sábado, 21 de abril de 2012

Poliana, a Cinderela excluída

A robusta assessoria de sua alteza ouvia calada a enxurrada de palavras amargas e insultos da rainha. Uma Poliana descabelada gritava para a corte de bobos com sua conhecida voz amarrecada. Vermelha de ira gesticulava e sapateava no centro da sala. Há meses que não se via a rainha tão irritada e destemperada. Seus bobos, habitualmente lerdos e sem iniciativa, entreolhavam-se, como sempre sem saber do que se tratava. Alguma coisa muito grave devia ter ocorrido para indignar de tal forma a monarca. Teriam os pajens reais deixado de abastecer os estoques de bombons de amarula? Impossível. Líquen - o amorfo - mesmo entretido com o comércio vermelho de emendas parlamentares havia estocado preventivamente meia tonelada da guloseima favorita da rainha, prevendo que este ano haveria uma sucessão de crises histéricas da soberana. O fato é que algo sério e importante enfurecera sua alteza. E não devia ser apenas a falta de água para seu banho de espuma matinal. - É inadmissível! Uma afronta a soberana desse reino! Eu nunca fui tão insultada e humilhada na vida! - Calma Poliana, não foi nada tão grave afinal. - Não foi grave?! Foi terrível. Inacreditável! Justo eu que sempre sou o centro das atenções. - Mas rainha, nós não tínhamos como adivinhar que isso ia ocorrer. - Vocês são pagos por mim para defender minha imagem e impedir que me exponham ao ridículo dessa forma! Seus imprestáveis! - Não é bem assim Poliana. Nós somos pagos pelos contribuintes, e... - Não interessa! Vocês só arrumaram essa boquinha graças a mim. Se eu não fosse rainha, vocês iam ter que trabalhar como o resto da plebe. - Mas... - Chega! Guardem as desculpas esfarrapadas para a opinião pública! Nós vamos precisar. Cansada, sua majestade senta-se no trono real, fazendo beicinho. – Vocês permitiram um papelão desses justo na frente de Oposição. – choraminga Poliana com os olhinhos de biscuit úmidos. – Eu nunca vou esquecer a cara de Oposição toda empertigada e estufada de orgulho ao lado dela. Até Zangão - o sisudo - era todo sorrisos e simpatia. Eu nunca vi Zangão tão simpático e risonho, nem em Horário Eleitoral. Ai, que nojo daquela bruaca! – resmunga a rainha, batendo os pezinhos miúdos no chão em sinal de despeito. – E eu que tinha me produzido toda pro evento. Tomei um banho de imersão com sais de chocolate e pétalas de rosa e fiz uma rejuvenescedora máscara de argila. - Não eram sais de chocolate, alteza. Eram de lavanda. É que a água anda um pouquinho escura ultimamente. E não era argila, era aquele negócio escuro que tem saído das torneiras e que os ilusionistas de nosso clã juram que é manganês, ou algo do gênero. – esclarece um pajem real. - Que seja, deu pra fazer até uma esfoliação com essa coisa aí. - continua sua alteza tristonha - Eu mesma escolhi a dedo o traje para a ocasião. Fiz hidratação, e até chapinha. – choraminga a rainha com o queixo trêmulo da mais legítima magoa. Eu jurava que seria a estrela mais reluzente da noite. - A mais reluzente não, né Poliana, a única estrela presente já que o resto do nosso bando não ia ser trouxa de comparecer num evento lotado de abelhas e outros insetos. Você bem sabe que nós só brilhamos no meio de nossos seguidores e companheiros. – irrita-se um dos bobos mais ousados. - Mas eu ia conseguir me sobressair se não fosse aquela megera horrorosa! Por causa dela tive que ficar escondida escutando ela falar aquele monte de abobrinhas. E não tem nenhuma criatividade, a jabiraca. Copiou o mesmo discurso que nós usamos, só inverteu os personagens. E eu lá nas trevas, sem nenhum holofote. Não pude nem exibir minha echarpe de seda. - Nós vamos tomar providências para punir os responsáveis por essa afronta a rainha! Pode contar com isso, Poliana! – garante Faisão, o assessor de ilusionismo e marketing do reino, surpreendendo a todos pela valentia pouco usual em sua pessoa. – Vamos descobrir quem foi o responsável pelo tal protocolo e queimá-lo em praça pública. Não vamos deixar passar isso em brancas nuvens. É inadmissível que nossa rainha, soberana absoluta do reino, tenha sido excluída do palco e do microfone. - É isso aí! O responsável por esse esquecimento tem de ser punido. Poliana, com o rosto borrado pelas lágrimas, olha para Faisão e confusa questiona: - Do que vocês estão falando afinal de contas? - Do protocolo, rainha. Do fato de sua majestade não ter sido chamada para o palco, o microfone e as fotos. De ter se retirado ultrajada, mas altiva do recinto. - Pelo amor de Deus! Se tivessem me chamado para as luzes, aí sim é que eu ia morrer de vergonha! De onde vocês tiraram uma idéia estúpida dessas, seus molóides?! – grita Poliana, novamente histérica. - Mas, não foi isso que lhe afligiu minha adorada rainha? – pergunta Faisão, esquecendo a coragem e murchando o rabo frente a ira de Poliana. - Claro que não! Se eu tivesse que subir no palco, aí seria o fim pra minha imagem. Eu tive de me esconder de todos por causa dos sapatos! Dos sapatos seus inúteis! Ela, aquela bruxa metida a besta, estava com um sapato igualzinho ao meu! Idêntico! Sem tirar nem por! Um Chanel azul turquesa lindo de morrer que eu comprei numa liquidação e que pensei que ia dar um upgrade no meu visual básico de socialite socialista. Tanto dinheiro jogado fora. E nem foi pago com dinheiro público! Eu nunca fui tão infeliz! – lastima-se Poliana, atirando-se teatralmente nas almofadas do divã.

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