Poliana estava exausta de tantas poses para fotos. Nem em
Horário Eleitoral tivera de posar tanto de soberana dinâmica e resolutiva. Já
estava quase arrependida de ter criado um ministério em seu reinado só para
marketing, mídia e ilusão de ótica. Na ausência de grandes feitos e na
abundância de coisa alguma para divulgar, sobrava para a pobre e carismática
rainha. E era foto que não acabava mais. Até Imprensa Livre já estava enjoada
da adorável face real estampada diariamente em cada periódico local. Era Poliana
de capacete assentando tijolos. Poliana de picareta quebrando pedras, enquanto
alguns de seus bobos, sorrateiramente, guardavam algumas nos bolsos só para não
perder a velha prática. Poliana assando lingüiçinhas nas moderníssimas e
necessárias churrasqueiras, democraticamente conquistadas, pelo povo excluído
de saneamento básico e saúde, nos espetáculos pirotécnicos da Orquestra
Partidária (OP). Poliana escorregando de barriga nas novas travessias de
pedestres. Poliana atolada no barro, enterrando canos para a transposição de
recursos públicos, e fazendo reza braba e despacho para que a próxima estiagem
demore mais a chegar que a espalhafatosa e duvidosa obra para terminar.
- Chega! Eu não agüento mais. – reclama a soberana exaurida e
descabelada, atirando-se pesadamente no divã de sua redoma. – Vocês, seus
inúteis, precisam dar um jeito de inventar alguma obra diferente para nós
divulgarmos na mídia. Tem cancha de bocha que eu já visitei 20 vezes nesses
últimos anos. Já conheço todas as ripas de cada forro dos salões comunitários
do reino. Naquela escola eu já fui tantas vezes que tem pedreiro que acredita
que eu sou mestre de obras. Ontem me mandaram até fazer massa! Olha lá se eu
sou rainha de meter a mão na massa! Se ainda fossem em maços, nisso sim, sou
especialista. Mas isso não dá para por nos outdoors, né? Justiça é capaz de
ficar mordida e é muito estressadinha e moralista, aquela baranga invejosa.
- Mas alteza, nós temos vários grandiosos projetos prontinhos
para serem executados! Meu gabinete é uma verdadeira usina de projetos! –
vangloria-se Golesminha, o companheiro tampão da rainha, responsável pelo
planejamento no reino.
- Mesmo? Diga-me um, Golesma? – pergunta incisivamente
Poliana, cravando ameaçadoramente os olhinhos de biscuit no companheiro adulador.
- Bem... são tantos... eu não conseguiria explanar sobre todos
em tão pouco tempo, adorada Poliana. – atrapalha-se Golesminha, balançando a
franginha, mais amorfo que vaselina.
- Eu tenho tempo. Você pode me explicar enquanto massageia
meus pés cansados! – aconselha, prontamente, a rainha.
- Está certo rainha. É sempre um prazer massagear seus
adoráveis pezinhos! – adula o outro, tentando ganhar tempo. – Acredito alteza,
que devemos democratizar e descentralizar as falas, por isso, passo a palavra
para nosso novo bobo do trânsito. Ele pode começar esclarecendo, com detalhes,
todas as maravilhosas modificações que pretendemos implantar no reino. –
desvia-se, com a longa prática adquirida na câmara de vendilhões, o companheiro
Golesminha, jogando o jovem bobão na fogueira.
- É claro! É sempre uma honra para mim discutir com uma corte
tão aberta. – empolga-se o prestativo bobo, sem perceber que estava sendo
fritado em óleo, ainda, morno. – Trata-se do “Programa democrático e inclusivo
de mobilidade urbana participativa, trafegabilidade cidadã e humanização no
trânsito em vias públicas”. - anuncia entusiasmado, o bobo do trânsito.
- Fantástico! – exulta a rainha – Só o título já vai ocupar
uns três outdoors e duas páginas de jornal! E, como não diz nada, não nos
compromete, não é mesmo? E o que consta no “corpo” do projeto? Se for tão
pomposo quanto o título, provavelmente nossos súditos vão passar a ser
teletransportados nos próximos meses! – questiona Poliana, com sutil tom de ironia.
- O projeto ainda não está concluído, rainha. – responde o
bobo, desanimando um pouco - Foram 13 reuniões só para decidirmos o título. As últimas
5 só discutindo a ordem certa das palavras. Você deve saber, melhor do que eu,
alteza, o quanto seus companheiros são minuciosos nessas questões semânticas e
adoram uma reuniãozinha. – cochicha à rainha.
- Entendo. Então vamos voltar ao que temos. O título. O que
exatamente significa um trânsito humanizado, Golesminha? – pergunta Poliana, trazendo
o companheiro para a frigideira.
- É um projeto de trânsito democraticamente centrado no ser
humano, alteza.
- Ah, bom! Ainda bem que vocês pensam em tudo. Se o tal
projeto é voltado para o ser humano, não corremos o risco de vê-lo roubado e
implantado em Marte, não é mesmo? Fico mais tranqüila assim. Tenho perdido
noites de sono, preocupada com os claros indícios de conspiração alienígena no
reino. - ironiza a rainha – Apesar, que um intercâmbio com os marcianos poderia
nos ser útil. Eles poderiam nos ensinar como abduzir os carros e passageiros em
horário de pique. Ou, quem sabe, eu deveria começar a pensar em abduzir todos
vocês das costas dos contribuintes! – exaspera-se Poliana. – Será que vocês não
vão conseguir me apresentar uma maldita medida de impacto para que eu deixe de
ser a chacota do reino, seus energúmenos!
- Claro que temos magnânima! - responde o bobo do trânsito, sentindo
falta do calor do fogo. – Nós vamos implantar semáforos inteligentes nas vias
principais do reino!
- Semáforos inteligentes, é? – pergunta sua alteza, com ar
pensativo. – E serão muitos?
- Serão doze, rainha.
- Isso parece que será realmente muito útil para mim e para o
reino. – continua Poliana, com seu conhecido ar maquiavélico. – Se os tais
semáforos forem realmente inteligentes, posso trocar vocês todos por eles, seus
inúteis! Já era mais do que hora de ter alguma coisa inteligente na corte. Eu
já estou cansada de me ver cercada de postes! – grita Poliana, erguendo-se indignada
– Tragam logo meu chinelo de dedos e um boné! – ordena a monarca – Eu vou sair!
- De chinelos e boné?! – pergunta um dos pajens,
escandalizado, acostumado com a elegância nata da socialite socialista.
- Isso mesmo! Vou me inscrever em um curso de mestre de
obras. Se eu quiser que alguma coisa saia do chão no meu reinado, vou ter de aprender a fazer eu mesma. Se depender de
vocês, seus incompetentes, passarei mais quatro anos jogando bocha! Já tem especialista
em bocha nessa corte, e eu detesto concorrência! – anuncia Poliana, em mais um
de seus arroubos, quase sempre passageiros, de lucidez, saindo rapidamente de
sua redoma.
Poucos minutos mais tarde, uma desacordada rainha era
carregada de volta ao divã. Desacostumada com os chinelos, o anonimato, a
ausência de pajens e bajuladores, e ao caos do trânsito no seu reino,
escorregara em uma gigantesca travessia de pedestres em frente ao castelo, e
tivera uma contusão cerebral. Sorte de seus bobos. Poliana esquecera toda a
recente discussão. Acordara acreditando que tudo era colorido e maravilhoso
como mostravam seus adoráveis anúncios e outdoors.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Havendo dificuldades na postagem dos comentários, o campo URL poderá ser deixado em branco.