sábado, 12 de novembro de 2016

Poliana, levando o bode para casa

E nossa sempre astuta e ardilosa rainha, Poliana, conseguira emplacar mais um gol de mão nos minutos finais de seu reinado. Oposição até esperneara, pedira falta e acusara impedimento, mas de nada adiantou. Poliana era a dona da bola, do campo, e deitava e rolava nas peladinhas noturnas da Câmara de Vendilhões.

 E em nome do bom e velho interesse público, a despretensiosa corte de sua alteza estava desobrigada a cumprir as velhas e rançosas leis desse singelo e caloroso reino. Os argumentos da tropa de choque da rainha eram, como sempre, dignos de louvor e de soluços de emoção frente a tanto empenho e preocupação com o futuro do reino. A preocupação com o futuro, ao que parece, só chega aos quarenta e cinco do segundo tempo. Quisera – pensa o povo – que mandatários e vendilhões pudessem pensar no futuro logo após o apito inicial da partida. Singelos sonhos dessa plebe rude.

Pois, decorrida mais de meia década da aquisição da terra para o prometido novo distrito das indústrias, Poliana e sua corte descobriram, em regime de urgência urgentíssima, que a tal área precisa ser regulamentada imediatamente. Nenhuma espera é tolerável, afinal, seria prova cabal de insensibilidade com a crise de empregos que assola todo Gigante Adormecido, exigir-se o cumprimento das leis. As leis, advogam os vendilhões da rainha, são como argila. Feitas para serem moldadas aos interesses daqueles que têm as maiores e mais hábeis mãos. E, assim se fez. Estava aprovada uma nova área para a implantação de industrias! Méritos de nossa alteza, sem nenhuma sombra de dúvida. Imensa e verdejante área. Verdadeiro esplendor, onde, em se plantando tudo dará. Mas, tratando-se de empresas, em se instalando, tudo faltará. Faltará água encanada, luz elétrica, esgotamento sanitário, acesso e calçamento. Tudo muito pouco atrativo para conquistar empreendedores. A menos, é claro, que os empresários e os novíssimos terrenos precariamente ofertados já estejam vantajosa e previamente marcados. Maledicências de gente de pouco berço e muito facebook, certamente. Nossa magnânima monarca, todos sabem, só tem olhos para o futuro. O seu futuro e de seus amigos, é claro.

Mas, apesar de suas inúmeras e prodigiosas vitórias, Poliana levaria consigo algumas - poucas é verdade - mas indigestas derrotas. Deixaria o trono com um imenso bode entalado na delicada goela real. O reinado de Poliana se consagrara como o período do bode. Nossa estrategista rainha tivera por anos o bode como seu mais fiel aliado e parceiro. Maior até que algumas antas e asnos que compunham sua corte de bobos e assessores. Colocar o bode na sala fora seu mais rentável trunfo nesses anos. Quando resolvera, em um arroubo tresloucado de tensão pré-menstrual, fechar as tradicionais rótulas do reino, enlouquecendo os motoristas por anos, ele estava lá: o seu bode. Causando irritação e críticas. E quando Poliana resolvera tirar o bicho da avenida central e liberar as rótulas, todos se curvaram a tão acertada decisão de sua alteza. Votos para Poliana! E, quando por quase todo seu reinado, fizera os motoristas sacolejarem nas incontáveis e imensuráveis crateras no asfalto, também estava a postos, o bom e velho bode real, sempre pronto a sair de cena quando a disputa em Horário Eleitoral tivesse início. Mais pontos para nossa criativa monarca. Mas, em se tratando de estacionamento rotativo, verdade seja dita: o bode arrastara Poliana pelas orelhas. Nossa rainha fizera de tudo, e conseguira, acabar com o velho sistema antigamente implantado. Era um velho modelito, como velhos e ultrapassados são todos os que antecederam nossa jovem e destemida rainha. Um novo e moderno sistema seria implantado. E assim foi. Uma lástima para o povo e para Poliana que a novíssima e moderna forma de estacionamento tenha dado com os burros nos parquímetros não funcionantes. Era tarde demais para tentar remover o bode, constata a rainha, desolada. Poliana precisaria levar o bode consigo, e acomodá-lo confortavelmente em sua sala. – Maldito bode! – indigna-se a monarca, acostumada a jogar o fedorento animal no colo do povo, mas pouco disposta a lidar com seus próprios fétidos e pré-fabricados problemas. Durma agarradinha em seu bode, Poliana. É o que lhe deseja o povo que optou por mudar.

Espera, esse esperançoso e pacato povo, que não tenha trocado bode por cabra.

 

 

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