domingo, 8 de novembro de 2015

Santo Jorge, o Ecobobo de Poliana


 O respeitado, e sempre na boca do povão, bobo das obras de Poliana, Santo Jorge, o padroeiro dos mecânicos e borracheiros do reino, andava revoltado. Quase tão revoltado quanto na época em que pedia impeachment de presidente corrupto,  sem que isso fosse golpe. Tempos outros, bem outros, é claro. Já estava farto de ser criticado nas desprezíveis redes sociais e motivo de cobranças por parte de Imprensa Livre. Ser bobo da corte tinha lá seus dissabores. Como eram agradáveis seus áureos e longínquos tempos de juventude socialista, onde dedilhar Vandré no violão e aplaudir seus companheiros queimando pneus em praças públicas era o máximo de esforço que precisava desempenhar pela boa e velha causa. Por vezes, sentia saudades da época em que era apenas o animador de torcida nos festivais pirotécnicos da Orquestra Partidária (OP). Sua ginga, molejo e simpatia garantiram seu sucesso e popularidade nesses eventos. Agora,como bobo, no entanto, era necessário mostrar mais que um bom rebolado, precisava executar obras de fato, não de promessas. E o povo de verdade, diferente do povo da democrática e midiática OP, mostrava-se bem mais crítico e exigente e muito menos ideologicamente adestrado e iludido.
E que povinho ignorante e atrasado era o povo desse reino! - bufa Santo Jorge, pedalando sua bike, enquanto escutava pelos fones de ouvido as lamúrias de alguns contribuintes em uma das rádios locais. - Só sabem reclamar do asfalto e dos buracos! - pedala com ainda mais vigor ao escutar um morador queixando-se de inúmeros buracos em uma importante avenida do reino. - Pura mentira! Conhecia bem aqueles buracos. Eram só quatro. Gigante, Sansão, Golias e Pitoco. É verdade que Pitoco crescera bastante nas últimas semanas e prometia, em breve, engolir os outros três. Mas eram apenas estes. Os restantes não podiam ser caracterizados tecnicamente como buracos (ele, formado em história, era profundo conhecedor do assunto). Eram depressões e erosões naturais, causadas pelo movimento das águas da chuva. Não tinham nem vinte centímetros de profundidade! Tratava-se de um processo natural e ecológico, e não cabia ao homem interferir. É preciso que se respeite a natureza! - acredita piamente Santo Jorge, o ecobobo real.
Um ouvinte da tal radio entra ao vivo para se queixar das dezenas de enormes buracos em sua rua. Sendo um dedicado bobo que conhece profundamente cada via e buraco desse reino, já sabia do problema. Era tudo muito simples e tecnicamente explicável. Uma obra em uma avenida próxima desviara o fluxo de veículos para essa rua nas últimas duas semanas. O trânsito excessivo, em quinze dias, é logico, acaba com qualquer pavimentação, não é mesmo? Só quem tem cérebro não consegue entender e aceitar. Coisa de gente sem noção de engenharia de tráfego, conclui Santo Jorge com desdém.
Outro contribuinte se manifesta no tal programa de rádio, reclamando da qualidade do asfalto que, segundo ele, se esfarela feito pão dormido. Quanta ignorância! - irrita-se o bobo das obras. - Trata-se de um inovador modelo de asfalto ecosustentável. A tal forma “farelenta” serve para permitir a boa penetração e absorção da água no solo e a alimentação permanente do lençol freático. É o reinado de Poliana pensando nas gerações futuras! Só os ignorantes maledicentes não conseguem enxergar algo tão básico e ecológico.
Após mais dois quilômetros pedalando e acompanhando meia dúzia de participantes do programa reclamando que as ruas onde residem estão intransitáveis e que não serão contempladas no inovador Projeto de Remendos Ostensivos, o PRO Poliana, Santo Jorge estaciona a bike e inicia sua sessão de alongamentos enquanto tenta se acalmar diante de tantos absurdos ouvidos. - Povo inculto e ignorante! Pobre Poliana, tão à frente de seu tempo, ter de governar para uma gente assim tão atrasada. Não sabem eles, os coitados, que a última moda na Europa é acabar com o asfalto e retornar ao bom e velho paralelepípedo? Pois esse é o projeto de Poliana e sua corte para os próximos cinco anos. Manter o asfalto apenas nas principais avenidas do reino e deixar que nas demais ruas os buracos se unam, se fundam e se aprofundem até que volte a pavimentação por pedras ou ao chão batido! Não é utopia! - sorri Santo Jorge, satisfeito. - Será realidade! Em breve nosso reino suplantará a Europa em pavimentação ecologicamente sustentável! Essa, sem sombra de dúvida, será a maior herança que Poliana deixará a seu povo. Vias de causar inveja à Europa. Trânsito padrão Índia. Descaramento padrão Venezuela. Incompetência padrão Brasil.
Sorte nossa, dos contribuintes, estarmos tão próximos dessa maravilhosa realidade, padrão mediocridade.  

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