E no pacato e hospitaleiro reino
de Campo Pequeno as coisas não seriam diferentes, bem sabe Chucrute, o novo
monarca, já sentindo o peso da tão almejada coroa. Fora escolhido para ser o
furacão da mudança, pois hoje sentia-se como uma singela baforada, ligeiramente
cálida. E seria cobrado por isso, estava ciente. É chegada a hora de dar a cara a tapa
e de mostrar que espécie de monarca será. São conhecidas de todos as
dificuldades financeiras das contas públicas. Dificuldades essas que já eram
esperadas por Chucrute durante a disputa ao trono. Portanto, o novo rei não
pode dizer que não sabia. Como não poder justificar a demora no cumprimento das
promessas por conta da burocracia da coisa pública, pois já fora rei e conhece
a fundo o engessamento da paquidérmica máquina. Se vida de rei é difícil, a de
quem volta ao trono é ainda pior, estava aprendendo o ariano, a essas alturas
bem mais circunspecto que o habitual.
Sentado no amplo salão real, Chucrute
parecia um tanto solitário no entardecer desses cem dias. O castelo não era o
mesmo de seu reinado anterior, refletia. As infiltrações e a decadência eram
evidentes. Precisava evitar que essa decadência se infiltrasse em seu reinado,
pensa, um tanto aflito. O trono também não lhe parecia tão confortável como fora
em outros tempos. Sinal de envelhecimento de seus glúteos, com certeza. Deveria
ter escutado sua esposa e se dedicado um pouco a prática do Pilates nesses 16 anos, constata
massageando as nádegas doloridas. Algumas coisas não mudaram com o tempo,
constata. Poder e vaidades eram algumas delas. A disputa por poder e a fogueira
de vaidades na política continuam idênticas. Que desgraça! Conhecido pela
memória espetacular, capaz de lembrar até a quinta geração de todos os seus
súditos, nosso prodigioso monarca não poderá sequer alegar não se recordar dos
asquerosos meandres do poder.
Olhando seu amado reino através das janelas do castelo,
Chucrute suspira desanimado. – Talvez fosse uma boa ideia colocar a redoma de
vidro fumê de Poliana novamente por aqui. Só por uns dias, é claro! A realidade
é tão deprimente. – titubeia um suspiroso Chucrute, o prometido tornado da
mudança, já ansiando por um pouco de ilusão de ótica, eterno ópio dos reis desse adorável lugar.
E se o reinado é de mudança - embora curiosamente
algumas moscas permaneçam as mesmas - no reino dos Botas Amarelas as
mentalidades continuam tacanhas. No que concerne o bom uso do dinheiro público
todos são unânimes em erguer a bandeira da moralidade. Moralidade essa que se
esvai rapidamente quando o dinheiro público deixa de regar os interesses desses
mesmos grupos de baluartes da moral de cuecas rotas. O ar de profundo ultraje e
mágoa – com direito a narizinhos empinados e tudo – pelo corte de recursos do
contribuinte para canarinhos e galos, merecia premiação com o troféu “Gente
Estúpida”. O mesmo vale para os adoradores de corridas de automóveis, que se
debulham em lágrimas nas redes sociais pela falta de aporte financeiro ao
evento. Seria um chororô divertido se não fosse ridículo e absurdo que pessoas
não tenham a menor noção de que dinheiro público não é para financiar clubes de
futebol ou competição de rally. Como não é, absolutamente, para reformar salões
comunitários ou instalações religiosas de quaisquer credos. Clubes de futebol
que não contam com torcida suficiente para se manterem em pé, que fechem as
portas. Comunidades religiosas que não conseguem se organizar com o auxílio de
seus fiéis, que rezem ao ar livre sob as bênçãos de Deus. Dinheiro público, dos
contribuintes, não pode socorrer as cadeiras e arquibancadas vazias de eventos,
igrejas, salões, ginásios ou estádios. Dinheiro público é para socorrer os
doentes amontoados em cadeiras e macas nas emergências superlotadas de
hospitais. Quem não consegue entender isso é estúpido ou de caráter deturpado. Aqueles que convenientemente esquecem a bandeira da ética na hora de defender a “doação”
de dinheiro público para seus clubes, congregações e agremiações de qualquer
natureza, que tenham ao menos a decência de pendurarem suas cuecas rotas em
mastros e exibi-las em praça pública com os dizeres: Moralidade para os outros,
dinheiro público para os meus!
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