Com
movimentos mais lentos e sem o vigor de sua mocidade distante, o
velho cuidava da pequena horta no fundo de seu quintal. Mesmo tendo
deixado há alguns anos a vida no campo, ainda guardava esse diminuto
espaço onde mantinha vivas suas raízes. Lembrava com certa
nostalgia de todos os anos em que vivera da agricultura. De sua
infância sofrida e de muita miséria. Miséria que deixara para trás
com suor e trabalho árduo. Vida difícil que o fizera prometer
investir todo seu esforço para dar a seus filhos o estudo que não
tivera. Aprendera, esse velho ignorante, que somente através do
estudo e do trabalho é possível progredir na vida. Sempre
acreditara nisso. Que o trabalho, ou uma profissão, formavam
cidadãos de fato. É o que modernamente chamavam de inclusão social
e resgate da cidadania, reflete o idoso. Pessoas capazes de tomar
nas mãos as rédeas de suas próprias vidas. Seres autônomos,
senhores de suas escolhas.
Por
isso, não conseguia entender que atualmente famílias, há anos,
dependessem para sua subsistência de migalhas de recursos
assistenciais governamentais e fossem tidas e propaladas como
“saídas”da miséria. Para esse ancião senil, poucas coisas
pareciam mais excludentes do que tornar pessoas pobres eternas
dependentes de esmolas assistenciais. Miséria e exclusão não são
apenas pontos de corte, frios e estatísticos, que estabelecem a
partir de quantos reais um homem deixa de ser um miserável e passa a
ser um cidadão. A verdadeira cidadania se constrói, jamais se
ganha. Um homem, ou uma mulher, que não é capaz de sustentar a si e a
seus filhos através de seus próprios meios, esforços e recursos,
será eternamente um marginalizado social. Não importam o que digam
as estatísticas e propagandas, acredita o ancião. A tutela do
Estado devia ser medida provisória e emergencial em um verdadeiro
projeto de inclusão social, onde pobres e miseráveis tenham acesso
a estudo, profissionalização e inserção no mercado de trabalho.
Onde aprenderiam a ser donos de suas vidas, escolhas e histórias.
Passada mais de uma década, não são mais miseráveis, alardeiam as
propagandas governamentais. São e, ao que parece serão sempre,
eternos tutelados pelo Estado. É a estatização da miséria,
conclui o velho tristonho. Parece a subjugação definitiva e sem
perspectiva de milhares de brasileiros a um Estado que não pretende
semear cidadania e sim cultivar e perpetuar a submissão e a
ignorância. A real ascensão social jamais chegará a essa gente,
lastima o idoso. Somente em estatísticas fantasiosas e distorcidas.
Estão fadados ao único caminho possível daqueles que não têm nas
mãos as rédeas de suas vidas: depender da caridade de outros. Os
outros de hoje, ao menos, são diferentes dos outros de outrora,
pensa o velho. Não mendigam mais nas ruas os miseráveis de hoje, em
busca de caridade, dizem os doutores. Quem faz caridade atualmente é
o Estado. E o Estado cobra como preço apenas a subserviente
gratidão, como a dos mendigos de outrora. E se vangloria disso em
propagandas e discursos. Pobres e miseráveis, que sempre se
alimentaram de promessas, ao menos hoje, são personagens no grande
teatro que vende o país da inclusão social e têm como
protagonistas pessoas tão distantes da educação, do trabalho e da
autonomia, quanto sempre estiveram, entristece-se o idoso.
Erradicaremos a pobreza, dizem as propagandas oficiais. Ao menos nas
estatísticas, conclui o velho. Acredite quem conseguir. Quem sabe
consigamos, algum dia, que miseráveis se tornem cidadãos de fato
nesse país de ex-quadrilheiros e eternos falastrões, sonha ainda o
idoso, enquanto semeia a terra.
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