quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

FALA SÉRIO! Hipócritas ideologias


No apagar das luzes de 2015, tapumes foram colocados em hospitais públicos do Rio de Janeiro para impedir o acesso de pacientes. Transtornos e infortúnios causados por obras de melhorias no local? Não. Os tapumes estavam lá para impedir que doentes adentrassem nas emergências superlotadas, onde faltavam remédios, gaze, esparadrapos, ataduras e roupas de cama. Ou seja, faltava dignidade e outras perfumarias. Problemas de gestão municipal ou estadual da cidade olímpica e do estado do Rio de Janeiro? Infelizmente, para todos nós brasileiros, não. O caos na saúde é generalizado. Em todo o país, de todas as administrações e matizes ideológicas, o que se vê são hospitais fechando as portas, reduzindo leitos, cortando serviços. Unidades de Pronto Atendimento (UPAS), que há pouco mais de um ano eram louvadas em proza, verso e conversa fiada nas propagandas eleitorais, hoje, concluídas, não abrem as portas por faltas de verbas. Enquanto isso, o verbo a ser conjugado no SUS é o verbo aguardar. Pacientes aguardam pacientemente, por consultas especializadas e cirurgias. Doentes, em emergências de grandes hospitais, aguardam em cadeiras, uma maca onde poderão deitar para, então, aguardar mais um tempo por uma vaga de internação. Recém nascidos, graves, aguardam um leito de UTI. Médicos aguardam uma ordem judicial que lhes garantam a transferência de um paciente para um hospital com maiores condições. Mães, ansiosas, aguardam a medida do perímetro cefálico de seus recém nascidos. Essa é a saúde desse nosso Brasil.
               Esse retrato da saúde não é de agora. É um filme que vem de anos. Mas, é inegável e visível que a situação está se deteriorando a passos rápidos nos últimos tempos. Faltam recursos para a saúde? Com certeza faltam. Faltam na saúde os mesmos recursos que abundam em petrodutos e todos os outros infindáveis desvios que nossa imaginação não é capaz de computar pela singela incapacidade de imaginar tantos zeros antes da vírgula.  Mas a temerária situação da saúde não é apenas por falta de dinheiro e corrupção, há má gestão, incompetência e uma ideologização mesquinha e nefasta. O zika vírus é uma cabal prova disso. Enquanto por meses, casos e mais casos de microcefalia, uma manifestação rara e que é compulsoriamente notificada por todo profissional médico ao Ministério da Saúde, pipocavam e se espalhavam pelo país, somente no final de novembro o Ministério da Saúde resolveu, por bem, alertar a nós médicos sobre a ocorrência alarmante de microcefalia e sua provável associação com o vírus zika. O documento oficial do governo chegou aos profissionais de saúde semanas depois de vários veículos de comunicação já terem noticiado o assunto, estabelecido inclusive a associação entre o zika e a microcefalia e divulgado até o número de casos no país. Nós, profissionais médicos, que atuamos na linha de frente da saúde e que necessitamos de dados epidemiológicos para auxiliar nossas suspeitas diagnósticas. Nós, que levantamos hipóteses, cogitamos causas e sugerimos nexos. Nós, que poderíamos e deveríamos auxiliar os órgãos governamentais a levantar dados e aprofundar as investigações dessa epidemia, fomos informados desse gravíssimo surto de dimensões até então incalculáveis, através de jornais, revistas, rádios, televisão e redes sociais, antes que alguém no Ministério da Saúde resolvesse achar conveniente nos colocar a par da grave situação. Nós, médicos, somos, no entendimento do Ministério da Saúde, descartáveis, feito luvas e seringas.
               Os médicos são sabedores do que o ranço ideológico do partido que há anos detém o poder no Brasil é capaz de fazer na tentativa de aniquilar uma categoria profissional a qual desprezam. Nós suportamos os golpes, por mais asquerosos e sujos que tenham sido, e suportaremos quantos golpes ainda virão. Sobreviveremos a eles, não importa por quanto tempo. Temos profissão, não temos partido. Isso faz toda diferença. Mas, o que eu gostaria de perguntar aos ideólogos de porta da Papuda, é: e toda aquela louvável e comovente preocupação de palanque com o povo? Ficou onde? Na cela do Dirceu, no bolso do Vaccari ou na lancha do Lulinha?
               O poder pelo poder, a incompetência, a corrupção e uma ideologia alienante (sempre pronta a qualquer cretino e estúpido tapa na nossa cara de coxinhas burgueses) tornou-se terreno fértil para que tenhamos centenas, provavelmente milhares de crianças com sequelas por toda vida. Seres humanos privados de uma vida plena. Fadados a peregrinarem pelos poucos e desassistidos serviços especializados de reabilitação e estimulação que o SUS dispõe. Para cada milhão desviado ou acobertado pelos seus pares, são milhares de desesperados a agonizarem e a se amontoarem nas filas de emergências superlotadas do SUS, onde falta tudo, inclusive dignidade. Milhares de pessoas, que nos palanques e discursos vocês, acaloradamente, chamam de povo. É esse o preço da tal grandiosa e salvadora ideologia, que acoberta conluios, enaltece corruptos, incentiva conchavos, enriquece os amigos e faz padecer os mais pobres. Afoguem-se em sua ideologia senhores. Caso ela não seja suficientemente sólida para vocês, afoguem-se em propinas e dinheiro mal havido. O resultado, ao final, será o mesmo. O povo, aquele povo dos seus dissimulados discursos de palanque, sente na carne, todo dia, o que é agonia.

 

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