sábado, 12 de maio de 2012

Tabuleiro de Recordações

Sob as árvores da praça, sentados frente a frente, a tarimbada dupla analisava atentamente o tabuleiro. Cada jogada era cuidadosamente pensada. Cada peça movimentada de forma estratégica, após incontáveis minutos. Alinhamento nunca fora o forte dos dois jogadores. Zangão e Chucrute há muito não disputavam o mesmo jogo.
- Que tal a vida de aposentado Zangão?
- Boa. Pela manhã leio os jornais. Depois do almoço faço um cochilo. À tarde jogo paciência ou faço palavras cruzadas. E sempre leio um bom livro antes de dormir. É o verdadeiro paraíso.
- É, parece mesmo animador. - afirma Chucrute um tanto descrente. - Você tem acompanhado as novidades do reino?
- Eu tenho visto as propagandas e até parei para ler um daqueles cartazes gigantes que espalharam por aí.  Quanta mentira colorida! E que enorme desperdício de dinheiro aquelas coisas. – resmunga Zangão, movimentando uma das peças no tabuleiro.
- É isso aí. Mentem, mentem, mentem, até parecer verdade. Parece coisa de outro mundo.
- E é de outro mundo mesmo. É igualzinho a Horário Eleitoral, você não lembra?
- É mesmo. Bem que me soou familiar. - recorda-se Chucrute ainda atento as peças a sua frente - E você ouviu o discurso da rainha naquele tal Café com Besteiras? Uma verdadeira piada.
- É, ouvi dizer. – responde Zangão, econômico até nas palavras.
- Imagine só, Poliana ficou horas se vangloriando do tal contrato para solucionar o problema da água. Uma enxurrada de bobagens digna de Horário Eleitoral. Falou, falou, enrolou, entubou, e no final assinou o mesmo contrato que tanto me acusaram de ter feito errado. Que palhaçada.
- É, essa tática é quase tão velha quanto nós. Também me pareceu familiar. – continua Zangão ajeitando os óculos.
- Eu gosto da forma extravagante como a rainha e sua corte alardeiam terem construído duas escolas e mais algumas perfumarias, graças ao tal alinhamento fisiológico, digo ideológico. Até tu, que nunca foi muito alinhado, fez mais obras. E olha que tu é um pão duro dos diabos! O que será que esse pessoal faz com o dinheiro do reino?
- Sei lá. Devem gastar tudo naqueles comerciais. Que desperdício! - rosna o sisudo - E as tais moradias? Tu Chucrute, fazia casas sem pedir dinheiro emprestado para ninguém. Essa aí paga a casa com dinheiro dos outros e ainda faz propaganda. E como se gasta em propaganda! Tanto dinheiro posto fora. – lamenta Zangão abanando desgostoso a cabeça.
- Isso sem falar no saneamento básico! Eu sozinho enterrei mais canos que nessa tal transposição. Você sabe que com o que eu fiz de esgoto dava para fazer a volta em torno da terra?
- Ouvi dizer. Tu devia ter enterrado menos cano e feito mais propaganda.
- E tu devia resmungar menos e abraçar mais velhinhos.
- Abraçar velhinhos e segurar criança mijada sempre foi o teu forte. Nessa, nem Poliana consegue te superar.
- É verdade. Dá uma saudade dos jogos daquele tempo.
- É. O jogo hoje é mais baixo. Não tem mais aquela arte dos nossos tempos. – sentencia o aposentado atento ao tabuleiro.
- Verdade. Nossas rasteiras pareciam mais éticas. Tinha certa decência na deslealdade daqueles tempos. – queixa-se Chucrute saudoso.
- Com certeza. Por isso é que eu me aposentei. Não tenho mais fôlego para esse tipo de jogo. – fazendo mais uma jogada, Zangão anuncia com um meio sorriso: - Xeque-mate!
- De novo não! Eu fiquei tão empolgado lembrando meus antigos feitos que esqueci de proteger o rei.
- Algumas coisas não mudam, né Chucrute? – zomba Zangão recolhendo o tabuleiro.
- É o que parece. – lamenta-se o ariano - Nós até que formamos uma boa dupla.
- Só no Xadrez. E nas lembranças. Agora tenho que ir. Tá na hora da novela. – decreta o sisudo estendendo a mão para o parceiro de jogo.
- Então vai, Zangão. – despede-se o outro com um abraço caloroso – Boas férias. Não vai se cansar demais jogando paciência.
- Pode deixar. Até mais.
- Ei, tu tá esquecendo a mesinha do jogo. – alerta Chucrute apontando para o objeto no chão.
- O que?  Hah, isso aí. Não é uma mesa. É uma caixa preta que achei remexendo nos armários. Coisa velha e sem serventia. Pode deixar por aí.
- Caixa preta, é?  Ouvi dizer que a invejosa Poliana já tem uma igualzinha, só dela.  Do jeito que ela é simplória é capaz de mandar divulgar em outdoors ou no Café com Besteiras.

Um comentário:

  1. O q dizer? Simplesmente perfeita a tua criatividade. Menina, ate hj eu uso essa expressao "Mente, mente, mente, ate parecer verdade" e mais, ate o sotaque c o erre forte e o E q nao e I. Demais Poliana, os detalhes do Zangao c os oculos, parece q to vendo. Parabens mais 1 vz, a caricatura de algumas nobres realezas nao passa de semelhança... Gde bj e continue criando p termos 1 pco de sabor doce nos labios, pois diante do q vemos, so sentimos o gosto amargo do fel, como diz Maria Bethania!

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