A torre da rainha deposta mais parecia um comitê de partido,
tamanho o número de companheiros e militantes que confabulavam na sala. Nem na
clausura, Poliana podia usufruir um pouco do sossego que o retiro forçado
parecia prometer. Quem pensava que a antiga soberana aposentaria assim as
sapatilhas, errara redondamente. Quem fora rainha jamais perderia o gosto e o
jeito para o mando e o desmando.
- Estamos preocupados com a rejeição do Golesminha. O passado
terrorista grudou no homem como cola. Nem querosene tira. – relata o
marqueteiro ansioso.
- Que coisa, né? Vocês estavam mal acostumados, isso sim.
Tinham a mim, com meu passado cor de rosa e uma jornada triunfal e
resplandecente. Agora tem que engolir o Golesminha que já se sujou antes mesmo
de chegar no cocho. Bem feito pra vocês seus xiitas! – delicia-se Poliana com o
drama de seus companheiros de clã.
- Não se esqueça Poliana, que se não fosse por seu reinado
cheio de buracos e enroscos com Justiça, nós não estaríamos nessa situação. Se
você não tivesse a péssima mania de colar suas fotos em qualquer panfletinho e
jornaleco, não teria sido deposta e nada disso seria necessário. – lembra
Líquen, eterno assessor para debates e momentos de crise.
- Propaganda enganosa e marketing estapafúrdio foi o que movimentou
nosso reinado de oportunismo durante todos esses anos. Não fosse por isso não
teríamos nos mantido no poder por tanto tempo. Tudo que fiz, fiz por nosso clã.
Não lembro de nenhum de vocês, os xiitas, reclamarem quando o dinheiro público
gasto em propaganda fajuta retornava ao FARC (Fundo de Amparo e Restituição da
Companheirada) – defende-se, ultrajada, a antiga monarca. – Todos vocês deram
um jeitinho de meter a mão e se lambuzar na minha sujeira, não é?
- Chega! Não é hora de discutirmos quem se locupletou mais
com a coisa pública. – intervém Líquen - Precisamos garantir que nossa
locupletação coletiva e inclusiva não pare por aqui. Ainda há muito a se
explorar nesse reino tão rico, isso acho que é ponto pacífico, não é?
- Claro! De acordo companheiro! – respondem em uníssono o
pessoal do SindiPelego.
- Outro povo tão compreensivo e caridoso vai ser difícil de
encontrar. Temos de nos agarrar a ele com unhas, dentes e bandeiras! – instiga
o representante do CUT (Companheiros Unidos no Trambique), mobilizando o grupo.
- Se precisar usamos foices! – exalta-se o quase sempre
sonolento membro do MSTT (Movimento Só Tramoia e Trago)
- Assim não vai dar certo, Líquen! – rebela-se Poliana, com
sua eterna pose de socialite socialista que sempre desagradara a ala mais
ortodoxa do clã – Quem convidou essa gente? - cochicha - Como é que vocês
querem criar uma imagem de Golesminha “tradição, família e propriedade”, se atrás
dele andam esses barbudos desgrenhados que parecem ter saído direto da gerrilha
do Araguaia?
- Mas eles são a fina flor do movimento socialista, Poliana?
Eles e o Golesminha se criaram juntos. Colavam fechaduras juntos nas ruas desse
reino. Queimavam pneus, trancavam estradas, colocavam porcos em agências
bancárias...
- Ah, tá bom. – enerva-se Poliana, revirando os olhinhos de
biscuit – Também xingavam o Paulo Salim e gritavam fora Collor! Eu lembro bem.
Parece que foi ontem. Pelo visto só a barba continua a mesma, o resto se perdeu
na mesma vala ou valerioduto.
- O Golesminha é uma estrela de raiz. Precisamos respeitar
sua história no nosso clã. – continua Líquen.
- O nosso clã há muito tempo cuspiu em sua história e só cria
raiz no solo fértil do poder. Para continuarmos com nossas raízes no trono, as
mãos na chave do cofre e as meias repletas de propinas, precisamos fazer o
Golesminha deslanchar. E ninguém deslancha com essa cara de Trotskista
arrependido que vocês inventaram pra ele. Tem que melhorar esse marketing. –
sentencia Poliana
- E o que você sugere, gloriosa Poliana? – pergunta o
marqueteiro oficial à popular, e muito boa de voto, rainha deposta.
