E nossa sempre astuta e ardilosa
rainha, Poliana, conseguira emplacar mais um gol de mão nos minutos finais de
seu reinado. Oposição até esperneara, pedira falta e acusara impedimento, mas
de nada adiantou. Poliana era a dona da bola, do campo, e deitava e rolava nas
peladinhas noturnas da Câmara de Vendilhões.
E em nome do bom e velho interesse público, a
despretensiosa corte de sua alteza estava desobrigada a cumprir as velhas e
rançosas leis desse singelo e caloroso reino. Os argumentos da tropa de choque
da rainha eram, como sempre, dignos de louvor e de soluços de emoção frente a
tanto empenho e preocupação com o futuro do reino. A preocupação com o futuro,
ao que parece, só chega aos quarenta e cinco do segundo tempo. Quisera – pensa
o povo – que mandatários e vendilhões pudessem pensar no futuro logo após o
apito inicial da partida. Singelos sonhos dessa plebe rude.
Pois, decorrida mais de meia
década da aquisição da terra para o prometido novo distrito das indústrias,
Poliana e sua corte descobriram, em regime de urgência urgentíssima, que a tal
área precisa ser regulamentada imediatamente. Nenhuma espera é tolerável,
afinal, seria prova cabal de insensibilidade com a crise de empregos que assola
todo Gigante Adormecido, exigir-se o cumprimento das leis. As leis, advogam os
vendilhões da rainha, são como argila. Feitas para serem moldadas aos
interesses daqueles que têm as maiores e mais hábeis mãos. E, assim se fez.
Estava aprovada uma nova área para a implantação de industrias! Méritos de
nossa alteza, sem nenhuma sombra de dúvida. Imensa e verdejante área. Verdadeiro
esplendor, onde, em se plantando tudo dará. Mas, tratando-se de empresas, em se
instalando, tudo faltará. Faltará água encanada, luz elétrica, esgotamento
sanitário, acesso e calçamento. Tudo muito pouco atrativo para conquistar
empreendedores. A menos, é claro, que os empresários e os novíssimos terrenos
precariamente ofertados já estejam vantajosa e previamente marcados.
Maledicências de gente de pouco berço e muito facebook, certamente. Nossa
magnânima monarca, todos sabem, só tem olhos para o futuro. O seu futuro e de
seus amigos, é claro.
Mas, apesar de suas inúmeras e
prodigiosas vitórias, Poliana levaria consigo algumas - poucas é verdade - mas indigestas
derrotas. Deixaria o trono com um imenso bode entalado na delicada goela real.
O reinado de Poliana se consagrara como o período do bode. Nossa estrategista
rainha tivera por anos o bode como seu mais fiel aliado e parceiro. Maior até
que algumas antas e asnos que compunham sua corte de bobos e assessores. Colocar o
bode na sala fora seu mais rentável trunfo nesses anos. Quando resolvera, em um
arroubo tresloucado de tensão pré-menstrual, fechar as tradicionais rótulas do
reino, enlouquecendo os motoristas por anos, ele estava lá: o seu bode. Causando
irritação e críticas. E quando Poliana resolvera tirar o bicho da avenida
central e liberar as rótulas, todos se curvaram a tão acertada decisão de sua
alteza. Votos para Poliana! E, quando por quase todo seu reinado, fizera os
motoristas sacolejarem nas incontáveis e imensuráveis crateras no asfalto,
também estava a postos, o bom e velho bode real, sempre pronto a sair de cena
quando a disputa em Horário Eleitoral tivesse início. Mais pontos para nossa
criativa monarca. Mas, em se tratando de estacionamento rotativo, verdade seja
dita: o bode arrastara Poliana pelas orelhas. Nossa rainha fizera de tudo, e
conseguira, acabar com o velho sistema antigamente implantado. Era um velho
modelito, como velhos e ultrapassados são todos os que antecederam nossa jovem e
destemida rainha. Um novo e moderno sistema seria implantado. E assim foi. Uma
lástima para o povo e para Poliana que a novíssima e moderna forma de
estacionamento tenha dado com os burros nos parquímetros não funcionantes. Era
tarde demais para tentar remover o bode, constata a rainha, desolada. Poliana
precisaria levar o bode consigo, e acomodá-lo confortavelmente em sua sala. –
Maldito bode! – indigna-se a monarca, acostumada a jogar o fedorento animal no
colo do povo, mas pouco disposta a lidar com seus próprios fétidos e pré-fabricados
problemas. Durma agarradinha em seu bode, Poliana. É o que lhe deseja o povo
que optou por mudar.
Espera, esse esperançoso e pacato
povo, que não tenha trocado bode por cabra.
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