Poliana olhava ressentida para o
grupo de companheiros que a cercava. Seus aliados já demonstravam sinais de
cansaço depois de horas correndo atrás de sua alteza. Os melhores negociadores
e enroladores da equipe real foram chamados às pressas ao palácio para tentar contornar
a situação. Nem mesmos os bombons de amarula foram suficientes dessa vez.
Poliana estava irredutível. Seus bobos da corte entreolhavam-se prevendo mais
uma calamidade para encerrar o tumultuado reinado. Todos conheciam as crises de
destempero da rainha e sua teimosia desmedida. Quando ela teimava, teimava. Ninguém
conseguia meter um pouco de bom senso na coroada cabeça. O gênio difícil da
rainha, sua teimosia e intransigência e o peso da coroa eram exatamente as
causas de toda a confusão em que estavam metidos a monarca e sua vasta corte agora.
- Você precisa entregar, Poliana.
Não tem mais jeito. Não torne as coisas ainda mais difíceis e escandalosas do
que já são. – argumenta Líquen, o amorfo, pela milionésima vez.
Poliana encontrava-se trancada na
sua redoma de vidro fumê fortemente agarrada a sua adorada coroa. Decidira, em
um ato de pirraça e rebeldia, que não entregaria a coroa a seu sucessor. Fosse
ele quem fosse. Vermelha de raiva, batia o pezinho miúdo no chão e gritava:
- Não dou, não dou, não dou! Ela
é minha! Só minha!
- Mas Poliana, é só por algumas
semanas. Nós temos certeza que você vai vencer Justiça e recuperar a coroa loguinho.
– acrescenta um dos bobos da Irmandade do Fogo
- Conversa pra boi dormir. Vocês
estão me enrolando com isso há meses. Na minha frente garantem que vou vencer,
e pelas minhas costas planejam quem vão colocar no meu trono. Meu trono! Eu não
confio em nenhum de vocês, seus lacaios.
- Rainha, nós estamos nos esforçando
ao máximo para salvá-la de Justiça. Eu mesmo já mobilizei meio mundo lá na sede
do poder central. É preciso ter paciência e fé nos apoiadores de nosso clã. – afirma
Líquen com a confiança adquirida pelos anos no ramo de compra e venda de
emendas parlamentares.
- Enrolação! Vocês acham que eu
sou como o povo que nós enrolamos há décadas? Se nossos companheiros de clã não
conseguiram livrar a cara dos mensaleiros, vão se preocupar com uma rainha de
um reinozinho de fim de mundo como eu? Essa coroa é minha! Eu conquistei!
Ninguém me tira. – berra a rainha,
enterrando a coroa na cabeça.
- Nós todos, seus fieis bobos da
corte, somos e sempre seremos solidários a você, Poliana. Estamos todos no
mesmo barco. – apela mais um membro da Irmandade do Fogo.
- Mesmo barco uma ova! Só quem
vai ser jogada para fora do barco sou eu. Vocês vão continuar usufruindo dos
seus carguinhos por mais um tempo. E só estão ao meu lado enquanto eu tenho a
coroa. Apenas estão preocupados em manter suas mordomias, seus ingratos!
- Mas você tem que pensar em
nosso clã, Poliana. Se nós não conseguirmos vencer a reacionária Justiça
precisamos assegurar que nosso grupo se mantenha no poder. Esse sempre foi
nosso plano: décadas com as mãos firmes no poder e nas chaves do cofre, é
claro. – pondera Líquen, com ares de Zé Dirceu.
- É isso mesmo querida
companheira Poliana. Você sabe o quanto nós lastimamos essa perseguição que
você esta sofrendo. Mas precisamos preparar o terreno e não desviarmos de nosso
caminho. – acrescenta com voz mansa e a eterna postura servil, o solidaríssimo
companheiro Golesminha.
- Nem vem Golesminha. Não adianta
vir se chegando pro meu lado abanando o rabinho feito um poodle. Você mais do
que ninguém está vibrando com minha decapitação. Você sempre quis o meu lugar!
Sempre! Agora vai ter o apoio de nosso clã. Traidor!
- Jamais, Poliana. Isso nunca
passou pela minha cabeça, adorada rainha. Eu sempre estive ao seu lado sem
qualquer ambição de lhe tomar o trono. – afirma o companheiro Golesminha, um
pouco enrubescido, chacoalhando a clássica franjinha.
- Já chega! Não é hora de
discutirmos a sucessão. Em poucas horas você vai precisar entregar a coroa
Poliana. Isso é um fato. Não adianta fazer escândalo. Você tem que se comportar
como a rainha boazinha e doce que nós vendemos para o povo todo esse tempo. Era
só o que faltava você aparecer como uma louca histérica na hora de repassar a
coroa.
- É isso mesmo, rainha. Pelo menos
nesses últimos momentos do seu reinado, tenha um pouco de bom senso. Nós já
estamos atolados até o pescoço em escândalos, não precisamos de mais nenhum.
Entregue a cora Poliana. – suplica um dos pajens
- Não é só a coroa, vocês não
entendem? Como é que eu viver sem tudo isso aqui? Sem meu trono. Sem minha
redoma de vidro fumê! A vista do reino é perfeita de dentro da minha redoma. Eu
não vou suportar viver lá fora, onde tudo é meio esburacado e fedorento. Eu vou
murchar como uma flor fora da estufa. – choraminga a rainha, fazendo beicinho e
acariciando teatralmente a coroa.
- E o que você acha de se mudar
para uma outra redoma, novinha em folha? – pergunta Líquen tendo uma de suas
brilhantes idéias.
- Uma outra redoma? De vidro fumê
cor de rosa? – indaga a rainha demonstrando apreciação.
- Isso mesmo. Uma redoma ainda mais
bonita e blindada que essa, em um lugar privilegiado onde você vai poder ver
todo nosso vasto reino.
- Com um trono?
- Claro, um confortável troninho
só pra você.
- E com estoques de bombons de
amarula? – empolga-se Poliana, com seus olhinhos de biscuit brilhantes de
entusiasmo.
- Uma despensa cheinha. – garante
Líquen
- Fechado! Podem pegar essa
porcaria de coroa. Ela fica mesmo apertada na minha cabeça. E você companheiro
Golesminha, vai ter que dar um jeito nessa franja horrorosa se for ficar mesmo
com o trono. Ela não combina nadinha com esse modelo de coroa. Vamos lá, estou
louquinha para conhecer minha nova moradia. Vamos seus molóides! Até a meia
noite vocês ainda tem obrigação de me paparicar. Tragam os meus sais de banho e
as toalhas de algodão egípcio. E não esqueçam dos bombons. – ordena a sempre surpreendente
Poliana , deixando o recinto sem ao menos olhar para trás.