Poliana,
serena e tranquilamente, aguardava. Curioso o efeito que as tormentas provocam
nas pessoas. Poliana sempre fora conhecida pelas crises de destempero e mau
humor. Nesse momento de sua vida, em meio a tempestade, com risco de naufrágio,
portava-se como uma digna monarca: firme e decidida. Faltava pouco, agora. Sua
longa e angustiante espera estava chegando ao fim. Sete votos e um destino. Tão
poucos votos para quem já tivera tantos! Seria risível se não fosse trágico,
pensa a nobre e sofredora rainha. Uma verdadeira injustiça se sua alteza fosse
condenada por delitos tão singelos. A mais pura ironia do destino. A propaganda
ostensiva e maquiada, que vendia sonhos e fantasias, fora a marca registrada de
seu reinado. Seus coloridos impressos e o marketing requintado garantiram a
soberana o direito ao trono e a coroa. Seu povo, adorado povo, assim quisera,
assim decidira. Se nem as falsas impressões de seu reinado, a falta de papel e
de moralidade, os incontáveis tropeços éticos e de retidão, foram capazes de
macular a imagem da rainha, seria um descalabro que uma propagandinha igual a
tantas outras pudesse interromper sua gloriosa jornada. O que mais incomodava
Poliana era esse inquietante silêncio que lhe cercava. Nessas horas, quando o
barco está quase afundando, mas ainda há esperança, todos os seus aliados,
alguns companheiros de anos, pareciam se afastar um pouco de sua alteza. Não
muito, pois essa ainda detinha as chaves do cofre e o poder das decisões, mas o
suficiente para correr se alguma coisa desse errado. Alguns pareciam torcer para
ver o circo pegar fogo. Outros nem conseguiam dissimular o desejo de tomar logo
o lugar da rainha. Tantos, em mal disfarçada ansiedade, esfregavam as mãos,
loucos para verem a delicada cabeça real ser decapitada. Para surpresa de
Poliana, Imprensa Livre e alguns odiosos e maledicentes críticos, se mantinham em
moderada e resoluta expectativa. Estranho isso, reflete a hoje ponderada
Poliana, quando eu estava com os pés bem firmes no convés, esses críticos
asquerosos adoravam me chutar, agora que posso me afundar de vez, tenho de me
cuidar mais com meus aliados e companheiros do que com meus inimigos
declarados. Nada como uma marolinha depois da outra. Quando o barco está a
deriva, os ratos mostram o que são: apenas ratos. Restará a sua alteza separar os
que lhe serão úteis no futuro. E o futuro, a Deus pertence, pensa a crédula e
confiante Poliana. E a voz do povo é a voz de Deus. E o povo já votou por
Poliana. Só lhe restavam sete votos agora. Sete votos selariam seu destino.
Deus estaria dando uma nova oportunidade, ao povo ou a Poliana. Agora só resta
esperar.
domingo, 25 de novembro de 2012
sábado, 17 de novembro de 2012
O entardecer da República
Sentado em
frente a televisão, o velho acompanhava as notícias com o desconfortável
sentimento de déjà vu. Todo feriado eram as mesmas velhas e trágicas manchetes
de dezenas de acidentes nas estradas. Sangue e morte pareciam escorrer pelas
telas dos gigantes aparelhos. E que estranho fascínio pareciam ter tais cenas
de tragédias e desgraças para as pessoas. Desde tenra idade acostumam-se as
crianças com absurda e descabida de sentido, violência. As telas ficavam cada
vez maiores como que a garantir aos espectadores que nenhuma réstia de agonia passasse
desapercebida. Nessas horas o velho sentia saudades dos velhos aparelhos em preto
e branco. Talvez fosse o diminuto tamanho de suas telas, ou quem sabe o tempo
considerável que levavam para aquecer os fusíveis, o fato é que toda a família
se amontoava em frente a TV em, hoje longínqua, comunhão. Sentia saudades do Vigilante
Rodoviário, recorda o velho enquanto assiste as coloridas imagens de ônibus
sendo incendiados. Nos antigos seriados não se precisava de cores para separar
os mocinhos dos bandidos. Talvez fosse o excesso de cor que ofuscava o bom
senso de seu povo, considera o velho. Ou quem sabe o tamanho exagerado das
telas fizesse com que todos tivessem perdido o foco. Talvez precisasse retornar
mais cedo a revisão com seu oculista, reflete o velho sentindo inquietante falta
da turbidez que a catarata, extirpada pela precisão da tecnologia médica, lhe
causava na distinção de cores e formas. Graças a maravilhosa evolução da
ciência, hoje não se ficava mais refém de muitas das limitações da idade que
antes lhe terminariam com a autonomia e independência. Liberdade era uma dádiva
que este velho sabia apreciar e valorizar. Essa, assim como a TV preto e branco,
em breve, não teria muita serventia a julgar pelo que mostravam as imagens do noticiário.
