sábado, 9 de junho de 2012

O Gigante atolado em patifaria


Enquanto no reino de Poliana a paz e os saltos altos reinavam, longe, muito longe, na sede do Império do Gigante Adormecido as dúvidas e contradições confundiam aos súditos mais questionadores. A história desse reino de dimensões continentais era curiosa, para não dizer esdrúxula. Nessa terra, onde o céu era mais azul e aonde nasciam palmeiras e cantavam os sabiás, a coerência parecia ter sido abolida por decreto e com a aquiescência silenciosa de seu povo.
Por mais de quinhentos anos, longos e duros anos de dominação imperialista, o Gigante Adormecido foi cativo e subjugado por forças poderosas e reacionárias. Foram séculos de subserviência dos fracos ao domínio de uma minoria cruel e autoritária: a burguesia. A corrupção e o poder do capital sobre as massas de miseráveis e excluídos eram a moeda corrente. Seu povo orava a cada dia, aos Deuses do futebol e do carnaval, para que um salvador honesto e puro brotasse de seu fértil solo e viesse salvar suas almas.
Então, do meio dos pobres proletários organizados, lutando por uma sociedade justa e igualitária para todo seu sofrido e alegre povo, Ele surgiu. Rodeado por uma constelação de estrelas e sustentado por sólidos ideais de justiça social e igualdade entre os desiguais emergiu o Ilusionista, o baluarte da ética e da moral. O salvador dos pobres e sofredores. Depois do Ilusionista esse reino jamais seria o mesmo. Seu exército de seguidores, empunhando românticas bandeiras escarlates e sustentados por inquestionáveis valores de ética e retidão, venceram por insistência e merecimento os abomináveis e corruptos donos do poder. Assim, um novo ciclo de dominação e subserviência se abateria sobre este curioso povo. Agora, sob nova direção. Era o fim da corrupção e dos corruptos; dos poderosos e dos oprimidos; dos muito ricos e dos muito famintos. Sob fervorosos e emocionados aplausos dos intelectuais e senhores do saber, a alienação e a ignorância teriam seus dias contados. Assim foi prometido e assim se cumpriu.
O Gigante Adormecido enfim acordara. Seu céu tornou-se ainda mais azul e estrelado. Seu povo exibia ao mundo o mais puro e desdentado sorriso de contentamento. Pelo menos nos cinematográficos comerciais com emblemático fundo musical. Àqueles que esperavam por educação para sua gente foram presenteados com o fim da reprovação e do conhecimento nas escolas. Um complexo modelo educacional capaz de causar cólicas aos povos mais evoluídos, que permitirá aos educandos, em um futuro próximo, atingir o nível superior sem a necessidade de saber ler ou escrever. A interpretação de textos ou fatos não será mais necessária nesse promissor reino. As massas sempre terão quem interprete a história por ela, bastará acompanhar as coloridas propagandas do Império do Ilusionista.
Àqueles que sonhavam com uma saúde digna e decente para seu humilde povo foram enfim contemplados com uma dúzia de monumentais estádios de futebol.  Os doentes que até então agonizavam aos milhares nas indignas e desumanas filas e emergências poderão agora aguardar comodamente acomodados até que seus suplícios se resolvam ou que seus times se classifiquem.
E enfim, a corrupção foi abolida desse até então putrefato reino. A praga mais antiga dessa tosca e otimista sociedade fora vencida pelo Ilusionista e seu clã. Uma reforma ortográfica e de valores foi implantada. Corrupção passou a ser chamada de mensalão. E mensalão passou a ser uma obra de ficção inventada por uma Imprensa exageradamente livre e uma oposição invejosa. Roubo e tráfico de influências passaram a ser pequenos desvios éticos deturpados pela imprensa manipuladora e a oposição raivosa. Carregar dinheiro de propinas em cuecas e meias era apenas uma forma diferente e muito mais limpa de fazer o que os reacionários de oposição fizeram por quinhentos anos nessa terra, não havendo motivo para tanto alarde. Tudo não passava de uma desleal e traiçoeira conspiração midiática.
E assim, o antes casto e brioso exército do clã do Ilusionista, mudou de cara e de ideologia. Agora, para ser membro desse seleto grupo era preciso abandonar a decência, a ética e seus valores morais. Aos sectários dispostos a seguir as regras desse jogo: uma cachoeira de recompensas. Ao povo, mantenedor dessa engrenagem, um atoleiro de incoerências e o eterno e merecido título de terra do carnaval.

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