Em Gigante
Adormecido os imóveis roubavam a cena. Sítio e apartamento na praia, que ao que
parece não pertencem a ninguém, faziam a festa de Imprensa Livre. Tudo parte de
uma complexa e habilidosa estratégia midiático-judicial para denegrir a imagem
de um mito: o Ilusionista. O inventor da retidão e detentor do monopólio das
virtudes. Não há vivalma mais honesta que o messias da companheirada. Tão pouco
mais egocêntrica e megalomaníaca.
Seu único
pecado era cultivar sólidas amizades. Amigos abnegados o cercavam feito moscas
no lixo. Sabedores que eram todos de que suas inquestionáveis convicções
socialistas o impediam de adquirir patrimônio, o presenteavam com pequenos mimos
capitalistas. Uma coberturinha aqui, um sitiozinho acolá. Um elevador para
poupar suas juntas judiadas pelo trabalho de uma vida. Diminutos e amistosos
agrados desprovidos que intenções ocultas. Oculto, mesmo, só o nome do
proprietário. Fatos corriqueiros no cotidiano do povo pagador de imposto, é
claro. Quem no mundo não tem um amigo de fé sempre pronto a bancar a reforma de
seu puxadinho ou os móveis da cozinha? Nada que devesse causar alarde na grande
mídia golpista. Ah, que saudades dos tempos onde a imprensa era ética e um Fiat
Elba merecia manchetes e derrubava corruptos.
Um disparate
ousar atacar a imaculada história do Pai dos Pobres. Dos pobres e das
empreiteiras. Ele só tinha um defeito, isso até seus seguidores aceitam, era um
pouquinho distraído. Interessante característica para quem sempre se colocara
no centro no mundo, e do poder. Curiosamente, enquanto governante, não percebeu
o dinheiro escorrendo nos propinodutos para compra de apoio parlamentar a seu
projeto de poder. Ele nada vira ou ouvira. De nada sabia. O engenhoso e
vultuoso esquema de corrupção que corrói a estatal petroleira também passou
batido pelo sempre visionário Ilusionista. Assim como as milionárias cifras que
abasteciam os cofres da companheirada. É comovente o desapego desse homem com o
dinheiro. O dinheiro do povo, ao menos.
Enquanto a
roubalheira corria solta sob suas barbas messiânicas, ele era agraciado por
dádivas divinas. Todos os escolhidos que o cercavam enriqueciam rápida e
prodigiosamente. Presente do Criador a mais
iluminada de Suas criaturas, com certeza. Faltava-lhe apenas uma visão um pouco
mais apurada. Padecia de uma estranha e seletiva miopia, o Ilusionista.
Certamente um pequeno deslize em sua criação. Tomara que o problema não tenha
atrapalhado na escolha do porcelanato ou do revestimento da piscina. Uma nova
reforminha seria um transtorno para seus fiéis e dedicados amigos empreiteiros.
E um inconveniente para o Ilusionista e sua família, também. Obras trazem
consigo a sujeira do cimento e da poeira, e o Pai dos Pobres sempre se sentiu
mais confortável e limpo em meio ao dinheiro sujo. A sujidão de caráter é a
mais próspera ideologia, ao menos assim parece.