Quando presos eram capazes de comandar atentados organizados em tantos lugares
desse país sem que as autoridades conseguissem conter o terrorismo instaurado,
algo virtualmente insano, pelo menos para um velho tolo, devia estar sucedendo.
Devia ser a tal realidade virtual que tanto ouvira falar sem nunca compreender
o sentido. Virtuais deviam ser as grades que, se supunha, privava a liberdade
dos presos. Virtuais seriam os conceitos de certo e errado que deviam aquecer
as leis que regem o virtual conceito de Estado de Direito. Virtual, com toda certeza,
era a presença do Estado como mantenedor da ordem e da segurança de um povo,
pensa o velho acompanhando a imagem de uma mãe com seu bebê dando uma entrevista
de trás de um imenso portão de ferro. Liberdade
dependia de que lado, e de qual grade, se está. As coisas deviam estar muito
mais desfocadas do que seu cérebro senil era capaz de entender, suspira o velho
cansado. E podiam ficar piores, resigna-se o ancião com o semblante marcado
pelos anos de experiências. Em épocas, nem tão distantes, o seio dos presídios produziram
quadrilhas tão organizadas e ardilosas que foram capazes de dominar a toda uma
nação sem a necessidade de fuzis e granadas, lembra o velho astuto. Não se
detém ratos com grades. E os maiores ratos de sua pátria ainda estavam bem
longe das grades e muito próximos do poder, lastima o idoso mudando de canal.
Era hora da novela preferida de sua velha e já pressentia os passos lentos, mas
decididos de sua companheira de décadas de alegrias e decepções. Não importava
o tamanho do aparelho ou a precisão das imagens, sua véia ainda olhava para a
tela com o mesmo deslumbre e devoção que há cinqüenta anos. Graças a Deus
algumas coisas, virtualmente, não mudavam com o evoluir dos tempos, pensa o
velho com seu enrugado sorriso.
sábado, 10 de novembro de 2012
A Encurralada Poliana
A nova
edição de seu glorioso reinado ainda nem se iniciara e Poliana já se via pequena
frente a tantos egos inflados e tanta sede de poder. Poliana bem sabia que seus
bobos eram uns mortos de fome gananciosos, mas se as coisas continuassem nesse
ritmo comeriam uns aos outros em curto espaço de tempo. Era preciso preservar o
precioso fígado real. Poliana precisava ter cuidado. Não podia dar as costas a
ninguém. Nunca se sabia de onde viria a primeira punhalada nas costas. Ai que
saudades sentia dos famosos chutes nas canelas dados por Oposição. Comparadas
as estocadas traiçoeiras de seus companheiros e aliados, Oposição fora quase um
anjo de candura. A própria rainha, para garantir seu lugar no trono, fizera
tantas falsas promessas de apoio e carguinhos, tantas articulações desprovidas
de solidez e concretude, que agora encontrava-se baratinada para juntar tantas
pontas soltas nessa enorme teia de interesses e interesseiros.
