sábado, 5 de outubro de 2013

A grave crise de governabilidade da realeza

A vasta corte da rainha corria alvoroçada pelo castelo. Pajens baratinados fechavam as janelas para evitar que os gritos histéricos da monarca pudessem ser ouvidos pelos súditos do lado de fora. Se sua alteza continuasse a quebrar toda a louça real e a berrar como uma desvairada, até a eternamente hibernante Oposição era capaz de levantar da tumba.
- O que aconteceu dessa vez? – pergunta um assessor – Não vão me dizer que vocês esqueceram de dar o anticoncepcional à rainha e isso é mais uma das suas conhecidas crises de TPM?!
- Nada disso! Eu mesmo dou as pílulas para sua majestade todo dia. Mais de uma até, só para garantir. - responde um dos pajens, enquanto limpava os restos de mingau da aveia que lhe fora arremessado pela rainha logo no café da manhã.
- Mas se não é TPM, alguma coisa grave vocês fizeram para enfurecer desse jeito Poliana! – acusa um dos bobos – Aposto como trocaram a cor do esmalte. Vocês sabem bem que em outubro ela só usa o rosa.
- Não foi isso.
- Deixaram faltar os bombons de amarula?
- Não.
- Foi o hidratante para o corpo e os pezinhos reais? Na primavera ela troca o creme de avelã e cereja por aromas cítricos, tangerina e limoncello. Será que foi isso que deixou a rainha ainda mais azeda? – questiona outro pajem.
- Não.
- Pelas barbas de Fidel! – alarma-se cada vez mais um companheiro ao ouvir um novo surto de impropérios vindo da redoma e o estrondo de objetos colidindo com as paredes – O que de mais grave pode ter acontecido para desestabilizar assim os frágeis humores reais?  Nós acabamos de renovar todo guarda-roupa dela, motivos florais, como ela exigiu. Só os sapatos davam para calçar o reino inteirinho!
- Pode ter sido a temperatura do banho! – exclama outro bobo – Como daquela vez em que a água estava muito quente e ressecou sua delicada pele, lembram? Ela quase afogou o pobre do pajem na banheira.
- Eu lembro! Coitado! Ficou com fobia de água desde aquele dia. Agora tem até que sentar para mijar. – lastima um companheiro, balançando a cabeça em pesar.
- Não foi o banho. Ela ficou assim na hora do café da manhã. – começa a esclarecer outro companheiro – Enquanto lia os jornais do dia.
- Jornais?! Não podem ter noticiado mais um de nossos deslizes. A rainha não reagiria tão raivosamente com assuntos assim tão corriqueiros e sem importância. – reflete um dos bobos da corte, sendo bruscamente interrompido pelo barulho da grande porta da redoma ao ser escancarada para a entrada triunfante da magnífica e descabelada Poliana no recinto.
- Vocês! – grita a descomposta rainha para sua apavorada corte de bobos e pajens - Seus energúmenos! Não valem um décimo dos recursos públicos que pagam seus salários! Incompetentes! Inúteis! – esganiça a monarca derrubando tudo que via pela frente.
- Que nós não valemos nada, todos sabem Poliana. Mas o que foi que fizemos de errado dessa vez para deixar você, magnânima, tão amoadinha? – pergunta um dos companheiros de clã.
- Escolheram outra rainha! Outra! – berra a irascível monarca – Eu gasto uma fortuna dos contribuintes em uma assessoria de marketing, mídia e ilusão de ótica, e o que vejo estampado nos jornais?! A cara de outra fulana como rainha! Traidores! – grita Poliana jogando os periódicos em sua sempre apalermada corte.
- Mas alteza... – começa a contemporizar o marqueteiro oficial do reino – essa é só a rainha escolhida para a feira empresarial da região!
- Não importa quem seja essa baranga horrorosa! Ela teve mais espaço na mídia do que eu! Eu! Soberana única e absoluta desse reino! – continua Poliana, já fazendo beicinho. – E ela nem é fotogênica! – completa a rainha, cruzando os braços emburrada em sinal de pirraça e despeito. – Isso não pode ficar assim! Ordeno que vocês gastem cada centavo de dinheiro público que for preciso para inundar a imprensa local com imagens minhas. Minhas! O povo não pode ter dúvidas de quem é a rainha desse fantasioso reino. Mexam-se seus molóides! – ordena Poliana, fazendo seus, quase sempre lerdos e despreocupados bobos, correrem assustados em busca de um pouco de trabalho.
Nada como um fato grave e ameaçador a soberania no reino para fazer com que tantos glúteos inertes fossem postos em movimento, pensa a destemperada Poliana, enquanto se acalmava saboreando seus adorados bombos de amarula.




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