sexta-feira, 27 de abril de 2012

Velhas estrelas, mesmas vaidades


Irritado e alvoroçado, andando de um lado ao outro feito um Bulldog, o velho amigo bufava. Entre os rosnados exalava a fumaça do cigarro pelas narinas. A situação já atingira o limite de sua paciência. Era hora de dar um fim nessa situação.
- Pelo amor de Deus! Chega de enrolação! Ninguém mais agüenta tanto suspense. Afinal você vai ou não vai Zangão?
 - Não sei. Ainda não decidi. – responde Zangão secamente, sem tirar os olhos de suas palavras cruzadas. – Sentimento de grande valorização que alguém tem de si próprio? O mesmo que presunção. Começa com v...? 
- Vaidade. – responde o amigo continuando a discussão - Decide logo de uma vez, Zangão. Não dá pra continuar nessa chorumela por mais tempo. Nós já não temos mais idade pra isso.
- É isso mesmo. Eu já estou velho e cansado. Melhor ficar em casa repousando. Olha essa: adulação em que predomina o servilismo. Nove letras? 
- Bajulação. Isso é conversa pra boi dormir. Conta essa pros outros, não pra mim que te conheço há décadas. Tu sempre faz esse ar de pouco caso só pra ouvir o pessoal do nosso time implorando. Eu já vi esse filme outras vezes. E depois tu tá cansado do que? De ler jornais? De jogar bingo?
- Não é só isso que eu ando fazendo. Eu até já entrei naquele tal de facebook, mas achei cansativo demais. E essa aqui? Música de Caetano Veloso: É que ... acha feio o que não é espelho. Eu não entendo nada de música moderna!
 - Narciso. Música moderna?! Essa aí deve ter um trinta anos ou mais!
- Tudo isso? Talvez eu devesse mesmo ser um pouco mais aberto as novidades. – reflete Zangão, circunspecto como sempre.
- Boa idéia. Mas voltando ao nosso assunto: cansativa é essa tua mania de ficar nos enrolando até o último minuto! O que falta pra tu decidir criatura?
 - Depende das combinações.
 - Tá bom, então. Vamos ver as possibilidades. Que tal com esse aqui?
- Nem pensar! Esse já está ultrapassado. Demodé. Não valoriza mais minha figura de austeridade. Interrompendo um suspiro de impaciência para acender mais um cigarro, o amigo continua em suas conjecturas - E se fossem esses dois aqui?
- Muito pequenos. – responde secamente, voltando indiferente às cruzadas.
- O que tu me diz desse? – continua batendo nervoso as cinzas num cinzeiro já abarrotado.
- De jeito nenhum! – exalta-se um pouco Zangão, o sisudo. - O que vão dizer de mim se eu for com esse? Eu tenho uma reputação a zelar. Um nome, uma imagem sólida de seriedade e compet...
- Que papo furado de imagem Zangão! Tu sabe bem que ninguém tá preocupado com esse negócio no momento. Ainda mais com toda essa sujeira espalhada por aí. Não vai ter ninguém limpo nesse jogo. O que todo mundo quer saber é se tu vai, ou não vai!
 - Não sei, não. Preciso pensar mais um pouco. E esse negócio aí, resmunga apontando para o cigarro, ainda vai te matar.
- O que ainda me mata é essa tua indecisão. Não adianta nada eu armar as jogadas, preparar o terreno, mobilizar a torcida, se tu não sai de trás da moita. Pensar mais o que? Nós estamos atrasados homem!
 - Eles que esperem por mim. Eu tenho uma pilha de palavras cruzadas para fazer. – responde Zangão dando de ombros com ar de pouco caso.
- Então tá bom! Tá decidido, seu velho rabugento! Não sei como eu te agüento há tanto tempo! Nós vamos sem você e pronto! Fica aí de chinelos e ceroulas que nós vamos pro jogo! – Esbraveja irado, preparando-se para sair da sala. – Tenha uma boa, longa e nostálgica aposentadoria!
 - Pensando bem... acho que agora eu vou. – decide Zangão, tirando os óculos e se espreguiçando na poltrona.
 - Vai?! Mesmo? E vai como?
- Vou com o mesmo de antes.
- O de sempre? – pergunta franzindo o nariz em desagrado e acendendo um cigarro no outro.
- Claro! Por que não. É mais neutro, sem grandes mudanças. Você sabe que eu detesto mudanças.
 - Se é assim, então vamos lá. Fazer o que. – concorda a contragosto e um tanto desapontado.
- Pega no armário o abrigo Adidas azul marinho com listas brancas na lateral, uma camiseta branca e um colete de losangos amarelos. Eu me troco rapidinho e nós vamos pro jogo de bocha.
- E o que tu vai calçar? Conga ou Kichute? - Nenhum dos dois. Eu vou de pantufas. Afinal, eu estou aposentado. – afirma Zangão, acostumado a dar a última palavra.

Um comentário:

  1. Como sempre querida Katia, demonstras conhecer a fundo a realidade Erechinense, msm caricata ela e assim. Acredito q Zangao ta decidido e seu surgimento como gde esperança se deve a um outro personagem q "inferniza o palacio", atraves do outro lado da rua de sua majestade.
    Gde bj, sucesso sempre!

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