Mal sabia
ela, a quase sempre alienada rainha, que a maior disputa hoje em seu reino
seria por sua sucessão. Poliana mal conquistara o Troféu Popularidade,
conseguindo manter a coroa em sua cabeça, e seus aliados já se engalfinhavam em
quase sangrenta batalha para ver quem ficaria com o trono depois que a
carismática rainha se aposentasse. A firme e sólida aliança que prometia dar
sustentação a sua majestade nos próximos anos de reinado dava mostras de
tornar-se uma perigosa argola em seu focinho. Ou uma incomoda coleira em seu
delicado pescoço. Conseguirá nossa destemida e corajosa rainha driblar os
grilhões e amarras impostos por seus parceiros e confrades? De onde virá o
primeiro golpe que poderá desestabilizar sua alteza? Será um tiro certeiro e
frontal dado pela impiedosa Justiça? Ou um tiro vindo do escuro, de trás de
algum arbusto, de algum camuflado aliado real? Quem sabe alguma armadilha mais
ardilosa, arquitetada por poucas cabeças matreiras dentro do nobre e rico seio
de seu clã? De uma coisa Poliana tinha certeza, precisaria bem mais do que
carisma e popularidade para escapar ilesa dessa vez. Com muito jogo de cintura,
centenas de carguinhos, milhares de recursos públicos e muita lábia e
articulação conseguiria sair desse jogo com apenas alguns arranhões. “Apenas por precaução, melhor dormir de
armadura de agora em diante.” – pensa a eternamente confiante e otimista
Poliana.
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
A Economista Poliana
Cortar,
cortar, cortar! Canetear, canetear, canetear! Poliana já não agüentava tanta
pressão. Estava ficando cada vez mais confusa. Confusas eram as desculpas que
seus bobos precisavam arrumar para os cortes de Poliana. Até nossa desavergonhada
rainha sentia certo constrangimento em assumir assim, publicamente, as dificuldades
financeiras de seu espetaculoso reinado. Sorte de Poliana e sua vasta e
dispendiosa corte, que Oposição voltara a hibernar. Tomara que Imprensa Livre
resolva se fazer de desentendida só para variar. Seria vexatório para a rainha
ser confrontada com alguns poucos flashes de Horário Eleitoral. Afinal, onde é que
fora parar aquele reino empreendedor, transbordante de recursos que Poliana
alardeara com tanta pompa em seus recentes desfiles alegóricos? De fato, o tal
alinhamento estratégico foi, como quase todo grande feito da rainha, uma boa
estratégia de marketing. Nada além disso. E todos aqueles vultuosos recursos
que abarrotavam os cofres públicos em Horário Eleitoral, aqui em Mundo Real,
devem ter saído pelo ladrão ou se esvaído em algum Polianoduto.
Agora Poliana
precisava economizar. Lera dezenas de livros de economia, administração e até
auto-ajuda. Assistira a todos os programas da Ana Maria Braga. Tudo levava a
mesma desgraçada conclusão. Precisava começar cortando supérfluos. Coisas de
pouca importância, que não fariam falta na engrenagem de seu reino e não
causariam transtornos a vida de seus súditos e contribuintes. Se seguisse essa
fórmula universal, Poliana só teria uma solução: teria de cortar seus adorados
bobos da corte! Isso não poderia acontecer. Poliana bem sabia que eles ocupavam
mais espaço no orçamento do reino do que nas suas quase sempre vazias repartições.
Mas eram seus bobos de estimação, afinal. Faziam parte do PAC (Programa de
Acomodação da Companheirada). Poliana não podia simplesmente largá-los assim,
na rua da amargura, sem um carguinho para lhes aquecer. Teria de encontrar uma
solução que não impactasse em suas alianças. Por isso cortaria coisinhas mais
banais. Diminuiria a oferta de alguns serviçinhos
básicos de saúde, já que doente não reclama, e mandaria os serviçais da rainha
mais cedo para casa. Com essas medidas economizaria muito no gasto de papel
higiênico. Era impressionante a quantidade enorme de papel higiênico que essa
gente toda gastava. Poliana tinha a convicção de que com essa drástica e sábia
medida de contenção conseguiria equilibrar suas finanças. Não havia espaço para
mais nenhuma grande cagada em seu reinado, disso Poliana tinha certeza. Por
falar em papel, lembra-se Poliana satisfeita, precisava ordenar a seus
marqueteiros reais que mandassem confeccionar e espalhar por todo reino, dezenas
de seus bons e velhos cartazzes e banners. Poliana precisava mostrar ao seu
povo o quanto era comprometida com o principio da economicidade. Seu zelo com a
coisa pública e sua mão de ferro fechando as torneiras do desperdício seria o
mote perfeito para seus novos informativos e comerciais de televisão. "Mal posso
esperar para divulgar mais esse gloriosos feito de meu reinado de
oportunidades. Graças a mim, recurso para publicidade e oportunismo nunca faltará
nesse reino." - pensa Poliana com a calculadora em punho.
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