacava o sindicalista, acusando-o de ser comunista. De ser
aliado de baderneiros que invadiam terras e faziam greves para
promover a desordem no país com fins puramente políticos. O
sindicalista atacava o outro, acusando-o de ser representante da
burguesia, do coronelismo político do nordeste onde imperava o voto
de cabresto. De representar uma política oligárquica que se
beneficiava da falta de instrução de um povo sofrido e
desassistido, que trocava seu voto por cestas básicas
assistencialistas e eleitoreiras.
Na
reta final da campanha, o jovem atleta chuta bem a baixo da linha da
cintura. Divulga no horário eleitoral o depoimento da ex-mulher do
proletário, acusando-o de lhe oferecer dinheiro para realizar o
aborto da filha dos dois, quinze anos antes. A dedicada e apaixonada
militância do sindicalista, sangra de ira e dor, pela baixeza do
golpe sofrido. Os simpatizantes do jovem desportista, comemoram o
chute certeiro.
No
último debate televisivo antes do pleito, o país paralisa para
assistir o embate entre os dois presidenciáveis. Eram outros os
tempos, e escolher pela primeira vez, em anos, o presidente, parecia
mais importante que qualquer reality show. Aliás, não haviam
reality shows nessa época. Nem internet, facebook,
WhatsApp ou youtube. No calor do debate, ao vivo, o
candidato sindicalista faz uma colocação, com razoável fundo de
ciência e lógica: “que ao persistir a situação contínua de
miséria e de fome no Nordeste, os nordestinos acabariam por se
transformar, no futuro, em uma sub-raça”. Prato cheio para o jovem
representante da oligarquia do agreste. Em poucos, e impiedosos
minutos, ele se mostrou revoltado e ofendido por todo o pobre povo
nordestino que estava sendo cruelmente desprezado e humilhado pelo
sindicalista, também nordestino, mas agora, declaradamente
preconceituoso com seu próprio povo.
Sangrava
ainda mais a militância esquerdista. De dor e revolta pela
manipulação injusta de palavras e contextos. Pela falta de
honestidade e decência, e pela deslealdade do embate. Chorava, e
choraria por muitos anos, pela eleição, dias depois perdida.
O
resto desse enredo, todo mundo conhece. O jovem e destemido
presidente eleito, foi cassado pouco tempo depois, por conta de um
automóvel Fiat Elba e mais algumas coisinhas ilícitas. O
metalúrgico, anos mais tarde, foi eleito por duas vezes presidente.
O mais popular presidente até hoje eleito nesse país. Acreditam
alguns, que talvez ele carregue nas costas milhares de Fiats Elba.
Mas de nada ele soube, e nada até hoje se comprovou que soubesse.
Portanto é inocente e só carrega nas costas sua enorme popularidade
e carisma.
Moral
da história? Onde andaram, nos últimos anos, esses dois distintos
políticos? Abraçados, nos mesmos palanques, com os mesmos discursos
e a mesma ideologia. Sinal de que o tempo tudo apaga e a todos
aproxima. Até mesmo as falsidades e traições. E a engajada e
sofrida militância de outrora? Aprendeu a bajular seus antigos
rivais, e a usar suas velhas táticas, sem remorsos ou pudores. Agora
sabe caluniar, difamar, ofender e distorcer a verdade, para ganhar
eleição. A dor, não ensina a gemer, ensina a rastejar na sarjeta,
e transforma todos em vermes, ao menos é o que parece. Aqueles que
sangraram e choraram de mágoa e ressentimento pela deslealdade
sofrida, hoje comemoram o mesmo voto despolitizado daqueles de pouco
estudo,que os fizera chorar há 25 anos. Os mesmos que incitaram, com
a coerência da época, o povo a ir às ruas pedir o impeachment
de um presidente corrupto, hoje se mostram ofendidos e perseguidos
pela investigação de um esquema bilionário de corrupção dentro
de uma única Estatal, mas que envolve seu adorado partido de
ideologia e moral corrompidas, mas de alianças e parcerias sólidas,
sórdidas, mas consistentes e bilionariamente lucrativas.
Como
se canta nesse país tão musical e lúdico, que às vezes parece,
mas não é, uma fábula: “Tudo está em seu lugar. Graças a
Deus!Graças a Deus!“
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