sábado, 13 de fevereiro de 2016

Enterro dos ossos

O dia era para ser de festa, mas foi só uma quarta-feira de cinzas como tantas. O aniversário do grande clã estrelado foi o mais cinzento de sua história. Talvez o primeiro de muitos. Nada de festa, bandeiras, comemoração e discursos acalorados e raivosos. Apenas acanhadas postagens em redes sociais. O grande guru da companheirada aparecia, apagado e abatido, parabenizando os seus. Uma réstia deprimente do líder carismático que fora. Sem uma estrela no peito ou uma pincelada de vermelho para trazer um pouco de cor e calor ao vídeo. Nenhuma emoção. Nem amor, nem raiva. Até mesmo as tradicionais acusações conspiratórias e de vitimização saíam quase suspiradas, como se os últimos respiros fossem. Cinzas de promessas e ideologias de uma agremiação que se desintegrava dia após dia.

Sua sempre fiel militância já dava mostras de sentir-se traída. Por uma década toleraram os escândalos de corrupção que atingiam o grande clã. Os fins justificavam seus erros. E os fins eram revestidos de poesia e romance: justiça social e amor ao povo. Por anos bradavam, estimulados por seu líder maior, contra a elite mesquinha que odiava pobres e trabalhadores. Que por desprezar minorias difamavam e perseguiam aquelas almas abnegadas que lutavam pelos desfavorecidos (os descamisados de tempos mais colloridos). Quando se rouba por uma justa causa, o roubo se veste de honra. Quem usufrui de riquezas onde o povo carece de saneamento, saúde e dignidade, é a elite asquerosa. A elite fatura milhões, indiferente às mazelas de seu povo, assim acreditam os doutrinados da seita vermelha.

Enquanto o messias da companheirada recebia milhões para proferir palestras e seus prodigiosos filhos tornaram-se milionários em espetacular ascensão, a militância estrelada gritava contra as elites. Feito soldadinhos, marchavam no ritmo de suas contradições. Como marionetes, não se davam ao luxo de usar o cérebro e a razão. A militância questionadora de tempos longínquos tornara-se, a exemplo de seu clã, uma massa amorfa e putrefata de mentiras e falsidades. E não se envergonhavam, pois lhes restava “a causa”. Só que “a causa”, descobriam aos poucos, a conta-gotas, há muito fora vendida. Ou emprestada, em troca de sítios e apartamentos de veraneio, pequenos luxos dignos da elite. Até os militongos começavam a enxergar que os fins já não eram os mesmos que romanticamente acreditavam ser. Já os meios, ah os meios, eram bons meios para enriquecer os espertos.

E a companheirada ainda irá às ruas defender seu grande líder. Usarão os velhos e bolorentos chavões. Negarão os fatos e as contradições, como de hábito. Como náufragos, agonizantes, se agarrarão em todo e qualquer estilhaço flutuante de uma ideologia carcomida por mentiras. Ainda sonhavam com os fins. E o fim está cada vez mais próximo. Somente cinzas restarão. E o lúgubre enterro dos ossos.

 

 

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