Uma
constrangida Poliana tentava conter o forçado sorriso nos lábios
para manter as aparências. Afinal, sua alteza e um vasto séquito de
aduladores e terneiros das tetas públicas, voavam como moscas em
torno do Herdeiro da Pampa Pobre, que estava em visita oficial ao
reino. Depois de horas de discursos e anúncios de que vultuosas
somas de recursos choveriam na região em épocas de eleição,
Poliana não via a hora de ficar sozinha com seus bobos da corte. E
eles iam se ver em maus lençóis, prometia-se a monarca. Terminado o
cortejo e acabadas as despedidas, a irada rainha nem esperara o
helicóptero do Herdeiro levantar voo para começar a sabatinar seus
asseclas.
- O
que diabos foi aquilo, sua cambada de imprestáveis?! Vocês
pretendiam manchar minha límpida imagem com toda aquela água
barrenta jorrando?! Olhem só o meu trajinho marfim todo respingado
de barro!
- Ora,
alteza. Você está deslumbrante com sempre. Ninguém vai notar
essas pequenas manchas na sua roupa. Lembre-se que você já teve
máculas maiores no passado e seus fiéis súditos nem perceberam.
- E o
fiasco que acabei de presenciar?! Vocês acham que Imprensa Livre
vai deixar passar isso em branco? Posso até imaginar aquelas
odiosas redes sociais me ridicularizando. Anunciamos com todo
glamour uma obra de milhões na transposição de um rio que
acabaria definitivamente com os racionamentos no reino, e o que
apresentamos para o povo? Uma gambiarra tosca digna de comédia
pastelão da pior qualidade.
- Não
se preocupe com esses detalhes, rainha. Primeiramente o povo não
estava presente no local. Só tinha nossa companheirada por lá. E
depois, o povo não tem a menor ideia do que seja uma transposição
de rio.
- Mas
o povão conhece como poucos uma gambiarra! E aquilo lá é a mãe
das gambiarras, isso sim. Nós devíamos patentear o fiasco.
- Também
não é bem assim, né Poliana. A gente se esforçou. O Herdeiro da
Pampa Pobre não pareceu nem um pouco constrangido.
- Esse
aí não se constrange nem com professoras dando de régua nos
dedos dele. Tirou até o bigode para não ter de honrar nem mesmo
um fio. Não ia ser mais uma de nossas patifarias que o faria
ruborizar, não é mesmo? - ironiza a monarca.
- Eu
não sei o que sua alteza viu de tão constrangedor na inauguração
da transposição.
- O
que eu vi? Eu não vi, foi isso! O objetivo da obra era puxar água
de um rio para o lago da barragem em períodos de estiagem, não é?
Pois bem, o que nós mostramos hoje, muitos milhões de
investimentos públicos depois? Uma bomba quase artesanal puxando
água de um banhado, uma torneirona rudimentar aberta por um monte
de patetas deslumbrados, e um cano de onde jorrava água barrenta!
É isso. Foi o que eu e todo mundo lá viu! Temos quilômetros de
canos enterrados por onde não passa água alguma, e nenhuma
estrutura ainda pronta para puxar a tal água do rio. E dissemos
aos contribuintes que solucionamos definitivamente o problema e não
temos mais risco de desabastecimento! Algum de vocês tem outro bom
argumento contrário, companheirada?
- Eu
discordo, Poliana. Na verdade aquilo de onde bombeamos a água hoje
na festa, não era um banhado. Era um buraco que nós, seus bobos
da corte, passamos a semana inteirinha cavando só para fazer
bonito na campanha do Herdeiro da Pampa Pobre. E a água pode não
ter sido transposta do rio por meio desse sofisticado sistema que
nós prometemos, mas ela veio mesmo do tal rio. Nós passamos a
madrugada todinha carregando baldes de um lado pra outro para
encher o dito buraco. Somos bem esforçadinhos!
- É
isso mesmo Poliana. Precisamos maquiar os fatos. - pondera o bobo
do marketing e ilusão de ótica – Vamos divulgar que não
inauguramos a obra. Ela apenas está “operacional”.
- E o
que quer dizer “operacional”, meu adorado bobo da mídia
estapafúrdia financiada pelo contribuinte?
- Não
quer dizer coisa nenhuma, na prática. Mas na ilusão de marketing,
e no jogo de palavras, significa que temos uma obra milionária,
que embora ainda não sirva para nada, com mais alguns milhões de
recursos públicos, centenas de discursos e propagandas, e meses,
ou anos, de enrolação, pode ser que algum dia venha a funcionar.
O fato concreto e que temos que divulgar é que jorra água
daqueles canos. Mesmo que seja água barrenta bombeada de um
lamaçal dos infernos. Mais que isso o povão não tem de saber.
Temos de mostrar ao povo somente o que ele quer ver.
- Quer
dizer que trocaremos a palavra inauguração por operacionalização.
E mentiremos para o povão que se a estiagem chegar hoje no reino
nós conseguiremos produzir água em abundância. É isso?
- Isso
mesmo, rainha. - confirma o marqueteiro oficial.
- E
se por desgraça, ou praga de Oposição, a estiagem resolver
contrariar as estatísticas e atingir o reino antes da hora? -
questiona Poliana, ressabiada.
- Neste
caso, rainha, acho que teremos de convocar todos os bobos e pajens
de sua alteza, e passaremos muitas noites puxando água de balde só
para manter as aparências. - responde o outro.
- Pelo
menos temos uma corte tão vasta, que alinhada, supera em muito os
quilômetros de canos até o rio. - reflete a monarca - Brilhantes
ideias, meu jovem e cada vez mais descarado, bobo do marketing. De
mentes assim é que meu reinado precisa. - elogia a rainha
entusiasmada – Eu só gostaria de fazer um pedido, meu caro. Nas
edições de imagem que você tão bem executa, dê um jeitinho de
fazer com que a água que jorra seja um pouco mais cristalina, sim?
Afinal, ao menos alguma coisa de limpo devemos oferecer aos
contribuintes em toda essa imundície. Nem que seja nas
fotografias. - conclui Poliana, plenamente satisfeita com mais um
embuste aplicado por sua corte nos sempre crédulos e esperançosos
súditos reais.