Em Gigante
Adormecido, a última semana se parecia com os derradeiros capítulos de novelas
mexicanas: uma emoção após a outra. Suspense a cada final de noite. E haja
coração! Milhões de pessoas vestiram-se de verde e amarelo e foram às ruas
pedir a saída da Rainha Mãe e a prisão de seu antecessor, o Ilusionista.
Justiça era louvada em versos, cantos e gritos de apoio e reconhecimento. Do
lado de lá, na linha vermelha, apenas postagens em redes sociais desmerecendo
as manifestações, ofendendo Justiça e idolatrando estrelas decadentes. Tudo em
seu lugar, portanto.
Dois dias
depois, enquanto o time verde-amarelo se regozijava com a maior manifestação pública
da história desse reino, o reinado da estrela vermelha dá sua cartada de
mestre. O Ilusionista, rei dos reis, assumiria um carguinho no reino da Rainha
Mãe e, com isso, adiaria seu inevitável e eminente acerto com Justiça. Os
socialistas se vestem, nas redes sociais, de rubra alegria e júbilo. Os
oposicionistas, trajam-se de luto e descrédito. Gigante Adormecido voltaria a
hibernar, pensavam os canarinhos, desanimados. O Ilusionista seria novamente o
rei, acreditavam os fiéis seguidores da estrela. A Rainha Mãe seria deposta
afinal, para curiosa felicidade do exército vermelho, em um golpe perfeito.
Mas, Justiça
provaria que mesmo cega, surda e muda, não era burra, e podia ser matreira. E,
no entardecer de um dia que seria histórico, diálogos infames viriam a público.
Era a relação promíscua entre o poder e a patifaria vindo à tona. Conversas que
escandalizavam, menos pelo baixo nível das orações, muito mais pelo subnível das
intenções. Até mesmos os mais céticos e desacreditados na política, nos
políticos e no governo, foram surpreendidos por um profundo sentimento de
revolta e desprezo. Não era mais suposição. Estava ali, explicitado, na rouquidão
da voz, todo escárnio dos poderosos com seu povo e as instituições legítimas.
E Gigante
Adormecido novamente acordou. Espontânea e indignadamente se ergueu, e tomou as
ruas mais uma vez, em uma noite onde estrelas só eram vistas no céu. O chão, esse
chão, era de um povo que não aceitava mais conchavos e achaques. Era de uma
gente que, em coro, gritava: basta! E fora a mais longa noite da história desse
povo e seus governantes.
Mas essas, com
certeza, são as certezas de quem vê o momento, e a história, do lado de cá. Do
lado de lá, as verdades são, e sempre serão, outras. E a história destes
outros, cabe a eles contar. A história de Gigante Adormecido está sendo escrita
por nós e por eles, não por nós, em guerra, contra eles, ou o contrário -
antigo desejo acalentado por alguns. Mas já é história, afinal. Escrita por
todos nós. Desconhecemos o final, mas protagonizamos o enredo. A isso se chama
democracia.
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