Poliana
e sua corte adoravam uma discussão. Confronto de ideias e
participação eram o cerne de seu reinado. Pelo menos nas
propagandas oficiai e nos discursos. Nos bastidores não era bem
assim. Até seus aliados na Câmara de Vendilhões deviam engolir as
decisões do Alto Clero sem pestanejar. E quando essas decisões
atingiam em cheio o bolso, já bastante assaltado, dos contribuintes,
mais a turma de Poliana se esforçava para amordaçar qualquer voz
atrevida que ousasse questionar. E quando eram justamente os aliados
que ousavam levantar tais questionamentos, Poliana subia nas
tamancas!
- Quem
vocês pensam que são para questionar um projeto meu, seus
inúteis?! Vocês esqueceram a quem devem favores? Quem vocês
acham que estão representando, afinal? - berrava, esganiçada, a
ofendida rainha.
- Nós
fomos eleitos pelo povo para representar os interesses do povo,
majestade. - Explica o vendilhão aliado, com as pernas trêmulas e
as cueca já úmidas frente a ira real.
- Vocês,
como eu, fomos eleitos pelo povo, sim! Mas os interesses que
passamos a representar mudaram no dia seguinte ao pleito. Qualquer
idiota, até o povão, sabe disso! Vocês, seus energúmenos, estão
na Câmara de Vendilhões como meus filhotes, e devem votar
conforme meus interesses. Se vocês não conseguem entender uma
lógica tão clara, devem se bandar para o lado de Oposição! -
continua sua alteza, imperativa e ameaçadora.
- Mas
os contribuintes, alteza, estão nos questionando muito sobre os
valores do tal novo modelo de estacionamento no reino. Eles acham
abusivo! - Tenta esclarecer um dos companheiros da Câmara de
Vendilhões, amedrontado.
- Abusivo
é esse povinho se achar no direito de se manifestar, ora bolas! Se
eu estivesse interessada em ouvir o que essa gente tem pra dizer,
teria feito aquelas assembleias e audiências públicas ridículas
que costumamos fazer só para enganar os trouxas. Eu decidi
qual o novo modelo de estacionamento pago, os locais onde serão
implantados e os valores cobrados. E quem não estiver de acordo,
que ande a pé, como nos regimes socialistas! É tudo muito
simples, claro e objetivo. - declara, enfática, a monarca.
- Mas
Poliana, o valor cobrado nas vagas de estacionamento aumentará
muito. Triplicará! Será um peso no bolso dos contribuintes. E nós
sempre afirmamos que nossa intenção não era arrecadatória. -
argumenta o aliado.
- Ora,
dai-me paciência! Qualquer súdito, em meu reino, é perfeitamente
livre para circular nas nossas esburacadas vias públicas, sem
qualquer ônus adicional aos salgados impostos já pagos. Salvo, é
claro, algum pneu avariado ou amortecedor danificado. Somos um
reinado democrático! O direito de ir e vir está perfeitamente
garantido. Mas, para estacionar é preciso pagar! E alguém precisa
lucrar com isso, não é mesmo? E vocês não esperavam que fosse o
povo a lucrar! - continua, a sarcástica rainha.
- Acontece
alteza, que a matemática não fecha. Se vamos dobrar o número de
vagas de estacionamento, não parece correto que se triplique
também o valor até então cobrado. Como vamos explicar isso aos
contribuintes?- contrapõe o outro, quase choroso, em frente a
rainha.
- É
só uma questão de como colocar os fatos a essa gente. O fato é
que “estaremos disponibilizando duas mil novas vagas de
estacionamento a nossos sofridos motoristas”. Entenderam? Não
interessa se essas vagas sempre existiram e não eram cobradas, e
agora custarão 1,50 a hora. O povo só vai enxergar: 2 mil
e novas! É simples! Como mentir em Horário Eleitoral!
- É,
pensando bem, faz sentido. - concorda o vendilhão aliado,
aliviado.
- É
claro! Não sei como não tínhamos nos dado conta disso antes.
Mas, mesmo assim, como vamos justificar que o valor cobrado por
hora tenha triplicado? - indaga o companheiro.
- Ora,
vocês sabem, não existe almoço grátis, nem passe livre, nem
teta pública, sem que alguém pague a conta. E quem paga é sempre
o contribuinte, que não tem como escapar. Mas, para efeito de
discursos, ponham a culpa no modelo econômico! No capitalismo! No
Imperialismo Norte Americano! Na crise internacional! Nos conflitos
na Faixa de Gaza! Na inflação... Não! Na inflação, não! Não
é conveniente, nessas épocas de maquiagem oficial da
companheirada, falar em inflação. - alerta a rainha, sempre
cautelosa com a boa figura de seus pares – E, para dar um certo
ar de participação socialista a essa gentinha questionadora,
depois que tudo já estiver legitimado na Câmara de Vendilhões e
não houver mais nada a ser feito, anunciaremos alguma audiência
pública para ouvir as lamúrias, a essas alturas inúteis, do
povão. Divulgaremos com alarido, na mídia, que eu, a rainha
caridosa e zelosa com os tributos dos contribuintes, estarei
recebendo aos súditos para ouvir suas críticas e sugestões.
Vocês, meus vassalos, se certifiquem de que haja nessas audiências
mais companheiros que gente de bem. Pouca coisa é mais detestável
numa democracia do que gente sem cabresto ideológico ou rabo preso
em algum carguinho público! - lembra sua alteza - No final, tudo
será como nós já havíamos decidido que seria, e ainda teremos
várias matérias em Imprensa Livre mostrando como somos um
reinado democrático e participativo, mesmo quando não escutamos
ninguém, a não ser nossos pares, e decidimos conforme nossas
conveniências. - conclui Poliana, soberana absoluta, para seus
adestradinhos Poodles da Câmara de Vendilhões, que
abanavam os rabinhos para agradar sua dona.
“Em
reino onde monarca não se dá ao respeito, súdito não se dá
valor, e ao eleitor, caráter é artigo sem qualquer importância,
quem tem vergonha é otário.”
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