domingo, 29 de maio de 2011

O Surto de Coerência de Poliana


Sentada placidamente em seu trono, Poliana acompanha um tanto aérea a movimentação de sua corte. Para evitar uma nova crise de destempero da rainha, seus amigos decidiram colocar discretamente algumas gotas de calmante em seu chá matinal. Assim, Poliana, a caridosa, tranqüila e relaxada, tricotava calmamente um gracioso cachecol para a campanha do agasalho, enquanto seus bobos, alvoroçados discutiam:
- Alguma coisa precisa ser feita. Precisamos tomar providências. A coisa está se espraiando com uma velocidade assombrosa.
- É isso mesmo companheirada, o caso é crítico. Parece um vírus, se alastra rapidamente. Passa de uma pessoa pra outra de forma surpreendente.
- E é tudo muito peculiar. Provoca estranhos sintomas, comportamentos bizarros, torções do corpo, engasgos, contrações do abdome e ruídos esquisitos. Eu vi como acontece, é horripilante. A pessoa fica olhando na tela por alguns poucos segundos, franze a testa e leva a mão a boca. Depois esboça um pequeno sorriso que logo vira uma gargalhada, e mais outra e outra... Em pouco tempo já tem mais gente em volta querendo saber o que é e rapidamente todo mundo é contagiado.
- E como é que isso se transmite?
- Através dessa tal de informática. As pessoas infectadas pegam umas folhas contaminadas naquelas tais impressoras, e vão passando sorrateiramente de mão em mão. Eles tentam esconder, mas é impossível não ouvir o burburinho e os rizinhos pelos cantos. Outra forma de transmitir é pela maldita internet. Em segundos: vupt! Dezenas de pobres almas a mercê dessa desgraça.
- Mas isso é uma doença?
- Claro que não senhores – fala calmamente Poliana que até então escutara calada o diálogo de seus bobos. – Isso é feitiço! Obra daquela criatura grotesca e deformada que vive nas sombras a me assombrar: Bruxa Má, a invejosa.
- É claro! Só podia ser coisa daquele ser maquiavélico que joga palavras ácidas sobre nossa maravilhosa rainha. E agora anda espalhando seus feitiços através da internet, o que faremos?
- Vamos proibir a internet no reino, é claro! – conclui prontamente a sempre ponderada Poliana.
- Mas, alteza, proibir a internet nos dias atuais é um pouco polêmico. Até na magnífica democracia Cubana a internet já está liberada, como vamos explicar isso ao nosso povo. Oposição vai deitar e rolar.
- Liberaram a internet em Cuba?! – questiona espantadíssimo um membro ortodoxo do clã.
- Claro, o companheiro não sabia? Saiu em todos os sites.
- Sites?! Pelo amor de Che Guevara! Onde é que nós estamos! Essa tal de internet, assim como os meios de comunicação em massa são apenas instrumentos desenvolvidos pelo imperialismo Norte Americano para dominar e submeter as minorias excluídas aos interesses econômicos capitalistas! É claro que eu não tenho internet! Nem televisão!
- Você não assiste o BBB? – pergunta Poliana.
Tão exaltado encontrava-se o companheiro em sua genuína indignação que nem escutou as palavras da rainha. Ainda mais vermelho que o habitual, ajeitou sua surrada boina verde na cabeça e prossegui seu inflamado discurso:
- Se liberaram mesmo essa desgraça da internet no paraíso cubano, o que vai sobrar do nosso sonho socialista? É um passo pros imperialistas tentarem meter na cabeça do povo idéias tolas de democracia e liberdade de expressão. Vai ser o começo do fim! – brada, quase em desespero.
- É verdade companheiro. O mundo está mesmo virando de cabeça pra baixo. Perderam-se os valores de antigamente. – concorda, já um pouco comovido, outro membro do clã. – Mas devemos ter esperança no povo cubano que foi até agora tão feliz. Afinal, quem não é feliz num governo socialista? Nós, ao menos somos.
- E vejam só, em cinqüenta anos do mais bem sucedido socialismo, nunca houve nenhuma notícia ou escândalo de corrupção.
- Lógico, as rádios e jornais são do governo - interrompe, a já um pouco entediada Poliana. – Que maravilha seria se aqui fosse assim também!
Acostumados com os rompantes de sua rainha os empolgados debatedores sequer consideraram o atrevimento das colocações e continuaram em suas coerentes manifestações.
- Mas a preocupação do companheiro é legitima. Já estão até permitindo que as pessoas abram seus próprios comércios lá naquela maravilhosa ilha, ícone da democracia socialista.
- O quê!!! Comércio!!! Quer dizer que os cubanos estão comprando e vendendo?! Mas como é o governo permitiu um absurdo desses!
- Não sei, não sei... - responde o outro com a voz embargada - Obra do imperialismo, com certeza! Dessa vez não podemos dizer que é perseguição midiática, já que a mídia lá é bastante centrada e coerente. Completamente diferente do que acontece em nosso reino, onde são todos uns infames criadores de factóides.
- Centrada não, governada. E não é coerente, é coagida. – fala tranquilamente Poliana, entre uma laçada e outra de seu tricô.
Entre surpresos e assustados com comportamento e vocabulário pouco usual de sua alteza, seus asseclas prosseguiram:
- Na democracia cubana a imprensa trabalha a auto estima de seu povo. Jamais divulga notícias negativas.
- Na verdade eles divulgam sempre as mesmas coisas. Um enorme e cansativo discurso do Fidel e a mesma conversa fiada da grandiosa e mirabolante tomada do poder pelo povo na revolução socialista que a gente conta por aqui. A diferença é que o povo de lá sabe que onde ele está não é exatamente onde está o poder. O povo daqui a gente engana porque a ilha é bem longe e ainda não tinha internet. – discursa Poliana, impressionando a todos que tão bem a conheciam, por um raciocínio tão complexo.
- Acho melhor a gente ver com o companheiro Líquen, que remédio é esse que andam dando pra ela. Acho que exageraram na dose. – cochicha um de seus pajens para os demais companheiros.
- Também acho, ela está mesmo esquisita. Será que devemos chamar um médico? Vai ver também foi enfeitiçada.
Muito tempo se passou enquanto os bobos de Poliana, preocupados, ficaram a observar a rainha que tricotava freneticamente um cachecol seguido de outro. Nem lembravam mais da acirrada discussão anterior. Foi quando o ortodoxo companheiro da boina verde, único que continuava a matutar insanamente sobre o tema, se ergueu subitamente e com a face contorcida de puro desespero bradou a plenos pulmões:
- Vai ser o fim! O fim! Não vai mais haver o Paredon! Não vai mais ter Paredon!
- O queeeeê!!! – grita Poliana, quase histérica. Vão acabar com o BBB?!! Não pode ser! Eu não vou suportar isso!!! Façam alguma coisa seus molóides! Façam alguma coisa!
- Graças a Deus! Ela voltou ao normal! – abraçam-se eufóricos os inigualáveis bobos de Poliana.

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