O respeitado, e sempre na boca do povão, bobo das obras de Poliana,
Santo Jorge, o padroeiro dos mecânicos e borracheiros do reino,
andava revoltado. Quase tão revoltado quanto na época em que pedia
impeachment de presidente corrupto, sem que isso fosse golpe. Tempos
outros, bem outros, é claro. Já estava farto de ser criticado nas
desprezíveis redes sociais e motivo de cobranças por parte de
Imprensa Livre. Ser bobo da corte tinha lá seus dissabores. Como
eram agradáveis seus áureos e longínquos tempos de juventude
socialista, onde dedilhar Vandré no violão e aplaudir seus
companheiros queimando pneus em praças públicas era o máximo de
esforço que precisava desempenhar pela boa e velha causa. Por vezes,
sentia saudades da época em que era apenas o animador de torcida nos
festivais pirotécnicos da Orquestra Partidária (OP). Sua ginga,
molejo e simpatia garantiram seu sucesso e popularidade nesses
eventos. Agora,como bobo, no entanto, era necessário mostrar mais
que um bom rebolado, precisava executar obras de fato, não de
promessas. E o povo de verdade, diferente do povo da democrática e
midiática OP, mostrava-se bem mais crítico e exigente e muito menos
ideologicamente adestrado e iludido.
E que povinho ignorante e atrasado era o povo desse reino! - bufa
Santo Jorge, pedalando sua bike, enquanto escutava pelos fones de
ouvido as lamúrias de alguns contribuintes em uma das rádios
locais. - Só sabem reclamar do asfalto e dos buracos! - pedala com
ainda mais vigor ao escutar um morador queixando-se de inúmeros
buracos em uma importante avenida do reino. - Pura mentira! Conhecia
bem aqueles buracos. Eram só quatro. Gigante, Sansão, Golias e
Pitoco. É verdade que Pitoco crescera bastante nas últimas semanas
e prometia, em breve, engolir os outros três. Mas eram apenas estes.
Os restantes não podiam ser caracterizados tecnicamente como buracos
(ele, formado em história, era profundo conhecedor do assunto). Eram
depressões e erosões naturais, causadas pelo movimento das águas
da chuva. Não tinham nem vinte centímetros de profundidade!
Tratava-se de um processo natural e ecológico, e não cabia ao homem
interferir. É preciso que se respeite a natureza! - acredita
piamente Santo Jorge, o ecobobo real.
Um ouvinte da tal radio entra ao vivo para se queixar das dezenas de
enormes buracos em sua rua. Sendo um dedicado bobo que conhece
profundamente cada via e buraco desse reino, já sabia do problema.
Era tudo muito simples e tecnicamente explicável. Uma obra em uma
avenida próxima desviara o fluxo de veículos para essa rua nas
últimas duas semanas. O trânsito excessivo, em quinze dias, é
logico, acaba com qualquer pavimentação, não é mesmo? Só quem
tem cérebro não consegue entender e aceitar. Coisa de gente sem
noção de engenharia de tráfego, conclui Santo Jorge com desdém.
Outro contribuinte se manifesta no tal programa de rádio,
reclamando da qualidade do asfalto que, segundo ele, se esfarela
feito pão dormido. Quanta ignorância! - irrita-se o bobo das obras.
- Trata-se de um inovador modelo de asfalto ecosustentável. A tal
forma “farelenta” serve para permitir a boa penetração e
absorção da água no solo e a alimentação permanente do lençol
freático. É o reinado de Poliana pensando nas gerações futuras!
Só os ignorantes maledicentes não conseguem enxergar algo tão
básico e ecológico.
Após mais dois quilômetros pedalando e acompanhando meia dúzia de
participantes do programa reclamando que as ruas onde residem estão
intransitáveis e que não serão contempladas no inovador Projeto de Remendos Ostensivos, o PRO Poliana, Santo Jorge estaciona a bike e
inicia sua sessão de alongamentos enquanto tenta se acalmar diante
de tantos absurdos ouvidos. - Povo inculto e ignorante! Pobre
Poliana, tão à frente de seu tempo, ter de governar para uma gente
assim tão atrasada. Não sabem eles, os coitados, que a última moda
na Europa é acabar com o asfalto e retornar ao bom e velho
paralelepípedo? Pois esse é o projeto de Poliana e sua corte para
os próximos cinco anos. Manter o asfalto apenas nas principais
avenidas do reino e deixar que nas demais ruas os buracos se unam, se
fundam e se aprofundem até que volte a pavimentação por pedras ou
ao chão batido! Não é utopia! - sorri Santo Jorge, satisfeito. -
Será realidade! Em breve nosso reino suplantará a Europa em
pavimentação ecologicamente sustentável! Essa, sem sombra de
dúvida, será a maior herança que Poliana deixará a seu povo. Vias de causar inveja à Europa. Trânsito padrão Índia. Descaramento padrão
Venezuela. Incompetência padrão Brasil.
Sorte nossa, dos contribuintes, estarmos tão próximos dessa
maravilhosa realidade, padrão mediocridade.
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