Comodamente sentada em seu trono, com sua fiel comitiva de
vassalos a lhe cercar, Poliana tricoteava sua manta em mais uma fria tarde de
inverno. Não era tarefa fácil, essa, para sua alteza, pouco acostumada a dar
ponto sem nó. Já tivera de refazer o trabalho dezenas de vezes. Quase tantas
vezes quanto tivera de afastar algum de seus adoráveis bobos e mascotes por
imposição de Justiça. Justiça! Que criaturinha mais detestável e irritante.
Sempre a perseguir Poliana e sua adorável e inocente corte. Poliana ainda não
entendia como, com toda aquela venda nos olhos, a mentecapta ainda conseguia
enxergar as sutis artimanhas da rainha. Talvez fosse pelo olfato, pensa a
perspicaz Poliana. Numa coisa, ao menos, tinha que concordar com Justiça. Seus
bobos eram mestres em chafurdar nos próprios
dejetos. O cheiro nauseante, não percebido por quem o exala, talvez fosse
inoportuno para outros. Precisaria
investir mais recursos públicos em perfumes para sua turma, conclui a sempre
prática monarca. Quem sabe assim, conseguisse despistar Justiça de uma vez por
todas.
- A tática era perfeita! Não sei como foi falhar. – lamenta
um dos bobos, pesaroso com o recidivante afastamento de seu companheiro de time.
– Ele saía pela porta da frente, com o cativante discurso de manter o bom nome
do reinado de Poliana, de não embolar o meio de campo e não obstruir Justiça.
Depois voltava pela porta dos fundos e Justiça nem ia se dar conta. Era tão
simples!
- É. Bem mais simples que direcionar licitação. – comenta
Poliana, um tanto ácida.
- De novo não, rainha! Você não vai nos perdoar nunca por
isso? Não foi culpa nossa, foi coisa de Imprensa Livre. Ela que melou nosso
negocinho!
- Negocinho, não. Negocião! Não tem um dia da minha vida que
eu não vá lamentar todo dinheiro público que deixei de embolsar naquela nossa
jogada estratégica e lucrativa do controle de tráfego.
- Nós também não. – entristece-se um companheiro, nostálgico.
- Fiquei tão traumatizado com aquele negócio naufragado, que me emociono cada
vez que passo por um pardal ou lombada eletrônica. E não assisto mais TV nas noites
de domingo! É minha forma de protestar contra a Imprensa Livre golpista que
acabou com nosso sonho capitalizado de consumo.
- Imprensa Livre teve sua participação decisiva ao trazer a
tona o nosso rolo antes que nós tivéssemos tempo de pôr em prática todo esquema.
Na verdade, ela nos salvou isso sim! Já pensaram se tudo tivesse vindo a
público depois de toda negociata de multas e pardais já estivesse armada e
funcionando? Seria uma catástrofe ainda maior do que o fiasco que fizemos em
rede nacional e horário nobre.
- Isso é verdade, sábia rainha! Uma intenção de crime é bem
mais branda, para a temível e intransigente Justiça, que um crime consumado. – concorda
outro companheiro.
- Ainda mais com a estupidez de vocês, seus molóides! Deixam
sempre a bola picando onde até a mentecapta cega consegue marcar! – exalta-se a
desportista rainha. – Conseguiram direcionar até os erros de português de nossa
concorrência fraudulenta. Vocês são tão vadios e preguiçosos que não se deram
ao trabalho nem de mudar a ordem das frases. Só faltou acrescentarem o emblema
da empresa que pretendíamos que vencesse o processo. – ironiza Poliana.
- Na verdade, alteza. – começa um dos eternamente enrolados,
com mais salário que cérebro, bobos da corte real. – Nós bem que tentamos
digitalizar o tal emblema, mas era muito complexo para nosso restrito
conhecimento de informática. Não conseguimos! Por isso só reproduzimos, na
íntegra, o manual de nossa empresa parceira de tramóias e locupletações financiadas
pelos motoristas otários.
- Nós não temos culpa daquela gente da tal empresa não saber
português e ortografia, Poliana! – indigna-se outro bem remunerado assessor. –
Nós estamos aqui para fazer rolo e contribuir para o clã! Se eu quisesse passar
a vida trabalhando, lendo e estudando, teria sido professor! Mas quem que vive
com um salarieco daqueles?! Tenha dó, rainha!
- Eu devo mesmo agradecer pela ignorância de vocês nos
recursos da informática. – ironiza a monarca. - Não fosse por isso, estaríamos
todos nós, hoje, em lençóis ainda mais sujos. Sorte minha, que a capacidade de
vocês não vai além do facebook!
- Nós somos fera no Face! – vangloria-se um companheiro.
- São umas feras! Mas quando Justiça entra em cena viram logo
uns gatinhos. – continua a rainha, ainda mais irônica. – Imprensa Livre
divulgou semana passada! Por decisão de Justiça, se não estou enganada. Alguns
de nossos simpatizantes, mais simplórios e ingênuos que vocês, seus
incompetentes, pedindo perdão à Justiça. Tendo de admitir que ofenderam Justiça
por pura falta de cérebro. Que curtiram por cacoete ideológico. Compartilharam,
por total ausência de bom senso. E que comentaram por falta de coisa melhor
para fazer. Um espetáculo! Sorte que as letrinhas eram pequenas e quase ninguém
lê jornais nesse reino. Nem vocês, que, desconfio, mal sabem juntar as letras!
- Você está sendo cruel, alteza! Nós não merecemos esse tipo
de tratamento! – ofende-se um dos presentes.
- Vocês é que não merecem os carguinhos que ocupam. E as
trapalhadas de vocês ainda podem custar a minha cabeça e as mordomias de toda a
corte. Não se esqueçam que meu pescoço ainda esta na guilhotina, só esperando Justiça
acordar e se mexer na cadeira. A última coisa que preciso é que vocês fiquem
cutucando a velha. – continua a rainha, com o cenho preocupado.
- Não se preocupe alteza! – conforta um assessor. – Tenha fé
em nosso clã. Nós somos muito bem relacionados. Temos convicção absoluta de que
nesse seu caso especial Justiça vai dormir longamente. Como se diz no dialeto de
nosso clã, nós vamos seguir lewandowski
com a barriga por muito, muito tempo. Podemos ter falhado na negociata do
controle de tráfego, mas ainda somos excelência no tráfego de influências! –
afirma, com a arrogância nata dos desprovidos de vergonha.
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