- Uma reformulação completa. Começando pelas más companhias.
Nada de barba, foice ou essas camisetas encardidas e horrorosas. Nem camiseta
do Woodstock! Nossos súditos são muito conservadores. Temos de cativá-los, não
espantá-los. E podem começar diminuindo o número de estrelas nos impressos.
Coloquem só uma, bem pequeninha lá no cantinho.
- Mas a estrela, Poliana?! É nossa marca! – indigna-se uma
fundadora do clã.
- Poliana tem razão. Precisamos nos desgrudar um pouco da
estrela. Estrela lembra a constelação de escândalos que andamos colecionando
nos últimos tempos e todas as pichações que o Golesminha fazia no passado. O
povo daqui é muito reacionário, não está preparado para esse nosso novo
paradigma de governo inclusivo e...
- Pode parar! – interrompe rapidamente Poliana - Isso é outra
coisa que tem que mudar. Esse vocabulário enjoativo. Ninguém aguenta essa
ladainha de vocês. Vocês podem vir vestidos de Barbie, mas é só começar com
esse papo de inclusão, inclusivo, participativo que já acende uma estrela bem
no meio da testa. Tentem falar como pessoas normais, pelo menos nos próximos 30
dias. Outra coisa são as cores. Nada de vermelho! Usem azul, rosa, pêssego. O
pistache tá super na moda. Vermelho só nos pequenos detalhes.
- O que mais? – indaga o marqueteiro anotando cada dica da
articuladora Poliana.
- O pior é o que fazer com o desarranjado Golesminha. Isso
sim, vai ser um suplício! Temos de dar um banho de loja nele. E tratem de fazer
com que aqueles fiapos de franja fiquem sempre arrumados para trás. Usem Super
Bonder se precisar. – acrescenta a antiga rainha, não perdendo a oportunidade
de fazer piada - Nada de bermudas e chinelo de dedos. Só terno escuro e camisa
branca.
- Mas ele não vai parecer muito das elites dominantes.. Ops! Desculpe, vou corrigir o
vocabulário. Quero dizer, ele não vai parecer muito longe do povão?
- Pelo contrário, ele vai arrebanhar multidões. Vamos forrar
de preto aquele livro surrado que ele sempre carrega embaixo do braço, O Capital. Vai parecer uma Bíblia. De
hoje em diante sepultaremos o terrorista arruaceiro Golesma Bonder e nascerá o
pastor Golesminha paz e amor.
- Nossa, parece perfeito. Você é mesmo majestosa Poliana! –
elogia entusiasmado o marqueteiro, batendo palminhas de contentamento. – Já vou
providenciar tudinho.
- Muito obrigada Poliana por sua contribuição. Espero que
funcione. – agradece o companheiro Líquen, ainda preocupado.
- Se não funcionar, meu caro Líquen, só nos restará uma
saída. – responde Poliana, lixando pacientemente suas delicadas unhas.
- Que saída, magnânima? – pergunta o outro curioso
- Trocar o Golesminha, é claro!
- Trocar?! Mas trocar por quem?!
- Por um repolho! É a única opção. É oriundo da agricultura
familiar, que sempre causa boa impressão. Cai bem com quase tudo. Poucas
pessoas tem algo realmente muito grave contra um simples repolho. Salvo uma
certa flatulência. E é praticamente impossível que exista algum repolho xiita,
Leninista ou mesmo Guevarista nos quadros de nosso clã! - afirma Poliana e após
alguns segundos, estranhando o silêncio de Líquen, ergue-se alarmada e
pergunta: - Nós temos?!
- Na verdade, temos sim. Dois repolhos e três berinjelas. -
informa Líquen desanimado.
- Essa não! Pelo visto vamos ter que seguir o caminho da
roça, isso sim! Que mundo ingrato meu Deus! Até quando vou ter de pagar por
algumas poucas, mas decisivas, decisões estúpidas na vida. – lamuria-se a
chorosa Poliana, com bem menos estrelas nos olhos do que no glorioso inicio de
sua jornada.
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