domingo, 18 de agosto de 2013

O controle de Justiça no tráfego de bobos da rainha

Comodamente sentada em seu trono, com sua fiel comitiva de vassalos a lhe cercar, Poliana tricoteava sua manta em mais uma fria tarde de inverno. Não era tarefa fácil, essa, para sua alteza, pouco acostumada a dar ponto sem nó. Já tivera de refazer o trabalho dezenas de vezes. Quase tantas vezes quanto tivera de afastar algum de seus adoráveis bobos e mascotes por imposição de Justiça. Justiça! Que criaturinha mais detestável e irritante. Sempre a perseguir Poliana e sua adorável e inocente corte. Poliana ainda não entendia como, com toda aquela venda nos olhos, a mentecapta ainda conseguia enxergar as sutis artimanhas da rainha. Talvez fosse pelo olfato, pensa a perspicaz Poliana. Numa coisa, ao menos, tinha que concordar com Justiça. Seus bobos eram mestres em  chafurdar nos próprios dejetos. O cheiro nauseante, não percebido por quem o exala, talvez fosse inoportuno para outros.  Precisaria investir mais recursos públicos em perfumes para sua turma, conclui a sempre prática monarca. Quem sabe assim, conseguisse despistar Justiça de uma vez por todas.
- A tática era perfeita! Não sei como foi falhar. – lamenta um dos bobos, pesaroso com o recidivante afastamento de seu companheiro de time. – Ele saía pela porta da frente, com o cativante discurso de manter o bom nome do reinado de Poliana, de não embolar o meio de campo e não obstruir Justiça. Depois voltava pela porta dos fundos e Justiça nem ia se dar conta. Era tão simples!
- É. Bem mais simples que direcionar licitação. – comenta Poliana, um tanto ácida.
- De novo não, rainha! Você não vai nos perdoar nunca por isso? Não foi culpa nossa, foi coisa de Imprensa Livre. Ela que melou nosso negocinho!
- Negocinho, não. Negocião! Não tem um dia da minha vida que eu não vá lamentar todo dinheiro público que deixei de embolsar naquela nossa jogada estratégica e lucrativa do controle de tráfego.
- Nós também não. – entristece-se um companheiro, nostálgico. - Fiquei tão traumatizado com aquele negócio naufragado, que me emociono cada vez que passo por um pardal ou lombada eletrônica. E não assisto mais TV nas noites de domingo! É minha forma de protestar contra a Imprensa Livre golpista que acabou com nosso sonho capitalizado de consumo.
- Imprensa Livre teve sua participação decisiva ao trazer a tona o nosso rolo antes que nós tivéssemos tempo de pôr em prática todo esquema. Na verdade, ela nos salvou isso sim! Já pensaram se tudo tivesse vindo a público depois de toda negociata de multas e pardais já estivesse armada e funcionando? Seria uma catástrofe ainda maior do que o fiasco que fizemos em rede nacional e horário nobre.
- Isso é verdade, sábia rainha! Uma intenção de crime é bem mais branda, para a temível e intransigente Justiça, que um crime consumado. – concorda outro companheiro.
- Ainda mais com a estupidez de vocês, seus molóides! Deixam sempre a bola picando onde até a mentecapta cega consegue marcar! – exalta-se a desportista rainha. – Conseguiram direcionar até os erros de português de nossa concorrência fraudulenta. Vocês são tão vadios e preguiçosos que não se deram ao trabalho nem de mudar a ordem das frases. Só faltou acrescentarem o emblema da empresa que pretendíamos que vencesse o processo. – ironiza Poliana.
- Na verdade, alteza. – começa um dos eternamente enrolados, com mais salário que cérebro, bobos da corte real. – Nós bem que tentamos digitalizar o tal emblema, mas era muito complexo para nosso restrito conhecimento de informática. Não conseguimos! Por isso só reproduzimos, na íntegra, o manual de nossa empresa parceira de tramóias e locupletações financiadas pelos motoristas otários.
- Nós não temos culpa daquela gente da tal empresa não saber português e ortografia, Poliana! – indigna-se outro bem remunerado assessor. – Nós estamos aqui para fazer rolo e contribuir para o clã! Se eu quisesse passar a vida trabalhando, lendo e estudando, teria sido professor! Mas quem que vive com um salarieco daqueles?! Tenha dó, rainha!
- Eu devo mesmo agradecer pela ignorância de vocês nos recursos da informática. – ironiza a monarca. - Não fosse por isso, estaríamos todos nós, hoje, em lençóis ainda mais sujos. Sorte minha, que a capacidade de vocês não vai além do facebook!
- Nós somos fera no Face! – vangloria-se um companheiro.
- São umas feras! Mas quando Justiça entra em cena viram logo uns gatinhos. – continua a rainha, ainda mais irônica. – Imprensa Livre divulgou semana passada! Por decisão de Justiça, se não estou enganada. Alguns de nossos simpatizantes, mais simplórios e ingênuos que vocês, seus incompetentes, pedindo perdão à Justiça. Tendo de admitir que ofenderam Justiça por pura falta de cérebro. Que curtiram por cacoete ideológico. Compartilharam, por total ausência de bom senso. E que comentaram por falta de coisa melhor para fazer. Um espetáculo! Sorte que as letrinhas eram pequenas e quase ninguém lê jornais nesse reino. Nem vocês, que, desconfio, mal sabem juntar as letras!
- Você está sendo cruel, alteza! Nós não merecemos esse tipo de tratamento! – ofende-se um dos presentes.
- Vocês é que não merecem os carguinhos que ocupam. E as trapalhadas de vocês ainda podem custar a minha cabeça e as mordomias de toda a corte. Não se esqueçam que meu pescoço ainda esta na guilhotina, só esperando Justiça acordar e se mexer na cadeira. A última coisa que preciso é que vocês fiquem cutucando a velha. – continua a rainha, com o cenho preocupado.
- Não se preocupe alteza! – conforta um assessor. – Tenha fé em nosso clã. Nós somos muito bem relacionados. Temos convicção absoluta de que nesse seu caso especial Justiça vai dormir longamente. Como se diz no dialeto de nosso clã, nós vamos seguir lewandowski com a barriga por muito, muito tempo. Podemos ter falhado na negociata do controle de tráfego, mas ainda somos excelência no tráfego de influências! – afirma, com a arrogância nata dos desprovidos de vergonha.



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