sábado, 2 de abril de 2011

Poliana, a Marionete


Poliana estava esgota, há dias não conseguia conciliar o sono. Muitas eram as preocupações e dilemas a lhe povoar os pensamentos. Passava as noites a matutar uma forma de sair ilesa de todas as confusões em que se metera nos últimos tempos. Uma verdadeira avalanche se abatera sobre seu reino colocando em risco sua supremacia. Pensando bem, estava tudo muito fácil até agora para ser verdade. Poliana devia ter acreditado quando lhe disseram que não devia dar as costas ao seu nobre tutor, o Alquimista. Devia tê-lo mantido plenamente satisfeito para evitar o poder destruidor de sua fúria. Mas, deslumbrada com o poder e cega pela ganância, deixara de lado a cautela e a prudência e caíra, como dizia a plebe, de boca na gandaia. Seus companheiros, então, se atiraram como porcos em lavagem, esparramando lama pra todo lado. O Alquimista, astuto como só ele, apenas observava e esperava como um caçador o momento preciso de dar o bote e cobrar com juros e correção a dívida de Poliana.
Poliana recordava a lúgubre noite em que firmara um pacto de sangue com o Alquimista. Em frente a chama da luxúria e sob a estrela da falsidade Poliana jurara amor e devoção eternos ao grande mago. Em troca, o poderoso Alquimista, transformaria a então pobre e raquítica figura em uma estilosa e popular rainha. Capaz de iludir até o mais observador de seus súditos. Com o apoio de seu clã e a tutela proficiente do Alquimista, Poliana tornara-se a soberana do reino. Mas foram tempos difíceis aqueles. Horas e horas de estudo. Perdera a conta dos jargões, piadinhas, trocadilhos que precisara decorar. Frases de efeito que devia usar sempre que não tivesse a mínima idéia do que estava sendo discutido. Quantas noites em frente ao espelho, ensaiando suas mil e uma faces: cara de gente humilde, de gente de bem, de povo sofrido e explorado, de trabalhadora, de intelectual, de indignação, de preocupação genuína... E é claro, àquela que seria sua marca registrada: a cara de pau.
Tivera até que aprender como engasgar a voz e chorar em público, sempre com o melhor lance para as câmeras, e sem borrar a maquiagem. E as crianças! Quantas crianças ranhentas e mijadas tivera que carregar sem poder contorcer um único músculo de seu rosto em protesto e asco. Quantos beijos melados tivera que suportar. Tantas mãos calejadas tivera que apertar.E a comida! Quanto carreteiro e pão com lingüiça fora obrigada a engolir em nome do poder. Quantas noites a se contorcer em cólicas pela flatulência causada pela sempre presente e indigesta salada de repolho. E o pior de tudo era agüentar os discursos moralistas dos membros mais ortodoxos de seu clã que não viam com bons olhos a macabra aliança com o Alquimista e sua matilha de seguidores. Por sorte, esses eram fáceis de ludibriar. Bastava apelar para o sentimentalismo exótico de uma boa e velha ideologia vazia e eles já estavam prontos a levantar bandeiras e distribuir panfletinhos. Se todos fossem assim tão facilmente manipuláveis a vida de Poliana seria muito mais fácil.
Mas esses eram tempos passados. Poliana galgara esta etapa de sua formação e teria de enfrentar uma nova fase de seu aprendizado. Agora as lições que o Alquimista lhe daria seriam de outro nível. Poliana precisava aprender como se portar no poder com a elegância que a posição exige. Como usufruir do trono sem emporcalhar as vestes reais. Como se servir da coisa pública sem que toda coisa venha a público. Uma nova rainha precisaria emergir de toda essa imundície, ou a temível fúria do poderoso Alquimista se abateria sobre o já trôpego reinado de Poliana, a marionete.

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