Ratos. Os ratos, agora soltos, corriam pela casa que deveria ser a
casa do povo. Há muito pouco de povo nessa casa, constatam os ratos.
Há muito de hipocrisia, concordam os roedores. E há muita
injustiça. É uma injustiça e indignidade compararem esses homens
engravatados, que enfestam essa casa, a nós. – revoltam-se os
ratos. O que somos, sempre fomos, nunca dissimulamos ou camuflamos
nossas formas e nossos hábitos, argumentam os ratos. E quanto a
esses que a aí estão, vestidos de terno, gravata e soberba? Quem de
fato são? São representantes do povo, respondem os humanos.
Representam o povo? - indagam os ratos, com evidente escárnio.
Representam a eles mesmos! Seus partidos e seus interesses. -
concluem, divertidos. Os homens parecem crer que somos, também,
idiotas. - cochicham os roedores. Horas e horas de interrogatório,
para ouvir um propineiro de partido mentir! E com a permissão da
justiça para que minta sem dó nem cerimônia. E com toda pompa, o
salário dos atores e figurantes, e até as propinas do interrogado,
pagos com dinheiro do povo! - gargalham os ratos que assistiam ao
espetáculo.
E eles têm medo de nós! - percebe um dos ratos ao observar a forma
como aqueles homens tentavam se esquivar da presença dos bichinhos.
- Deviam temer o seu povo. Um povo que assiste todos os dias essa
gente, seus representantes, barganharem seus votos em troca de
dinheiro público. Negociarem carguinhos, apoio e favorecimentos de
toda sorte. Um povo que vê em noticiários o seu dinheiro sendo
roubado em esquemas de corrupção onde a engrenagem mestra da
calhordice está nas mãos de vários desses eleitos, representantes
do povo. Um povo assim, de tal forma afrontado, deveria, a essas
alturas, estar urrando como leão. - acreditam os ratos. Será? Pouco
provável. - respondem alguns engravatados, escolhidos pelo povo, com
a confiança dos que há muito se locupletam com a ignorância e
inércia de seu povo. O povo se acostumou a ser otário, assim como
os ratos se habituaram com o esgoto. Na falta de coisa melhor, pensa
o povo, melhor ficar com os ratos que conhecemos.
Que sujo e fétido lugar, este. Que vergonha uma gente assim. Que
curioso povo habita essa terra: tão iludido, ludibriado, roubado,
mas sempre tão comodamente conivente. - refletem os ratos, com
perplexa tristeza. Melhor voltarmos aos esgotos. - decidem os
roedores. - E se para lá voltamos, não é por termos nos acostumado
com os dejetos, como o povo dessa terra. É por que aqui não
encontramos perspectivas melhores que as de lá. Não para nós, os
ratos legítimos, ou para o povo de vocês. Vocês, que vestidos de
terno e despidos de vergonha, são ratazanas desse país. Tomara que
o seu povo, algum dia, almeje algo mais do que dejetos e ratos. -
despedem-se os pequenos e não engravatados roedores, deixando para
trás o ilustre recinto.
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