No apagar das
luzes de 2015, tapumes foram colocados em hospitais públicos do Rio de Janeiro
para impedir o acesso de pacientes. Transtornos e infortúnios
causados por obras de melhorias no local? Não. Os tapumes estavam lá para
impedir que doentes adentrassem nas emergências superlotadas, onde faltavam remédios, gaze, esparadrapos, ataduras e roupas de cama. Ou seja,
faltava dignidade e outras perfumarias. Problemas de gestão municipal ou
estadual da cidade olímpica e do estado do Rio de Janeiro? Infelizmente, para
todos nós brasileiros, não. O caos na saúde é generalizado. Em todo o país, de
todas as administrações e matizes ideológicas, o que se vê são hospitais
fechando as portas, reduzindo leitos, cortando serviços. Unidades de Pronto
Atendimento (UPAS), que há pouco mais de um ano eram louvadas em proza, verso e
conversa fiada nas propagandas eleitorais, hoje, concluídas, não abrem as portas
por faltas de verbas. Enquanto isso, o verbo a ser conjugado no SUS é o verbo
aguardar. Pacientes aguardam pacientemente, por consultas especializadas e
cirurgias. Doentes, em emergências de grandes hospitais, aguardam em cadeiras,
uma maca onde poderão deitar para, então, aguardar mais um tempo por uma vaga
de internação. Recém nascidos, graves, aguardam um leito de UTI. Médicos aguardam
uma ordem judicial que lhes garantam a transferência de um paciente para um
hospital com maiores condições. Mães, ansiosas, aguardam a medida do perímetro
cefálico de seus recém nascidos. Essa é a saúde desse nosso Brasil.
Esse retrato
da saúde não é de agora. É um filme que vem de anos. Mas, é inegável e visível
que a situação está se deteriorando a passos rápidos nos últimos tempos. Faltam
recursos para a saúde? Com certeza faltam. Faltam na saúde os mesmos recursos
que abundam em petrodutos e todos os outros infindáveis desvios que nossa
imaginação não é capaz de computar pela singela incapacidade de imaginar tantos
zeros antes da vírgula. Mas a temerária
situação da saúde não é apenas por falta de dinheiro e corrupção, há má gestão,
incompetência e uma ideologização mesquinha e nefasta. O zika vírus é uma cabal
prova disso. Enquanto por meses, casos e mais casos de microcefalia, uma
manifestação rara e que é compulsoriamente notificada por todo profissional
médico ao Ministério da Saúde, pipocavam e se espalhavam pelo país, somente no
final de novembro o Ministério da Saúde resolveu, por bem, alertar a nós
médicos sobre a ocorrência alarmante de microcefalia e sua provável associação
com o vírus zika. O documento oficial do governo chegou aos profissionais de
saúde semanas depois de vários veículos de comunicação já terem noticiado o
assunto, estabelecido inclusive a associação entre o zika e a microcefalia e
divulgado até o número de casos no país. Nós, profissionais médicos, que
atuamos na linha de frente da saúde e que necessitamos de dados epidemiológicos
para auxiliar nossas suspeitas diagnósticas. Nós, que levantamos hipóteses,
cogitamos causas e sugerimos nexos. Nós, que poderíamos e deveríamos auxiliar
os órgãos governamentais a levantar dados e aprofundar as investigações dessa
epidemia, fomos informados desse gravíssimo surto de dimensões até então
incalculáveis, através de jornais, revistas, rádios, televisão e redes sociais,
antes que alguém no Ministério da Saúde resolvesse achar conveniente nos
colocar a par da grave situação. Nós, médicos, somos, no entendimento do
Ministério da Saúde, descartáveis, feito luvas e seringas.
Os médicos são
sabedores do que o ranço ideológico do partido que há anos detém o poder no
Brasil é capaz de fazer na tentativa de aniquilar uma categoria profissional a
qual desprezam. Nós suportamos os golpes, por mais asquerosos e sujos que
tenham sido, e suportaremos quantos golpes ainda virão. Sobreviveremos a eles,
não importa por quanto tempo. Temos profissão, não temos partido. Isso faz toda
diferença. Mas, o que eu gostaria de perguntar aos ideólogos de porta da
Papuda, é: e toda aquela louvável e comovente preocupação de palanque com o
povo? Ficou onde? Na cela do Dirceu, no bolso do Vaccari ou na lancha do
Lulinha?
O poder pelo
poder, a incompetência, a corrupção e uma ideologia alienante (sempre pronta a
qualquer cretino e estúpido tapa na nossa cara de coxinhas burgueses) tornou-se
terreno fértil para que tenhamos centenas, provavelmente milhares de crianças
com sequelas por toda vida. Seres humanos privados de uma vida plena. Fadados a
peregrinarem pelos poucos e desassistidos serviços especializados de
reabilitação e estimulação que o SUS dispõe. Para cada milhão desviado ou
acobertado pelos seus pares, são milhares de desesperados a agonizarem e a se
amontoarem nas filas de emergências superlotadas do SUS, onde falta tudo, inclusive
dignidade. Milhares de pessoas, que nos palanques e discursos vocês, acaloradamente,
chamam de povo. É esse o preço da tal grandiosa e salvadora ideologia, que
acoberta conluios, enaltece corruptos, incentiva conchavos, enriquece os amigos
e faz padecer os mais pobres. Afoguem-se em sua ideologia senhores. Caso ela
não seja suficientemente sólida para vocês, afoguem-se em propinas e dinheiro
mal havido. O resultado, ao final, será o mesmo. O povo, aquele povo dos seus
dissimulados discursos de palanque, sente na carne, todo dia, o que é agonia.
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