sábado, 8 de abril de 2017

Cem dias, fim de trégua

Passados cem dias, a lua de mel acabara. A tradicional trégua concedida aos novos gestores da coisa pública chegou ao fim. É hora de mostrar a nova cara prometida em Horário Eleitoral. Se não o retrato completo, um rascunho convincente ao menos. É o que esperam os súditos.

E no pacato e hospitaleiro reino de Campo Pequeno as coisas não seriam diferentes, bem sabe Chucrute, o novo monarca, já sentindo o peso da tão almejada coroa. Fora escolhido para ser o furacão da mudança, pois hoje sentia-se como uma singela baforada, ligeiramente cálida. E seria cobrado por isso, estava ciente. É chegada a hora de dar a cara a tapa e de mostrar que espécie de monarca será. São conhecidas de todos as dificuldades financeiras das contas públicas. Dificuldades essas que já eram esperadas por Chucrute durante a disputa ao trono. Portanto, o novo rei não pode dizer que não sabia. Como não poder justificar a demora no cumprimento das promessas por conta da burocracia da coisa pública, pois já fora rei e conhece a fundo o engessamento da paquidérmica máquina. Se vida de rei é difícil, a de quem volta ao trono é ainda pior, estava aprendendo o ariano, a essas alturas bem mais circunspecto que o habitual.

Sentado no amplo salão real, Chucrute parecia um tanto solitário no entardecer desses cem dias. O castelo não era o mesmo de seu reinado anterior, refletia. As infiltrações e a decadência eram evidentes. Precisava evitar que essa decadência se infiltrasse em seu reinado, pensa, um tanto aflito. O trono também não lhe parecia tão confortável como fora em outros tempos. Sinal de envelhecimento de seus glúteos, com certeza. Deveria ter escutado sua esposa e se dedicado um pouco a prática do Pilates nesses 16 anos, constata massageando as nádegas doloridas. Algumas coisas não mudaram com o tempo, constata. Poder e vaidades eram algumas delas. A disputa por poder e a fogueira de vaidades na política continuam idênticas. Que desgraça! Conhecido pela memória espetacular, capaz de lembrar até a quinta geração de todos os seus súditos, nosso prodigioso monarca não poderá sequer alegar não se recordar dos asquerosos meandres do poder.

 Olhando seu amado reino através das janelas do castelo, Chucrute suspira desanimado. – Talvez fosse uma boa ideia colocar a redoma de vidro fumê de Poliana novamente por aqui. Só por uns dias, é claro! A realidade é tão deprimente. – titubeia um suspiroso Chucrute, o prometido tornado da mudança, já ansiando por um pouco de ilusão de ótica, eterno ópio dos reis desse adorável lugar.

 E se o reinado é de mudança - embora curiosamente algumas moscas permaneçam as mesmas - no reino dos Botas Amarelas as mentalidades continuam tacanhas. No que concerne o bom uso do dinheiro público todos são unânimes em erguer a bandeira da moralidade. Moralidade essa que se esvai rapidamente quando o dinheiro público deixa de regar os interesses desses mesmos grupos de baluartes da moral de cuecas rotas. O ar de profundo ultraje e mágoa – com direito a narizinhos empinados e tudo – pelo corte de recursos do contribuinte para canarinhos e galos, merecia premiação com o troféu “Gente Estúpida”. O mesmo vale para os adoradores de corridas de automóveis, que se debulham em lágrimas nas redes sociais pela falta de aporte financeiro ao evento. Seria um chororô divertido se não fosse ridículo e absurdo que pessoas não tenham a menor noção de que dinheiro público não é para financiar clubes de futebol ou competição de rally. Como não é, absolutamente, para reformar salões comunitários ou instalações religiosas de quaisquer credos. Clubes de futebol que não contam com torcida suficiente para se manterem em pé, que fechem as portas. Comunidades religiosas que não conseguem se organizar com o auxílio de seus fiéis, que rezem ao ar livre sob as bênçãos de Deus. Dinheiro público, dos contribuintes, não pode socorrer as cadeiras e arquibancadas vazias de eventos, igrejas, salões, ginásios ou estádios. Dinheiro público é para socorrer os doentes amontoados em cadeiras e macas nas emergências superlotadas de hospitais. Quem  não consegue entender isso é estúpido ou de caráter deturpado. Aqueles que convenientemente esquecem a bandeira da ética na hora de defender a “doação” de dinheiro público para seus clubes, congregações e agremiações de qualquer natureza, que tenham ao menos a decência de pendurarem suas cuecas rotas em mastros e exibi-las em praça pública com os dizeres: Moralidade para os outros, dinheiro público para os meus!

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