E o tão anunciado e esperado fim
do mundo enfim chegara. As apocalípticas delações finalmente vieram a público. Por
mais que suspeitássemos de seu conteúdo, vê-las assim fora das sombras causavam
um estranho misto de apreensão e redenção. Os meandres do poder começavam a ficar
claros ao povo. Nefastos, putrefatos e indigestos meandres. Assim como as
cifras. Astronômicas cifras, capazes de deixar zonzos aos pobres e incautos que
ainda aturdidos assistiam aos trechos que lhe eram jogados impiedosamente nos
telejornais. Ainda mais assustadoras que as vultuosas somas descritas, era a calma
e a clareza quase enervante dos delatores ao relatarem episódios tão desprezíveis
de nossa história. A riqueza dos detalhes e a desgraçada crueza dos fatos
impedem a qualquer um desconfiar da veracidade da sordidez delatada. Em frente
à televisão, o povo sente um sufocante aperto na garganta e uma ânsia de gritar
que alguém pare o filme, não pode ser este o enredo. Mas, é. Sempre fora,
afirmam os narradores com a convicção dos que tudo sabem e já nada temem.
E havia nomes para todos os gostos,
siglas de todas as torcidas, ideologias de todos os odores. Ex-presidentes para
satisfazer toda era democrática. Existe apenas pecado no lado de baixo da linha
do Equador. E por outros continentes também, afinal nossa corrupção endêmica é
padrão exportação.
E na narrativa quase hipnótica
dos delatores, estes afirmam que caixa 2 é algo absolutamente corriqueiro. Como
ir ao banheiro. Não existe eleição sem
caixa 2, afirmam. Simples assim! Feito café com açúcar ou pão com margarina,
pensa o povão, remexendo-se desconfortável nas poltronas. Então todos aqueles milhões
e milhões... eram só pão com margarina, coisinha pouca afinal. É o que querem
que acreditemos. Como parece fácil aceitar que Ministros da Fazenda (Ministros
de Estado!), como se office boys fossem, movimentassem milhões de dinheiro
sujo, dinheiro não declarado, com a desculpa de financiar campanhas, como se
fosse pouca coisa. Não é! Isso é crime! E ao ouvi-los discorrer sobre o assunto
parecem falar sobre compras em shoppings centers, pagas com dinheiro deles, e
não sobre dinheiro nosso financiando interesses deles. Coisas de tal forma
surreais que provavelmente são incompreendidas por boa parte de nosso povo,
incapaz de conceber tamanha desfaçatez.
Nos vídeos divulgados ao mundo há
espaço para tudo. Seriedade, solenidade, arrependimento, descontração,
descaramento. Até lição de moral do velho poderoso chefão dos empreiteiros
corruptos querendo posar de pobre vítima do sistema. Páginas de nossa história que levaremos meses
para saborear e desvendar totalmente. As amizades insólitas que construíram um
mito de pés de barro que um dia jogaria o país na lama, com certeza prometem
ser um volumoso capítulo desse circo de horrores. Aguardemos.
Que essa hecatombe que se abateu
sobre nós sirva para separar o joio do trigo. Se não restar trigo, é hora da
semeadura.
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