Sorvendo o seu chimarrão, o velho se aquecia em frente ao borralho, nessa fria manhã de domingo. Desde cedo, sua casa já recendia o aroma de pão e
cuca sendo assados. Sua véia, parceira de meio século, saracoteava e troteava pela
casa como se ainda tivesse seus vinte anos. Também ralhava e brigava com ele
com o mesmo vigor da mocidade. Certas coisas não mudam com o tempo, pensa o
velho matreiro. As crises de mau humor das mulheres, diziam os médicos, na
juventude eram explicadas pela oscilação dos hormônios. Na meia idade, pela
falta desses. Aos setenta anos, deviam ser força do hábito, concluía o velho. Melhor
não provocar a fera, aprendera nesses cinqüenta anos. Uma Jaguatirica é sempre
uma Jaguatirica, não importa a idade.
Hoje era um domingo especial. Era dia dos pais. Seus filhos e
netos viriam todos para o almoço. O velho esperava, com a ansiedade e a impaciência próprias de criança, por esse dia. Como eram raras, atualmente, as oportunidades de ter seus
filhos reunidos em casa novamente. Sentia saudades dos tempos em que podia segurá-los
no colo e apertá-los junto ao peito, como a protegê-los e afastá-los de todo o
mal. Embalá-los no sono e espantar os fantasmas, a Cuca, o Bicho Papão e o
Homem do Saco. Quando uma luz acesa, na noite escura, afastava todos os males
de suas pequenas e frágeis vidas. Tinha saudades da algazarra e das peraltices
do criaredo nos almoços de domingo, hoje tão distantes. Saudades até das
broncas e dos castigos que era obrigado a impor para corrigir-lhes o rumo.
Agora, quem diria, eram eles que se achavam no direito de lhe puxar as orelhas!
Tem coisa que filho nunca entende. Filho é sempre filho. Não importa a idade ou
o tamanho que tenham. Para um pai, é, e será eternamente, o mesmo pirralho que
até há pouco tempo andava e choramingava todo mijado pela casa. Visão de pai, não muda com a idade. Preocupação e zelo também não. Assim como a teimosia e a
impertinência dos filhos, reflete o idoso, sorrindo.
A maturidade de um pai traz consigo uma nostalgia diferente e
inoportuna. Uma saudade esquisita de tudo que deixou de ser feito ou vivido. E
certo sentimento de injustiça, também. Quando eram pequenas, as suas crianças, o
trabalho e as responsabilidades diárias lhe deixaram pouco tempo para as
brincadeiras e a atenção que gostaria de ter dado a elas. Hoje, homens feitos, à
distância, com seus trabalhos e responsabilidades, são seus filhos que já não
tem tanto tempo para este velho pai. O tempo se esvai entre os dedos e afasta
pais e filhos com uma ironia traiçoeira, suspira o idoso, sorvendo seu mate.
Preparam-se os filhos para a vida, e os pais para as lembranças. Só não se prepara
aos pais para a saudade, pensa o velho cabisbaixo. Mas, para compensar e
alegrar a um velho pai havia os netos! Não tantos quanto desejava este pai-avô,
era verdade. Parecem muito pouco afeitos a reprodução os mais jovens, hoje em
dia. Coisas desse mundo moderno! Os netos trazem os filhos de volta ao colo de
um pai. E em colo de pai cabem todos. Não importa o tamanho.
Olhando o relógio, o velho levanta-se com a presteza que só
um pai-avô tem. O tempo tinha passado, rápido demais como sempre. Precisava,
ainda, limpar o balanço e desencaixotar os brinquedos. Afinal, suas crianças, finalmente,
estavam voltando para casa, anima-se o velho correndo satisfeito para o pátio.
Tomara que meus filhos não se esqueçam de trazer bons agasalhos. Com esse frio,
podem pegar um resfriado. Eram sempre muito avoadas essas suas crianças! –
preocupa-se o velho pai, como de hábito, balançando a cabeça contrafeito.
Como sempre, pertinente e emocionante. Algumas lágrimas escorreram pelas rugas de meu rosto, embaçaram o meu olhar e avivaram minhas lembranças. Obrigado filha pela homenagem a todos esses pais, e a mim em particular. Beijão do Velho Zé Filgueras.
ResponderExcluirAdorei! Leticia
ResponderExcluirAMÉM...FELIZ DIA DOS PAIS !!!
ResponderExcluirMUITO LINDO!
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