domingo, 7 de setembro de 2014

O rodízio de hipocrisia no estacionamento da coerência


Poliana e sua corte adoravam uma discussão. Confronto de ideias e participação eram o cerne de seu reinado. Pelo menos nas propagandas oficiai e nos discursos. Nos bastidores não era bem assim. Até seus aliados na Câmara de Vendilhões deviam engolir as decisões do Alto Clero sem pestanejar. E quando essas decisões atingiam em cheio o bolso, já bastante assaltado, dos contribuintes, mais a turma de Poliana se esforçava para amordaçar qualquer voz atrevida que ousasse questionar. E quando eram justamente os aliados que ousavam levantar tais questionamentos, Poliana subia nas tamancas!
- Quem vocês pensam que são para questionar um projeto meu, seus inúteis?! Vocês esqueceram a quem devem favores? Quem vocês acham que estão representando, afinal? - berrava, esganiçada, a ofendida rainha.
- Nós fomos eleitos pelo povo para representar os interesses do povo, majestade. - Explica o vendilhão aliado, com as pernas trêmulas e as cueca já úmidas frente a ira real.
- Vocês, como eu, fomos eleitos pelo povo, sim! Mas os interesses que passamos a representar mudaram no dia seguinte ao pleito. Qualquer idiota, até o povão, sabe disso! Vocês, seus energúmenos, estão na Câmara de Vendilhões como meus filhotes, e devem votar conforme meus interesses. Se vocês não conseguem entender uma lógica tão clara, devem se bandar para o lado de Oposição! - continua sua alteza, imperativa e ameaçadora.
- Mas os contribuintes, alteza, estão nos questionando muito sobre os valores do tal novo modelo de estacionamento no reino. Eles acham abusivo! - Tenta esclarecer um dos companheiros da Câmara de Vendilhões, amedrontado.
- Abusivo é esse povinho se achar no direito de se manifestar, ora bolas! Se eu estivesse interessada em ouvir o que essa gente tem pra dizer, teria feito aquelas assembleias e audiências públicas ridículas que costumamos fazer só para enganar os trouxas. Eu decidi qual o novo modelo de estacionamento pago, os locais onde serão implantados e os valores cobrados. E quem não estiver de acordo, que ande a pé, como nos regimes socialistas! É tudo muito simples, claro e objetivo. - declara, enfática, a monarca.
- Mas Poliana, o valor cobrado nas vagas de estacionamento aumentará muito. Triplicará! Será um peso no bolso dos contribuintes. E nós sempre afirmamos que nossa intenção não era arrecadatória. - argumenta o aliado.
- Ora, dai-me paciência! Qualquer súdito, em meu reino, é perfeitamente livre para circular nas nossas esburacadas vias públicas, sem qualquer ônus adicional aos salgados impostos já pagos. Salvo, é claro, algum pneu avariado ou amortecedor danificado. Somos um reinado democrático! O direito de ir e vir está perfeitamente garantido. Mas, para estacionar é preciso pagar! E alguém precisa lucrar com isso, não é mesmo? E vocês não esperavam que fosse o povo a lucrar! - continua, a sarcástica rainha.
- Acontece alteza, que a matemática não fecha. Se vamos dobrar o número de vagas de estacionamento, não parece correto que se triplique também o valor até então cobrado. Como vamos explicar isso aos contribuintes?- contrapõe o outro, quase choroso, em frente a rainha.
- É só uma questão de como colocar os fatos a essa gente. O fato é que “estaremos disponibilizando duas mil novas vagas de estacionamento a nossos sofridos motoristas”. Entenderam? Não interessa se essas vagas sempre existiram e não eram cobradas, e agora custarão 1,50 a hora. O povo só vai enxergar: 2 mil e novas! É simples! Como mentir em Horário Eleitoral!
- É, pensando bem, faz sentido. - concorda o vendilhão aliado, aliviado.
- É claro! Não sei como não tínhamos nos dado conta disso antes. Mas, mesmo assim, como vamos justificar que o valor cobrado por hora tenha triplicado? - indaga o companheiro.
- Ora, vocês sabem, não existe almoço grátis, nem passe livre, nem teta pública, sem que alguém pague a conta. E quem paga é sempre o contribuinte, que não tem como escapar. Mas, para efeito de discursos, ponham a culpa no modelo econômico! No capitalismo! No Imperialismo Norte Americano! Na crise internacional! Nos conflitos na Faixa de Gaza! Na inflação... Não! Na inflação, não! Não é conveniente, nessas épocas de maquiagem oficial da companheirada, falar em inflação. - alerta a rainha, sempre cautelosa com a boa figura de seus pares – E, para dar um certo ar de participação socialista a essa gentinha questionadora, depois que tudo já estiver legitimado na Câmara de Vendilhões e não houver mais nada a ser feito, anunciaremos alguma audiência pública para ouvir as lamúrias, a essas alturas inúteis, do povão. Divulgaremos com alarido, na mídia, que eu, a rainha caridosa e zelosa com os tributos dos contribuintes, estarei recebendo aos súditos para ouvir suas críticas e sugestões. Vocês, meus vassalos, se certifiquem de que haja nessas audiências mais companheiros que gente de bem. Pouca coisa é mais detestável numa democracia do que gente sem cabresto ideológico ou rabo preso em algum carguinho público! - lembra sua alteza - No final, tudo será como nós já havíamos decidido que seria, e ainda teremos várias matérias em Imprensa Livre mostrando como somos um reinado democrático e participativo, mesmo quando não escutamos ninguém, a não ser nossos pares, e decidimos conforme nossas conveniências. - conclui Poliana, soberana absoluta, para seus adestradinhos Poodles da Câmara de Vendilhões, que abanavam os rabinhos para agradar sua dona.
    Em reino onde monarca não se dá ao respeito, súdito não se dá valor, e ao eleitor, caráter é artigo sem qualquer importância, quem tem vergonha é otário.”

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