sábado, 4 de agosto de 2012

O Espetáculo de Decadência


Sentado em frente a TV, o velho acompanhava atentamente o palavrório complicado daquela gente letrada. Gente graduada e com a austeridade adornada pelas sóbrias roupas negras. Que imponentes figuras faziam com suas togas engomadas. E que intimidantes pareciam com todas aquelas palavras difíceis. Às vezes o velho desconfiava de que nem eles se entendiam nesse estranho dialeto jurídico. Despeito de um velho ignorante, com certeza. Quem era ele, que mal assinava o nome, para querer criticar gente assim tão importante. Pena não ter estudado, suspira o velho tristonho. Talvez fosse mais fácil entender o rumo desse mundo moderno se tivesse freqüentado por mais tempo a escola. Mas lhe faltara oportunidade em sua infância distante. Tudo era tão longe e difícil naquela época, e mesmo assim, a esse velho tolo, tudo parecia mais coerente e lógico do que no cotidiano atual. Não conseguia entender como é que hoje em dia se podia terminar o colegial sem sequer saber ver as horas. Devia ser a pressa dessa nova geração. Nem viam passar os segundos e minutos. O tempo parecia se esvair entre os dedos na correria fria e impessoal desse mundo atribulado.
Concentrando-se novamente na transmissão da TV o velho se surpreende com o tom mais duro de um dos ilustres membros da corte suprema. Até para um ancião sem estudo era possível entender que os ânimos se aqueciam naquele teatro de sobriedade. Para esse velho de pouca cultura, era dificultoso entender a razão de tanto tempo e argumento para se concluir o que parecia óbvio. Roubo é roubo. Falcatrua é falcatrua. Falta de caráter e decência são marcas de imorais. Não podia haver dúvidas quanto a conceitos tão básicos. Não era preciso ser doutor para saber definições tão elementares. Mas, até o que devia ser claro e certo, tornara-se turvo e questionável nesses novos tempos. Talvez fosse descaramento e  imoralidade que se ensinava hoje nas escolas. Só podia ser essa a explicação para a carência de lógica e de postura que envergonhava a esse velho estúpido. O que mais lhe abismava era a capacidade dos políticos da atualidade de defenderem, com pose de injustiçados, atos tão vis e inescrupulosos. Lavagem de dinheiro, caixa dois, ou fosse lá o nome que se ousasse dar a seus negócios obscuros, tudo não passava de corrupção e imoralidade. Até os ratos de esgoto eram mais dignos que essa gente de terno e gravata. Engravatados escolhidos por seu povo. Povo. Quando é que um povo alegre e hospitaleiro se tornou tão sem princípios quanto seus torpes líderes? Quando foi que seu povo perdera a noção de certo e errado? Quando seu adorado país se tornou tão omisso e sem ação a ponto de presenciar inerte a vergonha encobrir sua nação? Talvez, pensa o ancião cabisbaixo, esse seja o preço a pagar por progresso e desenvolvimento. Quem sabe a nova geração, que não sabe ver as horas, venha a resistir com rebeldia a vertiginosa decadência dos valores éticos tão desconfortável e humilhante para esse velho míope. Quem sabe! Suspira o velho, mudando o canal da televisão. Era hora da novela e não queria ouvir os resmungos de sua velha. Melhor assistir a mais um melodrama fantasioso junto a sua rabugenta, mas leal parceira de uma vida inteira, do que presenciar sozinho a mais um capítulo deprimente da ruína de sua pátria.

3 comentários:

  1. Uau! Obrigado pela indicação! Tudo a ver sim.

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  2. Uau! Obrigado pela indicação da leitura. Tudo a ver com o que penso. Bom saber que não se está sozinho nas observações e valores.

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